Blog do Flavio Gomes
Autódromos

Estupra, mas não mata

SÃO PAULO (eu ia lá de noite para ver as obras) – Vivi mui intensamente as discussões sobre as reformas de Interlagos, levadas a cabo em 1989. Era editor de Esportes da “Folha” e o assunto era prioridade da gente, porque dizia respeito ao retorno da F-1 a SP. O vídeo postado ontem com a […]

SÃO PAULO (eu ia lá de noite para ver as obras) – Vivi mui intensamente as discussões sobre as reformas de Interlagos, levadas a cabo em 1989. Era editor de Esportes da “Folha” e o assunto era prioridade da gente, porque dizia respeito ao retorno da F-1 a SP.

O vídeo postado ontem com a volta de Emerson na pista velha tem gerado muitas perguntas do pessoal mais novo. Parece haver um senso comum: o traçado foi assassinado, estuprado desnecessariamente.

De fato, havia propostas melhores para a reforma, e a melhor delas é essa abaixo, de autoria de Chico Rosa, à época (e hoje de novo) administrador do autódromo. Foi na gestão Erundina que Interlagos foi estuprado, mas não se deve atribuir à prefeita nenhuma culpa. Seu papel foi salvar a F-1 no Brasil, e isso a Princesa fez direitinho.

O projeto abaixo foi o primeiro a ser apresentado a Bernie Ecclestone, e é bem interessante. Primeiro, e principalmente, porque preservava o traçado original. Depois, eliminava os dois pontos críticos de uma reforma: área de escape na 3 (criava-se uma chicane) e no Sol (a curva saía do circuito).

Chico bolou uma ligação entre a retinha que levava à Ferradura e a então Subida do Lago, trecho que seria feito ao contrário para se juntar ao antigo Laranja, com aproveitamento integral do miolo (S, Pinheirinho e Bico de Pato).

Era, certamente, uma proposta bem melhor do que a finalmente adotada. Segundo o Chico, com quem conversei longamente ano passado numa viagem entre Silverstone e Londres, com o Fábio Seixas junto, quem resolveu mudar tudo foi Ayrton Senna (o Chico não o perdoa por isso). Foi ele quem inventou o S que leva seu nome, e que vem a ser o ponto exato de destruição do velho traçado. Isso porque aquela curva inviabiliza uma saída de box na 1, como era antes.

A partir do desenho de Senna, a pista encurtou demais e trechos antigos foram sendo dizimados. Dá pra refazer? Claro, hoje dá para fazer qualquer coisa. Basta vontade e dinheiro. A maior parte da pista velha está lá: 1, 2, Retão, 3, 4, Ferradura. O problema é do Sol até o Laranja. A curva do Sargento foi ocupada por uma quadra de esportes. Mas é simples: destrua-se a quadra e refaça-se a curva.

Dificuldade seria mesmo a saída de box, porque uma nova inviabilizaria o traçado atual. Há relevo ali, e só passando por cima do S do Senna para retornar ao leito da pista antiga.

Agora, se alguém quiser, faz.

A propósito, o estupro de Interlagos, na opinião mais do que sensata de Chiquinho Lameirão, tem a ver com a escassez de talentos brasileiros nos últimos anos. Entrevistei-o um tempo atrás e, resumidamente, ele disse:

“Antigamente os pilotos se formavam em Interlagos, uma pista que tinha todo tipo de curva. Aí o cara ia para a Inglaterra, entrava num circuito diferente, mas começava a identificar: êpa, essa curva aqui é igual ao Laranja; essa é como a Ferradura; essa aqui parece o Bico de Pato… E o sujeito se adaptava rápido a qualquer pista, porque Interlagos tinha um pouco de todas. Ou todas tinham um pouco de Interlagos. Hoje este traçado não ensina nada. Não tem uma curva de alta, é uma pista fácil e nada técnica.”

Cheio de razão, o Chiquinho.