Blog do Flavio Gomes
F-1

PRINCIPESCAS (3)

SÃO PAULO (zzz) – Numa corrida enfadonha do início ao fim, Charles Leclerc venceu o GP de Mônaco e acabou com seu jejum de quase dois anos sem vitória. O piloto da Ferrari não ganhava uma prova desde a Áustria em julho de 2022. Foi sua sexta vitória na F-1, a primeira correndo em casa […]

Leclerc vibra: primeira vitória de um monegasco correndo em casa

SÃO PAULO (zzz) – Numa corrida enfadonha do início ao fim, Charles Leclerc venceu o GP de Mônaco e acabou com seu jejum de quase dois anos sem vitória. O piloto da Ferrari não ganhava uma prova desde a Áustria em julho de 2022. Foi sua sexta vitória na F-1, a primeira correndo em casa – e também a primeira vez que um nativo ganha nas ruas do Principado. Oscar Piastri, da McLaren, terminou em segundo. E Carlos Sainz fechou o pódio com a outra Ferrari. Max Verstappen, líder do Mundial, chegou em sexto.

Emoção de verdade o GP monegasco só teve na primeira largada. Sainz furou um pneu num toque com Piastri e passou reto na Praça do Cassino. Mas não bateu. E nem deu tempo de Leclerc, que largou na pole e sustentou a liderança, completar a primeira volta. Lá no fundão, um violento acidente acabou com o carro de Pérez e com a dupla da Haas. A bandeira vermelha foi imediatamente acionada. Os pilotos saíram ilesos.

Quando as imagens da batida foram liberadas, foi fácil entender sua dinâmica. Pérez largou mal e logo depois da Sainte-Dévote tinha um Haas de cada lado na subida para o Cassino: Hülkenberg pela esquerda, Magnussen pela direita, ambos um pouco atrás. Mas a roda dianteira esquerda do dinamarquês resvalou na traseira direita do mexicano, que rodou, acertou Hulk, bateu dos dois lados da pista e os três se estreparam. Os comissários teriam dificuldade para estabelecer culpabilidade – estou escrevendo como fala o Tite. Na minha modesta visão, incidente de corrida, ninguém fez nada errado, foi um azar desgraçado. Magnussen foi o primeiro a falar à imprensa: “Eu confiei que ele [Pérez] me deixaria um espaço”. “Foi desnecessário”, resumiu Checo depois. Ninguém foi punido.

Enquanto a bandeira vermelha não era acionada, houve mais uma contenda envolvendo pilotos da mesma equipe. Na entrada do Túnel, Esteban Ocon emparelhou com Pierre Gasly e, como uma vaca louca — ou uma “vache folle”, que é o que eu diria se trabalhasse na TF1 –, deu na lateral do companheiro. Roda com roda, Esteban decolou e quase capotou. Pierre entrou no rádio e ficou uns 15 minutos dizendo “meu Deus, meu Deus, o que ele fez, o que ele fez, meu Deus, o que ele fez, o que ele fez, minha Nossa Senhora, o que ele fez, meu padim padre Cícero, minha Nossa Senhora de Lourdes, o que ele fez, o que ele fez?”, e falou tantas vezes a mesma coisa que nem ouviu quando seu engenheiro avisou que a corrida estava interrompida.

Ocon decola em Gasly: “Minha culpa”, disse Esteban

O pessoal da faxina foi chamado, a pista foi limpa e o grid foi remontado com as posições originais de largada pouco mais de 40 minutos depois, para sorte de Sainz. Ocon ficou fora, com o carro todo estropiado. Depois assumiria a culpa pelo incidente e levaria uma punição pesada: perda de cinco posições no grid da próxima corrida, no Canadá. Pelo Twitter, pediu desculpas à equipe. Bruno Famin, chefe da Alpine, considerou o episódio “inaceitável” e ameaçou: “Vai haver consequências”.

Todos os pilotos mudaram seus pneus durante a paralisação. Os que tinham duros na primeira largada trocaram por médios – como Hamilton, Russell, Verstappen, Gasly, Stroll e Bottas. Os demais escolheram os duros. A nova largada foi tranquila e Leclerc, como na primeira, manteve a ponta. O trenzinho se formou atrás dele sem mudanças de posição entre os dez primeiros. E começou a procissão. A ideia de todo mundo era chegar ao final da prova sem parar – a troca obrigatória de pneus tinha sido feita por vários pilotos durante a bandeira vermelha, que ofereceu um pit stop grátis para todos no grid e acabou com qualquer possibilidade de alguma variação nas estratégias de cada time. O acidente de Pérez, Magnussen e Hülkenberg matou o GP na primeira volta.

Russell: queria acelerar, equipe não deixou

Na frente, Leclerc carregava Piastri a menos de 1s de distância, mas sem que o piloto da McLaren fizesse qualquer menção de tentar ultrapassá-lo. Na volta 14, Sainz, em terceiro, se juntou a eles para atazanar o australiano. Norris vinha um pouco mais atrás e Russell, em quinto, era orientado pela Mercedes a não andar muito perto do outro carro patriota para não estragar seus pneus. “Mas, senhores, talvez essa seja nossa melhor oportunidade de perpetrar uma ultrapassagem, uma vez que meu automóvel tem um desempenho…”, e então Toto Wolff entrou no rádio e mandou o educado mancebo calar a boca.

Com 20 voltas, as posições permaneciam inalteradas, todo mundo levando muito a sério a máxima de que em Mônaco é difícil ultrapassar – o “passômetro” registrava zero tentativa. Os quatro primeiros alternavam momentos de proximidade entre si com outros de calculada distância, para dar um refresco na temperatura de motor e freio, carregar baterias e, também, não judiar muito dos pneus. O ritmo, ditado por Leclerc, era fastidioso.

Quem saiu para tomar um café e voltou dez voltas depois não perdeu nada. Na 30ª, tudo seguia igual. Leclerc, Piastri, Sainz e Norris comportavam-se como uma sanfona coletiva: abre, aperta, acelera, freia, acelera de novo, chega perto, afasta. O mesmo acontecia atrás deles. Russell, Verstappen e Hamilton formavam o segundo pelotão. Tsunoda, em oitavo, era a locomotiva que puxava Albon, Gasly e Stroll na terceira composição. O último grupo tinha Alonso, Ricciardo, Sargeant, Zhou e Bottas. O “passômetro”, instrumento que criei hoje, seguia zerado.

Verstappen: “Quero meu travesseiro!”

Os retardatários começaram a aparecer para os líderes na volta 41. Todos muito civilizados, sem ousar atrapalhar os mais rápidos. “Isso aqui tá um saco, eu devia ter trazido meu travesseiro”, disse Verstappen pelo rádio. Muita gente em casa pensou o mesmo.

Na volta 43, Stroll fez uma troca de pneus. Estava em 11º, em 11º voltou. Tinha uma grande vantagem para Alonso e passou a puxar a fila que até então era comandada pelo espanhol, seu companheiro de equipe. Sete voltas depois, um de seus pneus furou, saiu da roda, mas ele estava na entrada dos boxes. O pneu furado também decidiu não incomodar a sonífera corrida monegasca. Não foi preciso bandeira amarela, safety-car virtual, avisos sonoros, nada. Nada, nada, nada.

Com grande vantagem sobre Tsunoda, o oitavo, Hamilton parou na volta 52 e colocou pneus duros novos. Na volta seguinte, Verstappen fez o mesmo. E, em vez de um travesseiro, recebeu ele também quatro pneus duros novos. Como Stroll fizera antes, ambos voltaram onde estavam. A ideia dos dois era tentar a melhor volta da corrida para ganhar um pontinho extra. Max fez primeiro. Hamilton deu o troco em seguida.

Piastri, segundo: carro patriota no pódio

Mas Verstappen tinha outras ambições, além da volta mais rápida: passar Russell e ganhar o quinto lugar. George tinha pneus médios desde a segunda largada, e eles estavam em petição de miséria. O holandês chegou muito rápido no Mercedão #63 e foi para cima dele. Só que – de novo – passar em Mônaco é difícil etc. E, com isso, Hamilton, o sétimo, se aproximou de ambos. E o que aconteceu? Nada, nada, nada.

Na ponta, ali pela volta 60, ainda tinha gente se perguntando: Leclerc vai trocar pneus? E Piastri? E Sainz? E Norris? Era óbvio que não. Os quatro vinham sendo instados por seus engenheiros a andar devagar desde o início da corrida, para poupar borracha e equipamento. Assim, a prova ia caminhando para o final. E ninguém, claro, iria arriscar um pit stop àquela altura só para atender aos anseios do respeitável público no autódromo ou vendo a corrida pela TV. Se fosse preciso andar mais devagar ainda, andariam. Todos. Um porre.

Nem Max se esforçou demais. Depois de três ou quatro voltas atrás de Russell, percebeu que mesmo com pneus novos não conseguiria superar o inglês. Conformou-se com a sexta posição e lamentou não ter levado ao menos uma almofada para o cockpit. Ou, talvez, seu videogame.

Ferrari: vitória e dois no pódio

Nas últimas sete voltas, Leclerc abriu bastante para Piastri, mais de 7s — resultado de melhores negociações com retardatários, que fizeram o australiano perder mais tempo. Oscar, então, se viu ameaçado pela cara feia de Sainz. Que, por sua vez, era assediado pelo influencer Norris. Ocorre que careta dentro do capacete e postagens no Instagram não são o bastante para passar alguém em Mônaco. Assim, a prova terminou do jeito que começou: Leclerc, Piastri, Sainz, Norris, Russell, Verstappen, Hamilton, Tsunoda, Albon e Gasly nas dez primeiras colocações. Lewis ficou com o ponto extra da melhor volta. A bandeirada foi dada pelo atacante Mbappé, da seleção francesa, prestes a ser anunciado pelo Real Madrid.

No pódio, Leclerc fez festa. Estendeu uma bandeira de Mônaco e recebeu o troféu do príncipe Albert. Que entrou no clima e espirrou champanhe nos pilotos. Frédéric Vasseur, o bonachão — e competente — chefe da Ferrari, ladeou seu pupilo, de sorriso aberto e ego inflado. O piloto estava bem emocionado. Lá embaixo, na pista, todos aplaudiam. Dos barracos pendurados nos morros da Côte D’Azur ouviam-se estampidos de rojões. Júbilo do povo monegasco! Prosecco para todos!

Foi o pior GP da temporada. Mas ajudou bem Charlinho, que conseguiu uma pontuação robusta frente ao discreto sexto lugar de Verstappen. A liderança do campeonato continua com o holandês, com 169 pontos. Mas Leclerc, que estava 48 atrás, reduziu a diferença para 31.

Final em Mônaco: Gasly e Albon fazem seus primeiros pontos no ano

A próxima etapa acontece no Canadá, daqui a duas semanas. Lá a Red Bull deve mostrar que Mônaco foi apenas um soluço. Mas que se cubra. Porque no Mundial de Construtores a Ferrari foi a 252 pontos, contra 276 do time energético. Não é uma vantagem confortável. Ainda mais quando se tem um piloto como Pérez — que até começou bem o ano, mas já entrou na sua espiral de desgraças. Nas últimas duas provas, o mexicano marcou quatro ridículos pontos. Leclerc fez 40, Norris marcou 30 e Sainz, 25. Com isso, o mexicano caiu para quinto na classificação.

Verstappen é bom, mas não faz milagre. Para ganhar um título de Construtores, não dá para contar com um piloto só.