Blog do Flavio Gomes
F-1

MERCEDES W15: MELANCOLIA PROFUNDA

SÃO PAULO (triste, triste…) – O clima não foi de festa na apresentação do W15, o novo carro da Mercedes, nesta quarta-feira. Ao contrário, era visível o mal estar entre os integrantes da equipe duas semanas depois da notícia que abalou a F-1 — e os prateados em particular: a saída de Lewis Hamilton do […]

SÃO PAULO (triste, triste…) – O clima não foi de festa na apresentação do W15, o novo carro da Mercedes, nesta quarta-feira. Ao contrário, era visível o mal estar entre os integrantes da equipe duas semanas depois da notícia que abalou a F-1 — e os prateados em particular: a saída de Lewis Hamilton do time no final do ano, depois de 12 temporadas defendendo a estrela de três pontas.

O chefe Toto Wolff, por exemplo, não demonstrou nenhum entusiasmo com o novo carro e evitou fazer previsões otimistas. “Temos uma montanha para escalar”, disse. Ninguém falou em recuperar o título; no máximo, um desejo de se aproximar da Red Bull. Vice-campeã no ano passado, a Mercedes passou o ano em branco, sem vitórias. Foi a primeira vez que isso aconteceu desde 2013, quando Hamilton chegou ao time. O último triunfo aconteceu em 2022 em Interlagos, com George Russell. São duas temporadas sob o novo regulamento batendo cabeça, primeiro com um carro inguiável, depois com um sucessor igualmente imprevisível e difícil de dirigir.

O modelo mostrado em Silverstone é bem diferente de seu antecessor. A Mercedes percebeu, já no começo da última temporada, que teria de partir de uma folha em branco para desenhar o carro de 2024. Recuou a posição do piloto no cockpit em cerca de 10 cm — há quem fale em 20 cm. Abandonou conceitos aerodinâmicos que simplesmente não funcionaram, alterando radicalmente o desenho da traseira do carro. Seus projetistas se concentraram em aumentar a eficiência da asa móvel, que no ano passado não ajudava muita coisa na velocidade em retas. As suspensões foram modificadas, para mitigar o crônico problema de aquecimento dos pneus.

Vai dar certo? O cronômetro dirá. James Allison, que chefia o departamento técnico da Mercedes, falou que o W15 será meio segundo por volta mais rápido que o W14. É chute, apenas uma ordem de grandeza — cada pista é de um jeito; meio segundo em Interlagos é muita coisa, em Spa não é nada. Mesmo assim, tal melhora não será suficiente para bater a Red Bull — que também virá mais rápida em 2024.

Hamilton desfiou platitudes em suas declarações no comunicado oficial de lançamento, que foram impressas depois das aspas de Russell. Parece claro que as preferências na Mercedes passarão a recair na direção do jovem condutor do carro #63. Lewis, por sua vez, terá um ano que tende à melancolia, caso os resultados não sejam, logo de cara, aqueles que os alemães estão esperando. Na Mercedes de 2024, mais do que qualquer outra coisa, a prioridade será buscar um substituto para seu grande campeão.

Esse ambiente meio sorumbático chamou a atenção de todos, e por isso procurei com afinco falar com alguém que pudesse explicar exatamente o que estava acontecendo nesta quarta-feira fria e chuvosa nos arredores da fábrica. Apenas no final da noite encontrei uma figura importante, que só topou dar a entrevista que segue se sua identidade não fosse revelada. Assenti, mas inventei um nome qualquer sem qualquer significado — “Pebolim Lobo” — para que a sequência abaixo ficasse mais clara.

Achei vocês todos meio abatidos hoje. Muito trabalho, é isso?
Pebolim Lobo
– Sim, tivemos de mexer muito no carro de última hora.
Algum problema com o projeto?
Pebolim Lobo
– O piloto que não falo mais o nome pediu para sentar mais atrás no cockpit. Quando fizemos seu banco, ele não alcançava os pedais.
Isso é bem sério. Resolveram como?
Pebolim Lobo
– Almofadas.
Almofadas?
Pebolim Lobo
– Na verdade estávamos redesenhando o carro e fabricando novas peças. Aí veio aquela notícia. Ele que se vire, agora.
Mas é algo que pode prejudicar sua pilotagem. Piloto precisa se sentir confortável…
Pebolim Lobo – Ele está confortável. Colocamos almofadas. Contra minha vontade, inclusive. Por mim, enchiam de jornal velho e papelão. Mas parece que não mando mais nada aqui.
Como assim?
Pebolim Lobo – Depois daquela notícia, ordenei que o carro novo fosse zeropod outra vez. Era só pegar o do ano retrasado. E mandei colocar chumbo na traseira. Ele não passou o ano reclamando da traseira solta? Então era só aumentar o peso. Mas disseram que isso poderia prejudicar a equipe, que temos uma reputação a zelar, essa bobagem toda.
Se vocês tivessem dado ouvido às sugestões dele, talvez o carro do ano passado não fosse tão instável…
Pebolim Lobo – Se tivéssemos ouvido as sugestões dele, passaríamos a vida comendo brócolis, couve-flor e broto de bambu. E bebendo leite de soja.
Bem, o fato é que a equipe precisa reagir. O que norteou o planejamento para 2024?
Pebolim Lobo
– Gastamos muito dinheiro refazendo carro nos últimos dois anos. A primeira medida neste ano foi: austeridade. Cortamos algumas despesas pela metade. Agora, primeira classe de avião só para um dos pilotos. O mesmo vale para macacões novos, capacetes, hotéis cinco estrelas, carros alugados, refeições nos autódromos. Fizemos sorteios de cada item, para que ninguém nos acuse de perseguição a quem quer que seja, apesar daquela notícia.
Interessante, isso. Quem foi sorteado para viajar de primeira classe?
Pebolim Lobo
– George.
No caso dos hotéis, quem ficou com os cinco estrelas?
Pebolim Lobo
– George.
Caramba, que sorte. E na questão das refeições, um dos dois vai ter de pedir iFood. Qual deles vai comer no autódromo?
Pebolim Lobo – George.
Bem, isso é perfumaria, como se diz. Os pilotos se adaptam. Acredito que na pista as coisas serão diferentes. O que vai determinar a prioridade nas estratégias de corrida?
Pebolim Lobo – Sorteio, também. Já fizemos, antes de começar o campeonato, para ninguém encher o saco depois. O que é combinado não é caro.
Justo. Quem foi o primeiro a experimentar o carro novo?
Pebolim Lobo
– George.
No caso de um piloto se beneficiar num safety-car, por exemplo, qual deles vai ser chamado primeiro?
Pebolim Lobo
– George.
E se a pista ficar molhada, quem coloca antes os pneus de chuva?
Pebolim Lobo – George.
Puxa, ele foi mesmo muito feliz nesses sorteios. E quando vocês decidirem trocar posições numa prova, quem terá de ceder o lugar? George, também?
Pebolim Lobo – Não, o outro piloto. Como você percebe, o sorteio foi imparcial.