Blog do Flavio Gomes
F-1

LOUCA OBSESSÃO

SÃO PAULO (sai de perto) – Estava lendo agora no jornal sobre o cara que, ontem, estava na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, na av. Paulista, e, do nada, tirou um taco de beisebol da mochila e deu na cabeça de um rapaz que estava consultando um livro. O rapaz agredido tem apenas 22 anos […]

SÃO PAULO (sai de perto) – Estava lendo agora no jornal sobre o cara que, ontem, estava na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, na av. Paulista, e, do nada, tirou um taco de beisebol da mochila e deu na cabeça de um rapaz que estava consultando um livro. O rapaz agredido tem apenas 22 anos e está em estado grave.

O agressor é louco. Tem 38 anos e já está sendo processado por ter arrebentado uma TV de plasma e uma vitrine da mesma livraria no ano passado. Um perigo à solta que precisa de tratamento e não pode ser largado pela família nas ruas como se fosse alguém normal. É agressivo e pode matar.

Mas o que me chamou a atenção nesse caso todo, e que pode ter passado despercebido pela maioria, foi a entrevista de sua mãe à repórter Laura Capriglione, da “Folha” (Laura com quem trabalhei anos atrás na editoria de Educação e Ciência, excelente repórter, texto brilhante; das poucas coisas boas que a “Folha” ainda tem). Ela contou, chorando, que o filho “tem obsessão pelo Ayrton Senna”.

É claro que não se vai, aqui, atribuir a maluquice do cara à sua obsessão por Senna. Fãs e obcecados, em geral, têm desvios de conduta. Nem sempre tais desvios levam a agressões como essa do taco de beisebol, mas devem ser observados com atenção.

Por conta da profissão, já esbarrei com muitos fãs de Senna por aí. Aliás, “por aqui” talvez seja um termo mais preciso. Depois de sua morte, uma legião de doidos saiu da toca e passou a frequentar todo e qualquer evento ligado à F-1 na semana do GP do Brasil em São Paulo. Coletivas, almoços, festas, apenas para estarem por perto do ambiente que, acreditam, matou seu ídolo.

São romarias solitárias e meio assustadoras. Eles olham para os pilotos atuais de um jeito esquisito, como se os culpassem por existirem apesar da morte de Senna. Fazem o mesmo com dirigentes, mecânicos, jornalistas. Qualquer um que tenha relação com o mundo que “assassinou” o brasileiro (sim, para esses fãs obcecados, ele foi assassinado). Usam broches, carregam álbuns de fotografias ou recortes de jornais nas mochilas, têm Senna (a quem chamam de “Ayrton”, com a intimidade que acreditam merecer os ectoplasmas) na camiseta ou no boné.

Tem um, razoavelmente conhecido, que ia (ou vai) ao GP de macacão vermelho e capacete amarelo. Outro, mais conhecido dos jornalistas que do público em geral, que aparecia todos os anos na coletiva da Marlboro/Shell/Ferrari no Transamérica como se fosse um enviado dos céus. Conseguia credenciamento sabe-se lá como e perguntava a Schumacher, ou Barrichello, ou Irvine, ou Ross Brawn, ou quem quer que estivesse na mesa, se estava disposto a financiar um memorial para Senna em São Paulo, ou no Vaticano, ou no Taj Mahal. Ao espanto diante da pergunta, insistia, intimava, clamava por justiça divina. Depois, brandia um dossiê que, creio, continha informações importantíssimas e secretíssimas sobre a morte de seu ídolo. Um doido de pedra que parecia inofensivo, mas era constrangedor e, para dar com um taco de beisebol na cabeça de alguém, qualquer um, não estava muito longe.

Essa idolatria doentia por Senna se nota, também, em comentários em blogs e fóruns na internet, terreno fértil para maluquices em geral sobre qualquer assunto. No caso do piloto, tal idolatria tornou-se realmente algo obsessivo, diferente da praticada por fãs de artistas e atletas vivos, talvez justamente porque ele tenha morrido cedo, do jeito que morreu. É gente que, teorizo aqui do alto de meus conhecimentos da alma humana, precisa demonstar sua devoção o tempo todo, porque não teve tempo de fazê-lo enquanto Senna estava vivo, já que ele se foi jovem e altivo, de forma inesperada e veloz.

Gente que sente que tem débito com o ídolo, creio. Maluquetes, em resumo. Como o cara da livraria.

Seria bom se Senna fosse visto e lembrado apenas como o que era, um grande piloto de corridas.