Blog do Flavio Gomes
F-1

A F-1 ACABOU (3)

SÃO PAULO (eu gosto é de ver o circo pegar fogo) – Algumas reflexões. Acho que cabe refletir, afinal estamos falando de uma categoria que tem 60 anos e que, de certa forma, é a razão de ser deste blog, paixão da maioria dos blogueiros, essas coisas… – Sou pró-Max, é o que a blogaiada […]

SÃO PAULO (eu gosto é de ver o circo pegar fogo) – Algumas reflexões. Acho que cabe refletir, afinal estamos falando de uma categoria que tem 60 anos e que, de certa forma, é a razão de ser deste blog, paixão da maioria dos blogueiros, essas coisas…

– Sou pró-Max, é o que a blogaiada está entendendo. Vamos esclarecer. Nada exatamente pessoal. Mosley não é infalível. Basta ver o que aconteceu no começo do ano, com a ideia doida de dar o título a quem ganhasse mais corridas. Mas ele é sensato, em geral. E da mesma forma que as equipes têm o direito de defender suas causas, ele tem o direito de defender uma categoria que, no final das contas, pertence à FIA e à FOM. Essa posse não é arbitrária. Todas as equipes sempre aceitaram a tutela regulamentar da FIA e comercial da FOM. Que ninguém esqueça que se a F-1 é um sucesso comercial (e todo mundo ganha dinheiro com ela, não fosse assim a McLaren não teria a sede que tem e por aí vai), deve isso a Bernie Ecclestone, por mais que ele seja um gavião para ganhar dinheiro. Aí não há santos.

– Vocês me conhecem e, em geral, estou longe de ser um legalista. Questionar os mandatários de plantão é algo saudável e necessário. Mas, para isso, é preciso argumentar bem. Os argumentos da FOTA não são bons. Os da FIA são. E quando eu digo FOTA, é melhor ler Ferrari. É ela, na persona de Luca di Montezemolo, que está à frente da revolução. E a Ferrari nunca foi uma revolucionária. Não nos enganemos. Não é uma questão de princípios que está em jogo no que diz respeito a Maranello. É uma questão de poder: controle sobre as regras e sobre o dinheiro. Direito legítimo, pode-se dizer. Tão legítimo quanto o da FIA e de Bernie de tentarem manter seu brinquedo.

– Mosley tem muita razão quando diz que uma categoria de competição precisa de um órgão regulador independente. É assim na MotoGP, no Mundial de Rali, em qualquer categoria que opõe adversários tão distintos. É mais fácil um autocontrole quando se trata de uma categoria monomarca. Mas é muito difícil quando se trata de administrar uma porção de equipes diferentes, fabricantes avulsos, marcas diversas de motores, pneus etc. Deixar isso nas mãos de oito equipes diferentes é suicídio. Serão oito regras, uma para cada. E brigas intermináveis.

– Se sair o campeonato “paralelo”, com as oito equipes da FOTA, duvido que equipes novas se disponham a participar. Afinal, quem tem dinheiro para isso? É possível montar equipes novas com um orçamento limitado a sei lá quantos milhões de dinheiros. Mas encarar um campeonato em que não há limite, e apenas uma genérica intenção de “cortar custos”, não é para qualquer um. Talvez apenas para montadoras. E, como se sabe, não há fila de montadoras dispostas a correr de F-1 ou de F-FOTA.

– Por outro lado, como dizem os neoliberais, a concorrência é sempre bem-vinda, não? Ninguém é obrigado a disputar a F-1 da FIA. Mas se quiser disputar, tem de seguir suas regras. Discordo dos que apontam autoritarismo em Mosley. A FIA tem várias instâncias de decisão, como o Conselho Mundial, a Comissão de F-1 etc. Em todas, as equipes são representadas, assim como os promotores, os patrocinadores, as confederações nacionais. O problema é que a Ferrari, que sempre rezou pela cartilha da FIA, resolveu não rezar mais. E arrastou com ela aqueles que Max sempre disse serem voláteis: Toyota, Renault, BMW, Red Bull. E mais McLaren e Brawn, que merecem tópico à parte.

– A McLaren espionou a Ferrari há dois anos. Viraram inimigos. Por conta disso, foi duramente punida. Seria um contrassenso ficar ao lado da FIA, portanto. Mas eu não achava isso. Seria um contrassenso igual ficar ao lado da Ferrari, inimiga mortal. Achava que por estar com a espada de Dâmocles na cabeça, a McLaren iria capitular para evitar problemas. Só que as diferenças entre Ron Dennis (alguém duvida que ele ainda manda?) e Mosley foram maiores do que as diferenças dele com a Ferrari. E é preciso compreender também que a Mercedes é do time das montadoras, não dos garagistas. Assim, está explicada sua opção, levando consigo a Brawn — que não teve peito para debandar, sob o risco de perder sua fornecedora de motores.

– E a F-1 da FIA, o que será? Bem, muitos dos que se voltam contra Mosley defendem e têm saudades “daquela F-1 dos velhos tempos”, em que todo mundo corria de motor Cosworth e a competição ficava por conta da criatividade de engenheiros e projetistas. Uai, é o que teremos agora, com o desfalque enorme da Ferrari, que não pode ser desprezado. Mas é uma aposta. Tem chance de perder? Tem. A Ferrari tem torcida, é a cara da F-1, não se sabe como o povo vai reagir à sua ausência.

– O povo… A FOTA fala em ingressos mais baratos, num exercício banal de demagogia. A F-1 é elitista e elitizada não por causa da FIA. Não só por causa dela. As equipes contribuem, e muito, com esse queixo empinado que quem conhece sabe como é abominável. Uma consequência boa desse racha pode ser essa: todo mundo baixar sua bolinha, a FIA e as equipes. A FIA, porque lidará com outro tipo de gente em seu campeonato, gente que sempre foi desprezada e segregada. O ambiente será outro. E as equipes fotianas, porque sabem que se continuarem se achando o uó do borogodó não têm futuro. Quem sabe param de gastar fortunas com motorhomes ridículos, aviões particulares e iates para festinhas em Mônaco. Eu sei bem como é o relacionamento dessa gente com o público. E não é exatamente a FIA quem dita esse comportamento.

– Considerando que dois campeonatos coexistam, a FOTA terá bastante trabalho para montar seu calendário. E para escrever as regras, e para escolher quem vai fiscalizá-las, e para fechar contratos com TVs, promotores e autódromos. Pistas existem. Sem pensar muito, dá para imaginar um campeonato correndo em Magny-Cours, Silverstone, Fuji, Portimão, Jerez, Valência, Montreal, Kyalami, Indianápolis, Hockenheim, Mugello, Áustria (Didi resolve…), Qatar e por aí vai. O problema maior é: quem vai governar essa categoria? Um conselho formado por representantes de montadoras rivais? É difícil imaginar que isso dará certo. Automobilismo é fogo.

– E, por fim, olhemos as coisas de forma otimista. Se sair um novo campeonato, serão dois para que aqueles que gostam de corridas acompanhem. Perder-se-á um pouco da referência, aquela coisa de saber que se está vendo a elite do automobilismo, o campeonato mais importante, mais charmoso, o olimpo. Mas os tempos estão mudando. Além do mais, é mais piloto correndo, mais gente empregada, mais equipes, maior diversidade. Não acho que vá acontecer, a tendência é de um enfraquecimento geral, como aconteceu nos EUA no racha Cart x IRL. Mas é impossível prever o futuro. Tem coisas que a gente só consegue avaliar depois que elas acontecem. Pode ser o caso agora.