Blog do Flavio Gomes
F-1

A F-1 ACABOU (2)

SÃO PAULO (muita calma nessa hora) – Bem, bem, bem. O comunicado da FOTA não dá margens a especulações. Não se trata mais de uma ameaça, mas de uma decisão. Que me surpreende, para ser sincero. Eu achava que no fim das contas Mosley iria vencer, dado o teor da enorme carta divulgada terça-feira, embasando todas […]

SÃO PAULO (muita calma nessa hora) – Bem, bem, bem. O comunicado da FOTA não dá margens a especulações. Não se trata mais de uma ameaça, mas de uma decisão. Que me surpreende, para ser sincero. Eu achava que no fim das contas Mosley iria vencer, dado o teor da enorme carta divulgada terça-feira, embasando todas suas decisões e acusando diretamente a Ferrari de liderar uma tentativa de levante com claros interesses próprios.

Venceria rachando a FOTA. Mosley não se importaria com deserções da Toyota, da Renault, da BMW Sauber, da Red Bull e da Toro Rosso. Essas ele sempre achou que não têm importância, entram e saem, não são comprometidas com a F-1. Também não se importaria se a Ferrari resolvesse bater o pé. Mas queria atrair Brawn e McLaren. Esta última seria seu grande trunfo para mostrar ao mundo que a Ferrari era a vilã da história.

Contava, para isso, com o pisar em ovos da McLaren desde o caso da espionagem e da mentira de Hamilton em Melbourne. Achava que o time prateado, para evitar problemas, acabaria cedendo, levando junto a Brawn por causa da Mercedes. Além do mais, Ross Brawn não é exatamente o maior amigo de Luca di Montezemolo por conta dos protestos do início do ano em relação aos seus difusores.

Mas talvez Max não considerasse seriamente a possibilidade de um novo campeonato. Com seus times novatos, mais a tradição da Williams, a Force India, a McLaren e a Brawn, daria um pé solene na Ferrari e nas montadoras que tanto abomina.

E não abomina por questões pessoais, aqui vale o parêntese. Há anos Mosley alerta para a instabilidade de uma categoria cujo alicerce são empresas dirigidas por gente que não tem no esporte um fim, mas um meio. Diz ele na carta de terça: “Quando a Honda anunciou sua desistência em dezembro de 2008, já havia feito sua inscrição para 2009 e era contratualmente obrigada a competir. Duas coisas ficaram claras para a FIA. Primeiro, qualquer montadora poderia sair a qualquer momento. E a FIA não teria como recorrer contra essas montadoras, contra a empresa principal, apenas contra as equipes que não teriam patrimônio nenhum, exceto suas dívidas. Segundo, que era muito provável que outras montadoras fizessem o mesmo antes de 2010”.

Segue a FIA, sempre com muita propriedade: “A Renault depende do governo francês. Parece duvidoso que os contribuintes franceses estivessem dispostos a gastar o dinheiro de seus impostos, em quantias tão altas, numa equipe de F-1. As operações da Toyota verificaram perdas pela primeira vez na história, e ela poderia desistir de gastar centenas de milhões numa equipe, enquanto a BMW, que faz enormes sacrifícios para cortar os custos em sua operação principal, poderia decidir não gastar pesadamente em seu time”.

“Diante da possibilidade de termos apenas 18 carros no grid em Melbourne e de as coisas piorarem em 2010, a FIA teve de agir. Havia dois passos óbvios. Primeiro, uma aproximação ao sr. Montezemolo para obter dele uma garantia de que as montadoras estariam no grid em 2010 e que a situação da Honda não iria se repetir. Segundo, iniciar conversas com a FOTA na direção de cortar os custos a um ponto que fizesse com que uma eventual saída das montadoras se tornasse improvável, que viabilizasse a existência das equipes independentes e a entrada de novos times.”

Aí seguem várias críticas a Montezemolo. Ele teria prometido as garantias, mas nunca apresentou sequer uma carta das montadoras garantindo seu compromisso com a F-1. “Nem mesmo da companhia dele, a Fiat”, diz a FIA. Depois, na reunião do Conselho Mundial de 17 de março, a Ferrari votou contra o teto orçamentário, mas não contra as liberdades para as equipes que o adotassem. Mais tarde, em outro Conselho Mundial, em 29 de abril, foi votado o regulamento para 2010 em detalhes. Montezemolo não apareceu. Elegeu o presidente da comissão italiana de kart, “Mr. Macaluso”, com uma procuração para votar em nome da Ferrari. Macaluso também não apareceu e participou da reunião por videoconferência. Votou contra as regras (foram dois votos contra), sem justificar o voto.

Veio depois a ação da Ferrari na Justiça francesa, e mais reuniões, e a FOTA empurrando tudo com a barriga, inclusive uma tentativa de esclarecer como seria feito o controle financeiro do teto orçamentário. Max foi ficando de saco cheio.

O presidente da FIA acha que a FOTA quer controlar a grana e as regras. Tem razão, quer mesmo. E argumenta que a F-1 precisa de um órgão regulador imparcial e independente “pela própria natureza do esporte”, porque ele é disputado “por pessoas que querem vencer (literalmente) a qualquer custo”. “Há vários exemplos disso, envolvendo ao menos quatro equipes da FOTA, nos últimos anos”, diz o texto. “Um bom governo não significa que a Ferrari deve governar. (…) A Ferrari é representada no Conselho Mundial desde 1981 e nunca se opôs aos nossos processos ou decisões até abril e maio deste ano.”

Mosley termina sua carta com uma reflexão um pouco mais filosófica sobre a F-1. “A discussão é sobre os princípios da F-1. Sobre liberdade técnica. É o reconhecimento da FIA e de várias equipes de que você pode ter liberdade técnica, liberdade para inovar, ou liberdade para gastar sem limites. Não é possível sustentar as duas coisas. (…) Comparada com as propostas da FOTA, o regulamento de 2010 é muito mais livre. A FOTA propõe não testar, eliminar o KERS, padronizar câmbio, aerodinâmica, limitar o trabalho nas fábricas. Em vez de buscar meios econômicos para fazer coisas inovadoras (que é o espírito da F-1 e o desafio da indústria automobilística), a FOTA quer impor restrições e diminuir os desafios técnicos.”

Mosley tem razão em tudo. O cenário econômico mundial não comporta a gastança da F-1 e as incertezas quanto à participação das montadoras. A Ferrari quer tomar conta de tudo, é o que Max quer dizer. Comprou a briga. Perdeu oito equipes, mas pode ganhar 15. Só que sem McLaren e Brawn, vai ter de ser muito hábil para montar uma nova F-1 que seja atraente para o público e para os parceiros de sempre.

Do outro lado da trincheira, as oito rebeldes também terão dificuldade para montar um grid razoável. Quem vai querer competir com gigantes que gastam o que querem? Quem vai querer colocar um carro na pista para levar ferro das já estabelecidas? E os contratos com os autódromos e com as TVs?

É o maior racha da história da F-1. Por enquanto, é tudo que dá para dizer.