Blog do Flavio Gomes
F-1

DIA DO “ME QUEDO”

SÃO PAULO (bom pra nós) – Com essa folha de papel (enviada digitalmente, claro) e essa foto em redes sociais, Aston Martin e Fernando Alonso anunciaram a extensão do contrato do espanhol. O compromisso atual terminaria no final de 2024, com uma opção de renovação. Ela foi exercida em comum acordo. E por mais de […]

SÃO PAULO (bom pra nós) – Com essa folha de papel (enviada digitalmente, claro) e essa foto em redes sociais, Aston Martin e Fernando Alonso anunciaram a extensão do contrato do espanhol. O compromisso atual terminaria no final de 2024, com uma opção de renovação. Ela foi exercida em comum acordo. E por mais de um ano, já que a velha e boa palavrinha “multi-year” foi usada para definir o novo contrato. Multianual pode ser qualquer coisa entre dois e mil anos. Significa que até 2026, pelo menos, Alonso fica na Aston Martin. E com uma curiosidade adicional: em 2026 a equipe passa a usar motores Honda, fornecedora duramente criticada por ele ao longo de três anos na McLaren, de 2015 a 2017.

Eram outros tempos. Os japoneses, no final de 2008, venderam sua equipe para Ross Brawn e foram embora da F-1. Resolveram voltar em 2015 para reeditar uma parceria com a McLaren que, nos anos 80 e 90, foi das mais bem sucedidas da história. Mas seus primeiros motores, justiça seja feita ao piloto, eram muito problemáticos. Faltavam-lhes potência e confiabilidade. A ponto de Alonso, num GP do Japão, pelo rádio, tê-los chamado de “GP2 engine”. Uma humilhação pública talvez desnecessária, ainda mais em Suzuka, pista da Honda. GP2 era a categoria que vinha abaixo da F-1, hoje F-2. Aquilo pegou mal. A McLaren acabou dispensando a Honda e passou a usar motores Renault.

Depois disso Alonso foi embora, ficou dois anos afastado da F-1 (2019 e 2020) e voltou em 2021, para correr pela Alpine — novo nome da Renault, sua velha conhecida. Já a Honda encontrou seu porto seguro na Red Bull e os “GP2 engine” viraram campeões. A

Em agosto de 2022, assim que Sebastian Vettel anunciou sua aposentadoria, o espanhol fechou com a equipe verde do milionário Lawrence Stroll, seu conhecido de longa data. E foi assim que ele renasceu em 2023, com uma impressionante sequência de pódios no início da temporada e guiando com a classe de sempre. Terminou o campeonato num excelente quarto lugar, à frente dos pilotos de Ferrari e McLaren e atrás apenas da imbatível dupla da Red Bull e de Hamilton.

Aos 42 anos — faz 43 no final de julho –, Alonso é uma lenda viva das pistas. Podem dizer o que quiserem, mas uma figura como ele faz bem a qualquer competição. Primeiro, porque é um piloto excepcional. Depois, ainda que o espanhol não levante a questão como uma bandeira, para combater o etarismo no esporte. Ele não se comporta como um veterano desmazelado e decadente, aquilo que se costuma chamar de ex-atleta em atividade. Ao contrário, desfila seu talento, inteligência, velocidade e espírito competitivo cada vez que entra num carro. Eleva o nível do grid. E se sua longevidade acaba ocupando espaço de pilotos mais jovens, azar dos jovens. Eles também costumam ocupar os lugares dos mais velhos sem muito remorso. Que lutem.

Entre eles, o brasileiro Felipe Drugovich. O campeão da F-2 de 2022 está em seu segundo ano como piloto reserva da Aston Martin. Terá de se mexer se quiser mesmo um lugar na F-1 para correr. A não ser que Lance Stroll resolva parar de uma hora para outra, o que parece pouco provável. Ele é filho do dono da equipe. A vaga que poderia eventualmente ser aberta com uma provável aposentadoria de Alonso já era. Fernandinho não é eterno, claro. Mas pelo menos até o final de 2026 o cockpit é dele. E Drugovich não pode esperar tanto tempo.

Alonso estreou em 2001 pela Minardi, é o piloto que mais GPs disputou na história (381) e o que ostenta o maior intervalo entre a primeira e a última corrida da qual participou na F-1 — já são 23 anos de estrada, mas não de temporadas consecutivas, já que ficou fora de algumas. Tal recorde será significativamente ampliado com o novo contrato. Ganhou dois títulos mundiais (2005 e 2006 pela Renault), passou por várias fases e regulamentos da categoria, venceu 32 corridas (a última em Barcelona/2013 pela Ferrari), fez 22 poles e subiu 106 vezes ao pódio. Já correu em Indianápolis, faturou as 24 Horas de Le Mans e disputou o rali Dakar. Enfrentou, ao longo de mais de duas décadas, gente do calibre de Schumacher, Button, Hakkinen, Villeneuve, Montoya, Raikkonen, Alesi, Rosberg, Vettel, Hamilton e até o pai de Max Verstappen, Jos. É um “racer”. Dá gosto de ver.

Mike Krack, chefe da Aston Martin, disse que vinha conversando com Alonso havia alguns meses, e que o asturiano tinha prometido falar com o time assim que tomasse uma decisão sobre a continuidade de sua carreira. Antes disso, não conversaria com ninguém. Foi o que fez. A extensão de seu contrato encerra as especulações que o colocavam na Mercedes ou na Red Bull para 2025, já que ele estava teoricamente livre no mercado e essas duas equipes ainda não fecharam suas duplas para o ano que vem. “Here to stay”, estou aqui para ficar, disse El Fodón, e o assunto está encerrado.

Claro que em alguns lugares vocês lerão que a relação com a Honda será um problema, que em algum momento tudo vai dar errado, que é o fim do mundo “nosso Drugo” não ter sua chance. São as trombetas dos “influenciadores” nas redes sociais, aqueles que acham que descobriram a roda e que tiveram uma grande sacada ao recuperar vídeos piratas de Alonso dizendo “GP2 engine” para colocar em seus perfis. As legendas serão publicadas na linha “vai dar muito certo” (pode ser que escrevam “serto”), “eu conto ou vocês?”, seguidas de “kkk” e emojis de carinhas de todos os tipos, antevendo crises incontornáveis e o apocalipse.

Esqueçam isso, ninguém na F-1 liga para tais bobagens. A vida real é bem diferente.