Blog do Flavio Gomes
F-1

MONEGASCAS (5)

SÃO PAULO (eu também preciso sair) – Vozes e mais vozes se erguem contra a FIA e sua F-1 popular, sem Ferrari. A última: Felipe Massa. Disse hoje que sem as grandes equipes, a F-1 não será a F-1 e, portanto, ele não correrá nisso que pode surgir em 2010. No começo da semana, Fernando […]

SÃO PAULO (eu também preciso sair) – Vozes e mais vozes se erguem contra a FIA e sua F-1 popular, sem Ferrari. A última: Felipe Massa. Disse hoje que sem as grandes equipes, a F-1 não será a F-1 e, portanto, ele não correrá nisso que pode surgir em 2010. No começo da semana, Fernando Alonso falou algo parecido.

Vejo uma pontinha de presunção no discurso de Massa, que na verdade é mais da Ferrari do que dele. A Ferrari não é a única equipe no mundo capaz de fazer carros de corrida. Há estruturas muito profissionais e competentes também na LMS, no Mundial de Rali, na GP2, na Indy. Devagar com o andor. De grande, mesmo, se sair, é só a Ferrari que fará falta. A Renault é ciclotímica, entra e sai da categoria ao sabor da vontade de seus CEOs. A Toyota é seguidora (eu diria fundadora, até) da cultura corporativa japonesa — pouco confiável quando se fala de esporte, como a Honda, a Subaru e a Kawasaki demonstraram nos últimos meses.

O que Renault e Toyota podem, sim, é usar o quebra-pau com Mosley como pretexto para fazer algo que, cedo ou tarde, fariam de qualquer jeito.

Portanto, admita-se que a Ferrari faz falta, fará se desistir. Mas eu não vejo mal algum num Mundial com Brawn, McLaren, Williams, Force India, Campos, Prodrive-Aston Martin, iSport, Lola, USGP-sei-lá-o-quê. Não são piores do que Midland, Spyker e outras coisas recentes que passaram pela F-1, incluindo Red Bull e Toro Rosso, que surgiram como excentricidades de um austríaco milionário e acabaram se transformando em times respeitáveis e vencedores de GPs.

Não estou, aqui, defendendo a F-1 de dois regulamentos e teto fixo de Max. Acho o teto uma bobagem, por ser impossível de fiscalizar, e a regra duplicada, uma estupidez — serve para categorias de protótipos e turismo, como a Le Mans Series, que tem muitos mais carros no grid, mas não para monopostos. A FIA conseguiria essa redução de gastos com outras ferramentas, como engessar o regulamento técnico, padronizar peças, restringir o uso de túnel de vento, diminuir a quantidade de gente nos boxes, limitar até o tamanho desses motorhomes que são verdadeiros monumentos ao desperdício e à ostentação.

Há mecanismos que podem ser mais facilmente colocados em prática para cortar custos do que estabelecer um limite que ninguém vai conseguir controlar, porque são equipes sediadas em países diferentes, sujeitos a diferentes regimes tributários, a diferentes culturas econômicas etc e tal. Mosley é inteligente, mas sua estratégia, neste caso, é burra — e a intransigência da Ferrari, que não quer nem saber de conversar, potencializa a burrice do regulamento de 2010.

Bem, eu dizia que não estou defendendo a F-1 de Mosley, mas também não defendo a postura arrogante da Ferrari, que se acha o último biscoito do saquinho de polvilho Globo. Fosse tão boa quanto acha que é, a equipe não estaria levando uma sova da Brawn, que tem três meses de vida, ou andando atrás da Red Bull, que se preocupa muito mais com suas latinhas de energéticos do que com automóveis.

É bom baixar a bolinha. A Ferrari é duca, faz carros lindos e maravilhosos (e caríssimos), mas vive num mundo da fantasia há décadas. Seus produtos são comprados exclusivamente por bilionários hedonistas que se preocupam muito mais em exibir seus carros do que em dirigi-los. A empresa, como um todo, vive dessa pequena massa de endinheirados para a qual nunca há crise, mas que de um ponto de vista sóciocultural é desprezível para o planeta. Enfim, uma maravilhosa fábrica de chocolates Wonka que faz carros em vez de bombons — portanto, de importância relativa.

“Ah, mas a Ferrari tem torcedores”, argumentará alguém. É verdade, e a imensa maioria deles jamais terá uma Ferrari na vida, nem sequer chegará perto de uma, e então que se compreenda de uma vez por todas que o time italiano não passa da representação concreta de um sonho consumista e quase sexual de marmanjos pelo mundo afora que nunca será realizado — portanto, de novo, de importância relativa, uma vez que se a Ferrari deixar de existir, vai afetar a vida de pouquíssimas pessoas no mundo, quase ninguém.

Resumindo, muita gente vai sentir falta da Ferrari se ela resolver levar adiante sua briga com a FIA e deixar a categoria, por tudo que ela representa como competidora, pela história que escreveu nas pistas. Será realmente uma pena. Mas eu aposto que a Ferrari sentirá muito mais falta da F-1 do que o contrário, e voltará rapidinho, com o rabicó vermelho entre as pernas, ainda mais se o Mundial continuar a ser disputado com esse nome e em palcos como Mônaco, Suzuka, Silverstone, Interlagos, Abu Dhabi, Bahrein, Xangai. A moça aí do lado vai deixar de ver sua corridinha em Mônaco se a Ferrari não estiver no grid? De jeito nenhum (nota do blogueiro: esta frase sem importância alguma foi incluída no texto apenas para justificar a publicação da foto, que o blogueiro considerou interessante e não tinha onde colocar).

Sem a F-1, a Ferrari não existe, é capaz de deixar de vender seus carros (Ron Dennis vem aí, ontem apresentou o projeto da fábrica da McLaren Automotive), entrar em crise, e quando apertar o calo é que eu quero ver. A F-1 sem a Ferrari, por sua vez, perde muito, claro. Mas sobrevive porque, no fundo, estamos falando de corridas de carros, e desde que elas sejam bonitas, atraentes, disputadas, sempre haverá público e gente interessada, com ou sem Ferrari. E a Ferrari sempre poderá voltar.

No fim das contas, apesar da dimensão que esse racha todo está assumindo, tendo a acreditar que no primeiro grid de 2010 estarão os dois charutinhos vermelhos com o cavalinho rampante no bico, como sempre, e mais um punhado de carros de equipes novas que os italianos olharão com certo desdém, mas com quem terão de se acostumar.

Esse discurso elitista que partiu ontem de Maranello, tirando uma onda até dos nomes das equipes pretendentes a uma vaguinha no sol da F-1 de Mosley, está totalmente fora de moda.