Blog do Flavio Gomes
F-1

ALPINE A524: INCOLOR, INODORA E INSÍPIDA

SÃO PAULO (e sem gelo) – A piadinha de azul e rosa da infeliz da goiabeira já devo ter feito, e não será repetida. A questão da nomenclatura, se bem me lembro, vem do projeto de F-1 da Renault lá dos anos 70. Foi quando a montadora pediu à Alpine e à Gordini (as divisões […]

SÃO PAULO (e sem gelo) – A piadinha de azul e rosa da infeliz da goiabeira já devo ter feito, e não será repetida. A questão da nomenclatura, se bem me lembro, vem do projeto de F-1 da Renault lá dos anos 70. Foi quando a montadora pediu à Alpine e à Gordini (as divisões esportivas da marca, bem resumidamente) para fazer um monoposto que seria usado nos testes dos motores turbo que os franceses introduziriam na categoria. O carro foi batizado de A500. A série foi ressuscitada em 2021, com a mudança do nome da equipe, de Renault para Alpine. Ao A500 acrescentou-se o ano em questão.

Assim, A524 é o nome desse automóvel aí em cima, mostrado hoje em Enstone, onde fica a fábrica da equipe na Inglaterra. Outra turma trabalha na França, nos motores. É o quarto carro novo apresentado neste ano — Haas, Williams e Sauber foram os outros.

Enstone é onde ficava a Benetton. Perto de Oxford, Birmingham, Silverstone e da maioria das outras fábricas de equipes de F-1. Um vilarejo de mil e poucas almas, se tanto. Mas isso não importa. Temos de falar do carro que será pilotado por Pierre Gasly e Esteban Ocon neste ano. Ambos têm contratos com o time francês até o fim desta temporada. Eu diria que, se pudessem escolher, estariam em outras equipes. Principalmente porque as portas pelas quais entraram na categoria não ficavam exatamente em Enstone. Gasly era queridinho da Red Bull. Chegou lá, foi rebaixado para a Toro Rosso/AlphaTauri, e acabou tomando outro rumo diante do desinteresse de seus antigos empregadores. Ocon era boyzinho da Mercedes, mas a longevidade de Hamilton e a paixão dos alemães por Russell acabaram fazendo com que, como Gasly, precisasse alterar a rota. Acabaram juntos na Alpine.

Gasly e Ocon não se bicam, mas esse é o menor dos problemas da equipe. A Alpine adotou esse nome em 2021. Vinha de um quinto lugar em 2020, o último do time como Renault, tendo marcado 181 pontos em 17 corridas — foi no ano da pandemia, de calendário mais curto. Aí, na primeira temporada de azul, com Alonso a bordo, repetiu-se o quinto posto, mas com 155 pontos. Teve até vitória, na Hungria. De Ocon. Em 2022, a Alpine fez um bom campeonato, quando se olha a posição final: quarta colocada, atrás apenas da campeã Red Bull, da vice Ferrari e da Mercedes. Mas muito, muito longe na tabela. Foram 173 pontos, contra 515 do time alemão, que penou com um carro horrível e marcou três vezes mais pontos que os franceses.

Ano passado, a Alpine caiu na real. Terminou o Mundial em sexto, sendo superada pelas três maiores e por McLaren e Aston Martin. Anotou apenas 120 pontos, sem ser ameaçada por quem vinha atrás, mas sem fazer nem cócegas em quem estava à frente. Um desempenho pífio, que levou os executivos da Renault a demitirem no meio do ano o chefe Otmar Szafnauer, que havia chegado no início de 2022. Nisso, revezamento de chefia, a Renault lembra muito o Corinthians: troca, troca, e ninguém dá certo.

O carro apresentado hoje, como os que já vieram à luz, tem enormes áreas sem pintura, na já batizada cor preto-fibra-de-carbono. O restante é a cascata de sempre. O diretor técnico, cujo nome não guardei, falou que do ano passado só sobrou o volante. É a típica frase de efeito que os mais ingênuos engolem. Seja como for, dá para apostar sem medo de errar que em 2024 a Alpine será a mesma coadjuvante apagada de 2023. A Renault não investe muito no time, os pilotos são mal amados e mal humorados, o motor é considerado o mais fraco da F-1 (nenhuma outra equipe usa suas unidades de potência) e a única boa notícia dos últimos tempos foi a injeção de 200 milhões de euros feita em outubro do ano passado por um fundo de investimento que comprou 24% das ações da equipe. Fazem parte desse fundo F1Team/status/1714255092671512669?s=20" target="_blank" rel="noreferrer noopener">uma turma de atletas (jogadores de futebol, golfe, beisebol, futebol americano e até gente do boxe e do beisebol) e um punhado de atores cuja filmografia, confesso, desconheço.

O patrocínio mais importante segue sendo da BWT, uma firma austríaca que fabrica filtros para água — concorrente da Salus e da São João, segundo meu entendimento. Não fiquei particularmente impressionado com o carro e com as informações oficiais fornecidas no lançamento, por isso recorri a um antigo amigo que trabalhava em Viry-Châtillon, que identificarei apenas como “Francisco Rogério”. Hoje ele vende HB20 e Creta. Se alguém precisar de um seminovo — é a área que ele atende — é só falar comigo que passo o contato. Também é sócio de um estúdio de tatuagem.

Você acompanhou o lançamento hoje pela internet?
Francisco Rogério
– Não. Estava atendendo um cliente que devolveu o carro porque achou o motor muito fraco. Eu disse: queria o quê? Vem aqui comprar carrinho 1.0, esperava um Mustang? Falou que ia comprar um Kwid. Botei pra correr. Mas depois liguei pro pessoal da fábrica e eles me contaram tudo. O clima está tenso. O sindicato dos pintores montou uma barricada na porta por causa da demissão do pessoal.
Qual pessoal?
Francisco Rogério
– Se é o sindicato dos pintores, qual pessoal seria? Os padeiros que fazem croissant? A turma que pinta o carro, é óbvio. Não tem mais tinta, setor de pintura, estufa, nada.
Foram demitidos?
Francisco Rogério
– Todos. Ficou só um rapaz que aplica adesivos, o pior que tínhamos. Não consegue colar uma letra sem deixar bolhas. Também, com aquele salário de fome… Antes, pelo menos, tínhamos o gerente de alfinetes, que comandava o pessoal que furava as bolhas e consertava o que os aplicadores faziam. Eles respondiam para nosso diretor de espátulas plásticas, que tinha uma equipe ótima para fazer o acabamento na colocação dos adesivos, junto com o departamento de flanelas e polimento. Mandaram todo mundo embora, eram 139 funcionários, fora os temporários. Um desastre.
Tudo isso para colocar adesivos? Parecia uma estrutura, um pouco… inchada, não?
Francisco Rogério – Lá vem… Mais um liberalzinho para querer dizer como devemos gastar nosso dinheiro. Por isso saí. Quer dizer, saíram comigo. Tínhamos o estritamente necessário para o funcionamento de uma equipe. Sei de cabeça meu quadro de funcionários! Eram 32 padeiros, 14 chefs de cozinha – SÓ QUATORZE –, 85 instaladores de papel de parede, seis – SÓ SEIS – enólogos, 27 lavadores de janelas, 94 gráficos, 41 garçons, oito manicures, 62 colocadores de carpete, 24 jardineiros, quatro engenheiros, sendo um hidráulico, um técnico em informática e dois estagiários. E dois crupiês, fora os pilotos.
Crupiês?
Francisco Rogério
– Esses só trabalhavam em Mônaco, mas eram CLT. Acho que vão precisar mais alguns, com essa corrida de Las Vegas.
Não seria o caso de enxugar esse quadro funcional e investir mais em pessoal técnico?
Francisco Rogério
– Pra quê? No meu último ano o carro só melhorou quando uma manicure deu uma sugestão lá, usando um secador de cabelos da mãe dela, que tinha um salão. Por isso mandei o projetista chefe embora e contratei o rapaz da hidráulica.
Para cuidar dos sistemas do carro como câmbio, freio, recuperação de energia, suponho…
Francisco Rogério
– Não, do vazamento do banheiro da minha sala, mesmo. Arrumou, mas um mês depois começou a pingar de novo. Mas aí eu saí, não sei o que fizeram com ele. Devem ter mandado embora, também, eles demitem todo mundo. Esses executivos acham que F-1 se faz com meia dúzia de gatos pingados.
Bem, falemos do novo carro. A equipe disse que, do modelo do ano passado, sobrou só o volante…
Francisco Rogério – (interrompendo) …que não é do ano passado, é mentira! O volante que a gente vinha usando era do carro do Jabouille. Pelo menos quando eu estava lá. “Reduza os custos!”, me pediram. Fui no museu, arranquei o volante do carro do Jabouille e estávamos usando. Sem problema algum. Agora ficam com essa conversinha para a imprensa. Acham que enganam quem?
Na questão aerodinâmica, receio que a falta de um projetista chefe traga alguns problemas. Ou não é assim, graças a uma equipe bem preparada?
Francisco Rogério – Meu caro, essa turma da aerodinâmica só fala a mesma coisa. É fluxo de ar pra lá, fluxo de ar pra cá, aluguel de túnel de vento, downforce… Um dia me irritei, levantei da mesa, peguei um extintor de incêndio e espirrei o fluxo na cara de todo mundo! É fluxo de ar que vocês querem! Toma! Não aguentava mais aquela conversa!
E o que aconteceu?
Francisco Rogério – Me mandaram embora.