Blog do Flavio Gomes
F-1

PAROU

SÃO PAULO (com estilo) – Nunca é legal quando o melhor naquilo que faz resolve parar. Para os fãs da F-1 em particular, é claro que ficou uma ponta de melancolia no anúncio de Schumacher, hoje. O alemão vai parar. Ao menos com a F-1. Era esperado. As especulações sobre uma possível sobrevida na Sauber […]

SÃO PAULO (com estilo) – Nunca é legal quando o melhor naquilo que faz resolve parar. Para os fãs da F-1 em particular, é claro que ficou uma ponta de melancolia no anúncio de Schumacher, hoje. O alemão vai parar. Ao menos com a F-1.

Era esperado. As especulações sobre uma possível sobrevida na Sauber ou na Ferrari, eu diria, foram mais um desejo de muita gente do que propriamente uma possibilidade concreta. Eu mesmo acharia legal vê-lo na Ferrari com Alonso. Na Sauber, idem. Aquela coisa de voltar a casa que lhe deu um teto no começo e tal.

Mas há limites para demonstrações de gratidão e querência, na F-1. Na verdade, não há muito espaço para isso. Nos três anos de sua volta à categoria, Schumacher foi um bom piloto. Competitivo, veloz, combativo, dedicado e… imperfeito. Aí, para muitos, estaria seu erro: voltar para ser imperfeito.

Tudo bobagem. Schumacher é o melhor piloto de todos os tempos, isso não se discute. Não deixou de sê-lo porque em três anos de Mercedes, já entrado na idade do lobão, não conseguiu vitórias ou títulos. Na Red Bull, conseguiria. Na McLaren, possivelmente. Mesmo velhinho e num time oscilante, andou sempre entre os primeiros. Fez uma “quase pole” em Mônaco, ganhou um troféu em Valência e bateu roda com a molecada em todas as corridas. Fez o que dava para fazer.

Michael é um exemplo para o esporte por sua perseverança, dedicação, profissionalismo, talento, garra, lealdade, paixão, comprometimento. “Não, Gomes, esse aí era o Senna!”, vai choramingar alguém. Não, meninas e meninos, Senna não é detentor exclusivo de virtudes. Schumacher é tudo que Senna foi e muito mais: centrado, eficiente, corajoso na tomada de decisões (aceitar a Ferrari, naqueles tempos, foi a mais corajosa de todas; voltar a correr foi outra) e, com uma carreira longa, soube se manter no auge durante muito tempo, sem sinais de decadência. Parou por cima da primeira vez. Parou com dignidade agora.

Os números de Schumacher não deixam dúvidas sobre quem é o maior (ou melhor, como queiram) de todos os tempos na F-1. Seus três anos discretos de Mercedes não fizeram cócegas nas estatísticas. É muito difícil que alguém chegue perto do que ele conseguiu: recordes de vitórias, poles, pódios, pontos, melhores voltas, títulos, voltas na liderança, vitórias e pódios consecutivos, corridas seguidas na zona de pontos, número de vitórias por temporada, tudo, praticamente. Um fenômeno esportivo.

No comunicado oficial da Mercedes, algumas frases mostram bem quem é esse piloto que teve peito para sair de uma aposentadoria confortável (e meio perigosa, com aquele negócio de correr de moto) e colocar em risco a reputação. Algo que eu, sinceramente, acho que nunca aconteceu. Mas muita gente só encara a vida desse jeito: é preciso zelar pela reputação, imagem é tudo. Outra bobagem.

“Decidi parar (…) embora eu ainda seja capaz de competir com os melhores pilotos do mundo. Isso me deixa orgulhoso e é por isso que jamais vou me arrepender de ter voltado.”

“Nas últimas semanas, me perguntei se ainda teria a motivação e a energia necessárias para continuar. Não é meu estilo fazer nada se não estiver 100% convencido de que devo fazer. A decisão de parar faz com que eu fique aliviado quanto a essas dúvidas.”

“É evidente que não conseguimos nestes três anos desenvolver um carro capaz de lutar pelo título. Mas também é muito claro que eu posso me sentir feliz por tudo aquilo que consegui na F-1.”

“Nos últimos seis anos aprendi muito, inclusive sobre mim, e sou grato a isso. Aprendi que a derrota pode ser muito mais difícil e instrutiva que a vitória. Algo que perdi de vista nos meus primeiros anos. Aprendi que você tem de saber ser feliz apenas por se sentir capaz de fazer aquilo que ama. Aprendi que você tem de viver com suas convicções. Abri meus horizontes e estou bem comigo mesmo.”

“E, enfim, em algum momento chega a hora de dizer adeus.”

Essas frases todas, se fossem colocadas na boca de Senna (“Gomes, por que você fala tanto do Senna?”, vão perguntar; porque é óbvio que será o tom dos comentários, então poupo o trabalho de ficar respondendo aos histéricos e histéricas em geral), seriam consideradas mantras para a eternidade. Aqui no Brasil é assim. Não são muitos os que sabem apreciar o talento de um estrangeiro, quando se trata de esporte, e o ressentimento com o sucesso “dos outros” é latente — e babaca.

São algumas frases de efeito, pontuadas por um clichê aqui e outro ali, mas sinceras. É difícil escapar dos clichês quando se chega a um momento tão marcante, a despedida depois de quase duas décadas num esporte duro e massacrante.

Schumacher, ao contrário do que muitos aqui acreditam, sai por cima. Que seja feliz naquilo que escolher para fazer o resto da vida.