Blog do Flavio Gomes
F-1

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SÃO PAULO (com o pé nas costas) – A 55ª vitória da carreira de Max Verstappen, oitava seguida (venceu as últimas sete do ano passado), foi das mais tranquilas de sua vida. O holandês desfilou pelo circuito de Sakhir, no Bahrein, abrindo a temporada 2024 com um recado muito claro: será campeão de novo. Fez […]

Verstappen: 55 vitórias na carreira, oitava seguida, tetra à vista

SÃO PAULO (com o pé nas costas) – A 55ª vitória da carreira de Max Verstappen, oitava seguida (venceu as últimas sete do ano passado), foi das mais tranquilas de sua vida. O holandês desfilou pelo circuito de Sakhir, no Bahrein, abrindo a temporada 2024 com um recado muito claro: será campeão de novo. Fez a pole, liderou todas as voltas, ganhou e fez a melhor volta da corrida. Isso se chama Grand Chelem, alguns chamam de Grand Slam. A gente diz que é barba, cabelo, bigode e, sei lá, sobrancelha. Passar a régua. Foi a quinta vez que Max fez isso na F-1. O recordista é Jim Clark, com oito, seguido por Hamilton, com seis. Verstappen está, agora, ao lado de Schumacher e Ascari nessa estatística.

As coisas são como são, não adianta inventar. Ano passado, no Bahrein, Verstappen venceu e Pérez foi o segundo, também. Na ocasião, o mexicano ficou 11s987 atrás do parceiro. Essa diferença hoje dobrou. A melhor Mercedes do ano passado, de Hamilton em quinto, terminou 50s977 atrás. A melhor hoje, de Russell também em quinto, a 46s788. A melhor Ferrari de 2023 em Sakhir foi a de Sainz, em quarto, a 48s052 de Max. Hoje, o mesmo Sainz ficou em terceiro 25s110 atrás. Alonso, terceiro no ano passado, recebeu a bandeirada 38s637 depois de Verstappen. Hoje, 1min14s887.

A conclusão? Seguem todos batendo cabeça, o cenário é idêntico ao de 2023 e o tricampeão será tetra. Fácil.

Mas vamos contar a historinha desse GP do Bahrein, sempre tem o que contar.

Sainz: terceiro, pódio para a Ferrari

Na largada, um toque de Hülkenberg em Stroll foi o único incidente a ser relatado. Verstappen pulou bem, seguro e firme, e foi embora. Na terceira volta, apenas, começaram os primeiros movimentos de ultrapassagens: Norris para cima de Alonso, assumindo a sexta colocação, e Russell passando Leclerc, pulando para segundo.

Max, em seis voltas, já tinha 4s de vantagem para o educadíssimo inglês da Mercedes. Leclerc vinha atrás deles, com Pérez em quarto e Sainz em quinto. Os dois carros da McLaren já haviam superado Alonso, que caiu para oitavo. Hamilton e Tsunoda fechavam a turma dos dez primeiros.

Todos os pilotos largaram com pneus macios, prevendo uma prova de pelo menos duas paradas. O asfalto come-borracha do Bahrein demandaria uma primeira janela de pit stops não muito tardia.

Quando a prova foi encontrando seu ritmo, Pérez, sem muita dificuldade, passou Leclerc e foi para terceiro. O monegasco começou a cometer erros bobos que, mais tarde, seriam certamente atribuídos aos seus pneus. Velho problema da Ferrari: andar bem na classificação, mal na corrida.

Na altura da décima volta, uma dobradinha da Red Bull já se desenhava com contornos nítidos. Verstappen tinha 7s de vantagem para Russell, com Checo se aproximando pouco a pouco. Atrás deles, a dupla ferrarista começou a se pegar perigosamente até Sainz passar Leclerc, que caiu para quinto. De segundo na largada para quinto em dez voltas. Não, não era um bom início de prova, de campeonato, de ano para Charlinho.

Na 12ª volta Russell e Leclerc foram para os boxes e colocaram pneus duros. Verstappen e Pérez se estabeleceram, então, em primeiro e segundo. Entre eles, um intervalo de 10s. A 29ª dobradinha da história da Red Bull estava consolidada.

Aberta a janela de pit stops, na volta 13 mais uma leva de carros foi para os boxes. Naquele momento, o que interessava era ver como voltariam à pista Pérez, que também parou, e Russell. O britânico retornou ainda à frente. Mas, agora, muito pressionado pelo #11 da Red Bull. Que precisou de apenas uma volta para ganhar a posição. Passou para sexto, mas era um segundo virtualmente. À frente dele e atrás de Verstappen, Sainz, Alonso, Tsunoda e Albon ainda não tinham trocado pneus.

Sainz parou na 15ª volta e perdeu a posição para seu companheiro. Teria de enfrentá-lo de novo na pista. Verstappen, enquanto isso, passeava. Na 16ª volta, todos tinham parado, menos ele – o único com pneus macios na corrida.

Depois das trocas (esqueçam Max, a corrida dele era contra ele mesmo), Verstappen tinha 30s sobre Pérez, com Russell em terceiro. Sainz passou Leclerc e voltou à quarta posição. O holandês, finalmente, parou na volta 18. “Poderiam trocar meus pneus?”, pediu. “Claro, amigo, alguma preferência?” “Pode ser esse com a faixa branquinha.” “Quer dar uma calibrada? Quantas libras o senhor coloca? 32?” “Pode colocar o de sempre, aí.”

Enquanto Verstappen voltava à corrida sem preocupações, mais atrás um endiabrado Sainz partia para cima de Russell. E passou, saltando para terceiro. “Tem certeza que vão me mandar embora e ficar com esse menino chorão aí?”, perguntou pelo rádio. “Como?”, espantou-se o chefe Frédéric Vasseur, com seu adorável sotaque francês. “Nada, nada, perguntei se o menino que entrega o pão está fora de hora ou já chegou ao Pari!” Ficou um silêncio no rádio. “É que às vezes penso em espanhol e falo em inglês e me confundo com as palavras”, justificou-se Sainz. “Oh, oui”, tranquilizou-se Vasseur.

Vasseur: sempre muito delicado com seus pilotos

Na volta 25, uma mensagem chamou a atenção. Hamilton, que se arrastava em oitavo longe de ameaçar alguém ou ser ameaçado, avisou pelo rádio que seu banco estava quebrado. Ninguém lhe respondeu nada. “O banco, pessoal, meu banco está quebrado!” Toto Wolff, então, suspirou e chamou um ajudante. “Diz pro cara aí que se ele quiser um banco novo, é só pedir lá naquele box que tem as paredes vermelhas. E diga também que estamos ocupados lutando por um pódio com George, que costuma respeitar contratos.” O ajudante arregalou os olhos. “Vai lá e diz isso tudo, rapaz, e não esqueça da parte do contrato, agora me deixe em paz!”

As segundas paradas começaram na volta 28, com o pessoal do fundo do pelotão. Nada que mudasse a cotação do petróleo no mercado internacional. Na 30ª, Verstappen tinha 15s de vantagem para Pérez, que não era atacado por Sainz, o terceiro. Russell, Leclerc, Norris, Piastri, Hamilton, Alonso e Tsunoda seguiam nas dez primeiras posições. O tédio imperava.

Na 32ª volta, Russell parou e colocou um novo jogo de pneus duros. Uma tentativa de dar o pulo do gato quando Sainz fizesse sua troca. Mas não deu muito certo, não. Voltou no tráfego, perdeu tempo, acabou se enrolando.

Hamilton parou na 34ª. “E o banco? Meu banco quebrou!” Toto Wolff, lá de dentro da garagem, chamou o ajudante de novo. “Diz pro bonito aí que se ele quebrou o banco, vai ter de pagar. Que no contrato dele não diz que temos de trocar as coisas que ele quebra, e que respeitamos contratos.” O ajudante arregalou ainda mais os olhos. “Vai! Diz logo! E não esqueça da parte do contrato. Depois veja se George está precisando de alguma coisa e me avisa.”

Hamilton: “Estamos mais atrás da Red Bull do que esperávamos”

Carlos parou na volta 36 e, como se imaginava, voltou à frente de Russell com alguma folga. Ambos seguiram nos pneus duros. Já Pérez foi para os boxes na volta seguinte e colocou pneus macios. Na volta seguinte, foi a vez de Verstappen. Fez o mesmo. Ah, não colocou duros porque a equipe gastou tudo e não tinha nenhum, né? Precisou improvisar, né?

Não. Bobagem. Na verdade, a Red Bull foi a única que economizou pneus macios pensando na corrida, e não em fazer voltas voadoras nos treinos livres. Está explicado por que Max e Checo não lideraram a folha de tempos na quinta e na sexta, exceto na hora em que precisava? Espero que sim. A estratégia era exatamente essa: ter dois jogos de macios novos para a corrida, um para começar a prova, outro para terminar, com seus carros mais leves e em condições de fazer duas dezenas de voltas sem se preocupar com o desgaste da borracha menos resistente, mas mais veloz. Simples e brilhante. As ideias mais simples são as mais brilhantes.

Em sétimo entre os dois carros da McLaren, na volta 41, Hamilton entrou no rádio de novo. “Esses caras estão rápidos, parceiro!” Toto Wolff nem deixou o engenheiro responder. Apertou o botão e falou: “Você que é lento!”. Lewis não entendeu. “Como?”, perguntou. “Nada, Lewis, foi linha cruzada”, tentou abafar Bono, o engenheiro. “Ele disse lento?”, insistiu o piloto. “Não, Lewis, ele falou vento”, mentiu o engenheiro, disparando um olhar de censura em direção ao chefe, que devolveu com um gesto de mão como se dissesse “não me enche você também”.

Tinha motivos para estar irritado, o comandante da Mercedes. Era uma noite em que nada dava certo. Na volta 46, Russell, em quarto, já estava longe de brigar pelo pódio com Sainz e passou a ser atacado por Leclerc. Acabou perdendo a posição para a Ferrari #16 na entrada da reta dos boxes.

Na volta 52, lá no fundo do pelotão, a É de Aproximar? ordenou que Tsunoda trocasse de posição com Ricciardo. Eles estavam em 13º e 14º. Ordem que deixou o japonês irritadíssimo. “Vocês estão brincando?” Não deu mesmo para entender direito, nada estava em jogo ali. Azar deles. Arrumaram uma treta interna logo na primeira corrida do ano. Tsunoda ficou até o fim da corrida reclamando pelo rádio: “Valeu, hein? Adorei. E aí? Ele tá rápido, hein? E aí? Não vão falar nada?”. Ninguém falou nada.

Mas era algo absolutamente irrelevante. Verstappen, da equipe matriz, horas à frente, recebeu a bandeirada com impressionantes 22s457 sobre seu companheiro Pérez, o segundo colocado. Sainz completou o pódio. Pelo rádio, mandou ver: “Estão vendo, né? Eu aqui arrebentando, vocês ficam com o garotinho de Mônaco e contratam o Lewis que já tem quarenta anos, é um disparate!” “Como?”, assustou-se Vasseur novamente pelo rádio. “Nada, nada, disse apenas que estou pensando em arrebentar as paredes do meu apartamentinho em Mônaco e que quem vai fazer o serviço é o seu Luís que trabalha com isso há quarenta anos e sempre leva seu alicate.” “Oh, oui”, acalmou-se o chefe com seu encantador sotaque francês.

A zona de pontos teve ainda Leclerc em quarto, Russell em quinto, Norris em sexto, Hamilton em sétimo, Piastri em oitavo, Alonso em nono e Stroll em décimo. Todos os carros completaram a corrida.

Resultado final: domínio absoluto de Verstappen e nenhum abandono

Uma corrida ruim, diga-se. Mas mais uma aula de competência da Red Bull e de Verstappen. Uma ducha de água gelada em quem apostava num campeonato disputado e competitivo, aqueles que acreditam em qualquer besteira que escrevem por aí e se comunicam através de emojis e gritos histéricos em letras maiúsculas nas redes sociais.

Quem acompanha a coisa por aqui sabe que a realidade é bem diferente. A gente pode até torcer para que mude. Mas, como escrevi lá em cima, as coisas são como são. Semana que vem em Jedá vai ser igual.