Blog do Flavio Gomes
Gira mondo

MURO, 50

SÃO PAULO (feliz Dia dos Pais etc) – Mesmo depois da criação da Alemanha Oriental, em 1949, Berlim era uma cidade aberta, com livre circulação entre os moradores de seus dois lados — a capital da DDR e a porção ocidental, ainda com forte presença militar aliada. Mas a Alemanha Oriental vivia em crise e […]

SÃO PAULO (feliz Dia dos Pais etc) – Mesmo depois da criação da Alemanha Oriental, em 1949, Berlim era uma cidade aberta, com livre circulação entre os moradores de seus dois lados — a capital da DDR e a porção ocidental, ainda com forte presença militar aliada. Mas a Alemanha Oriental vivia em crise e muita gente fugia do país por Berlim Ocidental atrás de emprego, parentes, namorados, namoradas, consumo, uma nova vida. E como o êxodo era grande e o país precisava de mão-de-obra, no dia 13 de agosto de 1961, 50 anos ontem, o governo da DDR resolveu fechar suas fronteiras. Naquele domingo, as duas mil fugas diárias cessaram com o isolamento de Berlim Ocidental por uma cerca de arame farpado, a origem do Muro de Berlim.

28 anos depois, como se sabe, ele caiu. E suas ruínas foram vendidas por ambulantes aos milhões de pedaços, os pedaços que dividiram o mundo em dois durante quase três décadas. Um deles eu comprei quando fui a Berlim pela primeira vez, acho que em 1997, e o vendedor garantiu que era autêntico. Já contei aqui, o cara era um dos muitos camelôs da Guerra Fria que se instalaram na região de Checkpoint Charlie no fim do século passado, e para comprovar sua originalidade, o rapaz mostrava fotos dele mesmo com uma picareta na mão arrebentando o Muro e juntando pedaços que depois se espalhariam pelo mundo. Ele vendia também comendas do Exército Vermelho, uniformes militares soviéticos e instrumentos de Mig.

Sempre que fui a Berlim, e foram várias vezes, naqueles anos de reconstrução comprei alguma bobagem nas ruas. Tenho um relógio de parede que o vendedor jurou ter pertencido a um submarino nuclear. Ele ainda existe, mas caiu misteriosamente da parede duas vezes, e até a máquina teve de ser trocada. Não contei aos relojoeiros que o reconstruíram que os níveis de radiação estão acima do tolerável. Certas coisas é melhor nem saber.

Mas o Muro foi abaixo e Berlim hoje é uma cidade bem diferente daquela de agosto de 1961, é a cidade mais legal do planeta, onde vou morar um dia. Os camelôs não são tantos, mas ainda dá para comprar um pedaço do passado pelas ruas. Aquele passado em que era mais fácil compreender o mundo, que tinha dois lados e olhe lá.