Blog do Flavio Gomes
F-1

NA COMUNIDADE (2)

SÃO PAULO (que show!) – Max Verstappen não é normal. A pole-position que conquistou hoje em Mônaco pode ser colocada entre as maiores da história da F-1. Mas ele não achou: “A volta foi boa o bastante”, falou. Boa o bastante? Tu tá falando sério, rapá? Tu viu o que tu fez? A sessão que […]

Alonso e Verstappen: aula de pilotagem em Mônaco

SÃO PAULO (que show!) – Max Verstappen não é normal. A pole-position que conquistou hoje em Mônaco pode ser colocada entre as maiores da história da F-1. Mas ele não achou: “A volta foi boa o bastante”, falou.

Boa o bastante? Tu tá falando sério, rapá? Tu viu o que tu fez?

A sessão que defina o grid para a corrida de amanhã estava chegando ao final de um jeito frenético que fazia algum tempo não se via. Primeiro porque Verstappen, o mais rápido no Q1, no Q2, na fila do mercado e no caixa do estacionamento do shopping fizera uma volta ruim em sua primeira tentativa. Depois da primeira leva de voltas rápidas, estava apenas em quinto no grid. Não era uma posição à altura nem dele, nem do carro, nem de tudo que havia realizado até ali no ensolarado Principado desde ontem.

Então ele voltou para a pista e fez o melhor tempo. Só que Ocon veio em seguida e pulou para primeiro. Não é erro de digitação, estou falando de Ocon, mesmo, aquele pirulão da Alpine. Aí passou Leclerc e roubou dele a posição. Ouviram-se rojões nas vielas dos morros da comunidade, Charlinho é de lá. Mal deu tempo de respirar e surgiu Alonso, do alto de seus quarenta-e-tantos, que pouco antes fizera uma volta daquelas guiando, como ele mesmo disse, “como um animal”.

Àquela altura, festejar a pole de El Fodón Quarentón era legítimo: o tiozão da F-1, o cara que renasceu na Aston Martin, o amante das flores que rega os vasinhos do motorhome e se preocupa com o companheiro de equipe, a versão madura e simpática do piloto que mais disputou GPs na história e que não ganha uma corrida desde maio de 2013, quando ainda defendia a Ferrari. Nós, que já ostentamos alguns cabelos brancos, demos um risinho de canto de boca e, no íntimo, murmuramos: chupem, xóvens.

Então veio o xóvem Max, 25 anos, barba que nem cresce direito, daqueles que falam “tipo” e “tá ligado”. Abriu a volta, foi mais ou menos no primeiro setor do breve circuito monegasco, passou por carros mais lentos, algo que atrapalha qualquer mortal, concluiu o segundo setor da pista 0s2 atrás, a pole de Alonso estava garantida, faltava só o último trecho, a tarefa era impossível.

Fechou a volta 0s084 à frente do espanhol.

Ah, vai caçar rapaz, vai.

Os tempos da classificação: Leclerc seria punido, caindo para sexto

De onde Verstappen tirou aqueles décimos, não se sabe. Foi sua primeira pole em Mônaco e 23ª na carreira. Nas estatísticas, é o 13º com mais poles na história e deixou para trás, vejam como é irônico o destino, o mesmo Alonso que estava pronto para redimir todos nós que já dobramos o cabo da boa esperança. Assim mesmo, em minúsculas. Xóvem desgraçado!

Só restou aplaudir de pé o moleque que fez uma volta “boa o bastante”. O próprio Alonso fez questão de ser o primeiro a cumprimentá-lo. Estava feliz com a primeira fila, claro. Afinal, a última vez que largou por ali em Mônaco foi em 2007, pole-position pela McLaren. Não, não dá para reclamar de um segundo lugar no grid. Mas que no fundo deve ter ficado com raiva do xóvem desgraçado, deve. Até eu fiquei.

Sorrisos aqui e ali, efusivos e sinceros, caras feias acolá. Se Mônaco teve seus heróis no sábado, os vilões também bateram ponto. O primeiro deles foi Sergio Pérez. Companheiro de Verstappen na Red Bull, o mexicano larga em último. Ele, que venceu em Monte Carlo no ano passado, conseguiu estampar o carro na barreira de proteção da Sainte-Dévote com sete minutos de classificação, ainda no Q1. Pediu desculpas à equipe e assumiu o erro. Um erro “idiota”, nas palavras de Helmut Marko, oráculo rubro-taurino cujo santo não bate muito com o do devoto de Nossa Senhora de Guadalupe.

Outro que saiu com uma tromba considerável e voltou para casa aborrecido — não é força de expressão, mora perto — foi Leclerc. Terceiro tempo, foi punido com três posições no grid e caiu para sexto porque atrapalhou a volta rápida de Lando Norris. Charlinho vive em Mônaco situação parecida com a de Rubens Barrichello em Interlagos em seus anos de F-1: só se dá mal. Ano passado, na pole, terminou em quarto. Foi a primeira vez na vida que terminou uma corrida nas ruas de sua comunidade. Até de carrinho de rolimã e autorama tinha problemas para chegar ao fim. Em 2021, também na pole, quebrou indo para o grid. Oh dia, oh vida.

Leclerc: muito azar correndo em casa

Já que começamos pelo fim, o Q3 da pole consagradora de Verstappen, que sejam cá listados os dez primeiros, só para poder dar uma sequência lógica a este texto secreto. Sim, sei que está lá em cima na tabela de tempos, mas não custa escrever, para poder elogiar um ou outro: Verstappen, Alonso, Ocon, Sainz, Hamilton, Leclerc, Gasly, Russell, Tsunoda e Norris.

Elogiemos Ocon, que de vez em quando dá o ar da graça. Vale o mesmo para seu companheiro da Alpine, em sétimo. O CEO do time, Laurent Rossi, deu uma comida de rabo geral em todo mundo alguns dias atrás, com o perdão da expressão que resvala no chulo, porque as coisas andam mal na casa francesa. São meros 14 pontos em cinco corridas. Ano passado, nessa altura, a equipe tinha 26. Pelo jeito, a chacoalhada funcionou.

Merece também uma palavra de apoio e consideração o simpático e minúsculo Tsunoda, que engoliu de vez, na AlphaTauri, o celebrado Nyck de Vries, cujo emprego está por um fio. Assim como Hamilton, o quinto colocado, faz jus a uma discreta exaltção.

Lewis teve um começo de sábado complicado, terminando o terceiro treino livre do fim de semana com o carro batido na curva Mirabeau. Nem foi tão forte, a panca (estou cheio de gírias em itálico, hoje), mas o resgate de seu novo carro, o W14 da Mercedes que recebeu aplicações de botox, implantes de silicone e cílios postiços, acabou sendo o momento mais aflitivo do dia. Uma grua ergueu o automóvel a uma altura indizível, ele balançou, parecia que iria se espatifar no chão — o que não seria de todo mau para a equipe, que teria justa desculpa para fazer um novo chassi –, mas tudo terminou bem. Foi devolvido aos boxes sem maiores danos. Os fotógrafos aproveitaram para clicar a viatura por baixo e correram aos boxes para vender imagens do assoalho novo às outras equipes. Ninguém quis comprar. “Merda por merda, temos a nossa”, disse um funcionário da Alfa Romeo.

W14 balança na grua: parecia que ia cair

A Mercedes admitiu que inventou uns acertos esquisitos para o carro do heptacampeão, que por muito pouco não ficou empacado no Q2. Conseguiu se classificar na bacia das almas, com o cronômetro já zerado. Tudo que Hamilton viu de bom no novo modelo ontem foi colocado em dúvida hoje. Num certo momento, pelo rádio, desamparado, disse ao engenheiro: “Meu, esse troço é muito ruim de guiar, difícil pra cacete, puta que pariu, que merda vocês fizeram no carro?”. (As palavras em inglês foram outras, mas reforço que tenho tentado traduzir para vocês as conversas entre pilotos e equipes com interpretações que auxiliem na compreensão.)

Este Q2 acabou eliminando Piastri, De Vries, Albon, Stroll e Bottas, que ficaram com as posições de 11º a 15º. Antes, no Q1, foram escorraçados da classificação Sargeant, Magnussen, Hülkenberg, Zhou e o desafortunado Pérez, sobre quem já falamos acima, mas nunca é demais dizer, ou talvez seja melhor gritar mesmo, em maiúsculas: PAREM DE ACHAR QUE PÉREZ VAI LUTAR PELO TÍTULO! Obrigado.

Fiquem sossegados, o texto gigantesco está chegando ao final. Notei, no entanto, que faltam fotos de carros na postagem, e é de carros que se trata, afinal. Apreciem as três escolhidas abaixo e depois voltem para o desfecho desta extensa publicação.

Já disse aqui outras vezes que em Mônaco tudo pode acontecer, porque é óbvio. Em algumas pistas não acontece nada nunca, mas em Monte Carlo o vencedor de um ano pode largar em último no seguinte com o mesmo carro (Pérez), uma corrida pode terminar com quatro sobreviventes e um obscuro francês de um time às portas da falência ganhar (Panis, da Ligier), um favorito pode ser acertado no Túnel durante um safety-car para a vitória cair no colo de um italiano que só sabia vender vinhos (Schumacher, o favorito; Trulli, o enólogo), times pequenos podem levar seus pilotos ao pódio (Senna, da Toleman, e Barrichello, da Stewart). E pode não acontecer nada, também, porque assim é a vida.

Mas acho que amanhã vai acontecer bastante coisa. Porque tem Alonso na primeira fila doido para ganhar uma corrida. Já disse, faz dez anos que ele não sabe o que é isso na F-1. Porque em Mônaco é fácil bater, porque em Mônaco a chance de um safety-car sempre existe, porque Pérez deve fazer alguma besteira, porque Leclerc anda uma pilha de nervos, porque três pilotos nunca correram de F-1 no Principado (De Vries, Sargeant e Piastri) e não vão conseguir dormir hoje à noite, e porque pode ser que chova.

Como vocês podem ver aí embaixo, amanhã o sol nasce às 5h54 em Monte Carlo e se põe às 21h. Gosto particularmente das informações sobre a primeira e a última luz: começa a clarear às 5h20 e às 21h35 o manto da noite cobre de vez o Principado e aí todos os gatos serão pardos. A prova começa às 10h de Brasília, 15h locais, e de acordo com a previsão extraída de confiável site do Timor Leste há 50% de chances de chuva ali pela hora da largada. Fraca, verdade, mas mesmo chuva fraca em Mônaco ajuda bastante.

Previsão para Mônaco amanhã: chance de chuva fraca

Seja como for, o espetáculo de hoje já valeu a pena. Verstappen deu mais uma demonstração do enorme talento que tem, talento que já o coloca entre os maiores de todos os tempos mesmo se resolver se aposentar amanhã para viver nos Lençóis Maranhenses. Ninguém faz uma pole dessas em Mônaco se não for um piloto excepcional, muito acima da média, ainda que considere que tenha feito apenas uma volta “boa o bastante”.

Nem vem, rapá. A gente te manja. O que tu fez foi História com H maiúsculo. Sem exageros, que não sou dado a eles. Mas que ninguém minimize o que esse holandês vem realizando nos últimos tempos na F-1. Ele é um monstro de verdade.