Blog do Flavio Gomes
F-1

QUEM SÃO ESSES CARAS?

SÃO PAULO (não é aquela) – O nome Lotus de volta à F-1 é legal, claro. Mas seria mais ainda se fosse a Lotus de verdade. Essa aí é mulambenta. Aliás, é meio mulambento (existe, “mulambento”?) esse processo de escolha das novas equipes levado a cabo pela FIA. Falta transparência e lógica técnica. Até agora, […]

SÃO PAULO (não é aquela) – O nome Lotus de volta à F-1 é legal, claro. Mas seria mais ainda se fosse a Lotus de verdade. Essa aí é mulambenta. Aliás, é meio mulambento (existe, “mulambento”?) esse processo de escolha das novas equipes levado a cabo pela FIA. Falta transparência e lógica técnica. Até agora, não dá para entender porque duas equipes de verdade, que já existem e vivem do esporte, não aparecem na lista das eleitas: Prodrive e Epsilon Euskadi. Pode ser que tenham desistido, com a queda do teto orçamentário. Pode ser que não queiram usar motores Cosworth. Pode ser qualquer coisa.

No que diz respeito às duas novas de hoje, Lotus Mulambenta e Qadbak Racing Tabajara, tem cheiro de lavanderia. A BMW, montadora séria que perdeu meu respeito ao desistir da F-1 de forma tão abrupta e covarde, informa oficialmente que a Qadbak Investments Ltd, “um grupo suíço que representa interesses de certas famílias do Oriente Médio e da Europa”, comprou o time. O contrato já foi assinado.

A Qadbak não existe no Google, mau sinal, e na Wikipedia é um verbete de meia-dúzia de linhas. “Ficou conhecida em julho de 2009 quando comprou o Notts County FC”, diz a enciclopédia livre da net. O Notts é um clube da quarta divisão inglesa que leva a fama de ser o time profissional mais antigo do mundo, fundado em 1862, e a compra se deu através de uma subsidiária, Munto Finance, que por sua vez é ligada a grupos financeiros de Dubai. Sei.

A BMW informa ainda que os interesses do fundo Qadbak, originalmente baseado no Qatar, mas operado a partir da Suíça, serão representados Lionel Fischer, também suíço. Não sei quem é. A fábrica, na prática, se livrou do abacaxi. Vendeu ao primeiro que apareceu com dinheiro vivo, sem se preocupar muito de onde vem a féria. Passou o mico adiante. Não quer nem saber. O que será da equipe, a velha Sauber, é uma enorme interrogação.

Aí vem a Lotus, a nova Lotus, nas palavras de Mike Gascoyne, já escolhido como diretor-técnico. Ela será montada a partir da estrutura da Litespeed, uma equipe de F-3 na Inglaterra, com dinheiro da Malásia. Pelo que sei, a Proton, estatal que faz carros no país, tem os direitos de uso da marca. Acho que isso ainda vai dar rolo. O chefe da equipe será o malaio Tony Fernandes, dono da AirAsia, uma empresa aérea da linha “low price tickets” que patrocina a Williams.

Educado na Inglaterra, Fernandes (filho de “portugueses” de Malacca, ilha na Malásia colonizada pelos lusos desde os tempos das caravelas, onde ainda se fala português) sempre teve boas relações com os pica-grossas do governo malaio, e por isso sua companhia prosperou. Antes de comprá-la, foi executivo da Warner e trabalhou na Virgin de Richard Branson. Fernandes também tem uma cadeia de hotéis. É um milionário, daqueles que o capitalismo adora chamar de “empreendedor”.

Assim, de Lotus a nova Lotus não tem nada.

Fernandes pode ser apenas um aventureiro, como se achava que era Vijay Mallya, o dono da Force India. A F-1 nem sempre foi formada por garagistas, gente ligada ao esporte desde o berço. Já teve outros que encontraram na categoria um bom caminho para desaguar suas notas frias — como a turma do russo-canadense que comprou a Jordan, o grupo Midland, que durou pouco; vieram os “puristas” da Spyker e duraram pouco, também. E outros, ainda, que simplesmente gostam de corridas e conseguiram entrar nesse mundo fechado graças a suas fortunas pessoais. Mallya parece ser um desses, e está se revelando um bom dono de equipe, dedicado, apaixonado, como era Paul Stoddart — outro outsider que quando assumiu o controle da adorada Minardi, conseguiu manter acesa a chama da competição no time italiano. Como é “Didi” Mateschitz, da Red Bull. 

Nada impede que Fernandes acabe sendo mais um, posso estar sendo injusto no pré-julgamento. Mas não sei, não. A F-1 está se livrando das montadoras, isso é fato. Mais por causa delas, do que pela atual situação da F-1. BMW e Honda já saíram, a Renault está a um passo de, a Toyota é sempre uma dúvida. Elas vêm e vão, como sempre acreditou Mosley. Só que seu lugar está sendo ocupado por gente nebulosa. Esse grupo que comprou a BMW, por exemplo, não tem cara de ser coisa boa. Tony Fernandes, o amigo dos sultões, também não inspira muita confiança.

Em resumo, sempre fui um defensor dos times independentes. A história da F-1 foi escrita por eles — Jack Brabham, Bruce McLaren, Wilson e Emerson Fittipaldi, Giancarlo Minardi, Frank Williams, Ken Tyrrell, Guy Ligier, Collin Chapman, e mais as fábricas que sempre apostaram nas corridas, como a Ferrari. Gente do ramo.

Quando começa a entrar muito dinheiro de Dubai e do Qatar, quando do nada surgem fundos de investimentos que representam “certas famílias” da Europa e do Oriente Médio, quando a grana não tem dono ou origem, dou-me o direito de achar que correr de Lada em Interlagos diz muito mais sobre o automobilismo do que ter uma equipe na F-1.