Blog do Flavio Gomes
Rali

A VIDA COMO ELA É

SÃO PAULO (pó) – Não acabou ainda, estou vendo na TV. O rali que Barrichello promoveu neste fim de semana foi um fiasco total. Mas será tratado como um sucesso amanhã, nos escritórios bonitos da Vila Olímpia e da Nova Faria Lima. Fracasso porque não é um rali. Porque a pista é horrível e o […]

Pizzonia e as arquibancadas vazias. Foto Bruno Terena

SÃO PAULO (pó) – Não acabou ainda, estou vendo na TV. O rali que Barrichello promoveu neste fim de semana foi um fiasco total. Mas será tratado como um sucesso amanhã, nos escritórios bonitos da Vila Olímpia e da Nova Faria Lima.

Fracasso porque não é um rali. Porque a pista é horrível e o cenário, idem. Porque os carros são lentos e não são carros de rali, exatamente. Mas fracasso, sobretudo, porque ignorado pelo público. Não tem ninguém vendo lá no estádio, o Parque São Jorge. Ninguém. Motivo? Bem, 120 paus o ingresso é um deles. Aliás, ótimo motivo. Como cobrar 120 paus para ver qualquer coisa ao ar livre em SP? Andaram mudando horários, também. Outra razão é o espetáculo oferecido. Rali do quê, mesmo? Um correndo contra o outro na terra, ok. Mas nem cronometragem na TV tinha. Imagino para quem estava nas arquibancadas.

Não estou aqui esculhambando nada de graça. Não tenho nada contra Barrichello, o promotor, nem conta iniciativa alguma envolvendo automobilismo. Mas tenho tudo contra produtos ruins vendidos como se fossem excelentes. Amanhã, todos os envolvidos dirão que foi demais, o rali. Sigam os caras no Twitter: pilotos, promotores, convidados VIP — essa praga, os convidados VIP nos “lounges”, que amam tudo desde que seja de graça.

Dirão que foi bacana, que a organização foi um show, estrutura de primeiro mundo, um negócio maravilhoso. U-hu.

O problema do automobilismo brasileiro é que ele está infestado de gente babaca, dentro dele e gravitando ao seu redor. E gente mais babaca ainda que acredita na babaquice que os babacas mais espertos vendem. Alguém pagou por esse negócio, claro. A BMW, por exemplo, deve ter dado algum. Afinal, os carros são Mini. Carros bacanérrimos, eu acho o máximo e se tivesse grana compraria um, mas que viraram, na região supracitada, objetos de exibição para uso quase exclusivo em baladas. A Pirelli pagou, vi faixas na pista. Alguém faz manutenção nesses carros e vai ganhar também. Tem um banner da Prefeitura no site oficial. Espero que não tenham entrado com mais do que o banner. Saber que meus impostos são usados para bancar eventos privados é algo que me dá engulhos. Engulhos é uma palavra legal.

Os Mini usados, salvo engano de minha parte, são os mesmos usados numa categoria preliminar da Stock. Estão sendo devidamente estragados nessa buraqueira empoeirada (e depois enlameada) da Fazendinha. Não são preparados para rali. Alguns atolaram. Uma coisa patética. As provas foram chatas, lentas e incompreensíveis. Ninguém entendia nada do que estava acontecendo. Uma caricatura das Corridas dos Campeões que são feitas na Europa há alguns anos.

Não vejo mal, repito, em iniciativa alguma de ninguém. Eu mesmo inventei um campeonato de carros antigos e ele está aí, de pé, meio cambaleando, desde 2003. Mas nunca foi alardeado como algo espetacular, imperdível e sensacional. É legal demais para quem corre e para quem gosta de matar as saudades dos carros que corriam nos anos 60 e 70. Punto, basta. Qualquer coisa que se faça, quando se trata de automobilismo nacional, é digna de aplausos. Mas desde que seja algo realmente voltado para o esporte, para o entretenimento do público que gosta de corridas e, como disse aí embaixo nas mal-traçadas sobre futebol, com alguma pureza de propósito. Esse rali é uma piada, uma brincadeira inventada pelos bacaninhas paulistanos que frequentam o shopping Cidade Jardim. Os pilotos entram de gaiato, piloto gosta de andar de qualquer coisa, se for convidado, vai.

Ontem, colocaram as famosas celebridades para pilotar. Eu vi a lista e não conhecia ninguém, exceto o Seu Jorge, que é cantor — mas sempre que ouço seu nome lembro primeiro do boteco Salve Jorge, que conheço melhor ainda. E quem é que quer ver “celebridades” correndo de Mini na terra do Parque São Jorge? Eu mesmo respondo: os espertinhos das agências, porque eles chamam a “Caras” e a “Quem” para essas merdas, e essas celebridades são fotografadas e aparecem na revista, e aí é um sucesso, claro.

As arquibancadas vazias, a total indiferença da cidade, a qualidade técnica abaixo da crítica da atração, o cenário horroroso, tudo isso vai ser deixado de lado. Mordemos algum, deu certo, foi um sucesso.

É assim que funciona.