Blog do Flavio Gomes
F-1

CAMELÓDROMO (5)

SÃO PAULO (aí sim!) – Tenho uma teoria. Em pista ruim, ou a corrida é muito ruim, ou é muito boa. Não tem meio termo. Hoje foi muito boa. E há algumas explicações para isso. Uma delas é que quando os pilotos estão dispostos, passam por cima da chatice de um traçado e vão buscar […]

SÃO PAULO (aí sim!) – Tenho uma teoria. Em pista ruim, ou a corrida é muito ruim, ou é muito boa. Não tem meio termo.

Hoje foi muito boa.

E há algumas explicações para isso. Uma delas é que quando os pilotos estão dispostos, passam por cima da chatice de um traçado e vão buscar alguma coisa diferente. Hoje, muitos fizeram isso. Algumas ultrapassagens entrarão para qualquer antologia da F-1. Foi, mesmo, uma corrida excepcional.

Excepcional, também, porque ganhou quem ganhou: Raikkonen, o melhor personagem dessa F-1 plastificada e coxinha do século 21. Um cara tão diferente que quando David Coulthard, o entrevistador do pódio, perguntou a ele que dizer da corrida e da emoção da vitória, ouviu: “Not much, really”. Tem como não amar?

De fato, para Kimi, a vitória esteve longe de ser a mais emocionante das 19 que acumula em sua carreira — foi a primeira desde o GP da Bélgica de 2009, pela Ferrari. Ele largou muito bem e apareceu em segundo logo na primeira volta. O pole Hamilton, depois de atacado no início pelo Ice Man, estabilizou-se e estava tranquilo na liderança, quando, então, as coisas começaram a acontecer. Lewis quebrou miseravelmente (adoro “miseravelmente”) na 20ª volta e abandonou. Problemas na bomba de combustível, explicou a McLaren. Tive problema semelhante no meu Wartburg outro dia.

Assim, a ponta caiu no colo de Raikkonen, que teve como única preocupação, até o fim, dar coices no seu engenheiro pelo rádio. “Just leave me alone, I know what to do”, disse, uma hora, depois de uma instrução qualquer. Quando o cara pediu para Kimi cuidar dos pneus dianteiros, escutou: “É o que estou fazendo desde o começo da corrida, você não tem de me lembrar disso o tempo todo”.

É uma figura, esse finlandês.

No final, Alonso se aproximou e a diferença esbarrou em um segundinho, apenas. Ficou no ar a sensação de que se a corrida tivesse mais umas cinco voltas, passaria. Mas não tinha. E, se tivesse, os dois teriam de se preocupar mesmo com Vettel.

Esse rapaz fez uma daquelas corridas de encher os olhos. Largou dos boxes, e logo na primeira volta, apareceu em 20°. OK, normal, só nanicos à frente. Na quarta, já estava em 14°. Aí, na nona volta, aconteceu um acidente esquisitíssimo (e muito violento) de Rosberguinho com Karthikeyan. O alemão tentou passar por dentro do indiano e quase arrancou sua cabeça. Algo aconteceu com o carro da Mercedes, ou com o pé direito de Rosberg. Ou, será que ele estava arrumando o cabelo no espelhinho e não viu o pobre Narain?

Nada disso. O filhote de Curma contou que ficou sem a direção hidráulica, tirou o pé de repente e Nico encheu sua traseira. Culpa do representante do I dos BRICS, pois, assumida publicamente.

Durante o safety-car, Vettel, que já tinha perdido um pedaço da asa dianteira num toque com Bruno Senna, acabou indo para os boxes depois que a besta do Ricciardo brecou na sua frente, quase causando uma batida bizarra em fila indiana. Estávamos na 14ª volta. Vettel caiu para 21°, teria de remar tudo de novo, mas com uma vantagem: tinha calçado pneus macios (largara com os médios) e todo mundo na frente teria de parar também, em algum momento.

Depois que Hamilton abandonou, a corrida pegou fogo. Alonso passou Maldonado, numa vacilada do venezuelano, e assumiu o segundo lugar. Já tinha passado Webber de forma monumental no início, numa daquelas manobras de foder o pião (expressão usada em priscas eras pelo meu amigo Nivaldo Freixeda que eu nunca soube o que quer dizer, mas sempre me pareceu muito apropriada para certas situações). O australiano, aliás, foi o barbeirão do dia. Se deu mal quando tentou passar Maldonado, idem quando foi para cima de Massa, no fim da prova, e acabou sendo levado de roldão no acidente múltiplo que causou o segundo safety-car, na 39ª volta. Saiu desolado, o marsupial.

Antes disso, a janela de pit stops já tinha acontecido, entre as voltas 29 e 32. Vettel, àquela altura, por conta das paradas de todos à sua frente, chegou a ficar em segundo. Tá bom ou quer mais? E aí emergiu a pergunta que atormentaria todo mundo: o cara iria aguentar até o fim com esses pneus-chiclete? A resposta veio logo, na 38ª volta. Tião Alemão parou de novo, colocou pneus novinhos, voltou em quarto e já estava melhor que a encomenda, para quem tinha largado dos boxes.

O safety-car, desta vez causado pela imprudência de Pérez depois de uma briga linda e amalucada com Grosjean, Di Resta e Webber por quinto, sexto, sétimo e oitavo lugares, ajudou Tiãozinho mais uma vez, que encostou em Button e ficou dez voltas estudando o melhor momento de tentar a ultrapassagem, depois da relargada. Conseguiu a três voltas do final, de forma sublime, num ponto arriscado que poderia jogar seu campeonato no lixo. Mas era Button o adversário, um piloto limpo e decente, e assim o alemão foi ao pódio.

Raikkonen deu à Lotus sua 80ª vitória, a primeira desde o GP dos EUA de 1987 em Detroit, com Ayrton Senna. Alonso era o menos animado no pódio. Menos por seu resultado, excepcional — segundo lugar com essa carroça vermelha é para comemorar a qualquer tempo. Mas porque se ele tinha uma chance de voltar à briga com força, talvez até de reassumir a liderança, era essa, com Vettel largando em último.

E não adiantou muito. O carinha chegou em terceiro, e os 13 pontos de diferença viraram 10. Ficou praticamente igual, sua situação. Sebastian, com uma atuação exuberante, não deixou que o prejuízo fosse grande demais. E provou que além de ter um carro superior, possui também um talento acima da média, muito acima, porque não é qualquer um que faz o que ele fez hoje.

O pódio foi exemplar por isso. Nele estavam três pilotos que podem facilmente ser colocados entre os maiores da história. O Mundial, que viveu alguns meses modorrentos com a sequência de vitórias rubrotaurinas depois das férias, pega fogo de novo nas duas últimas provas.

Vettel segue sendo o favorito. Mas tem jogo, ainda. É difícil para Alonso, mas o espanhol não está com jeito de ter desistido da luta.

E uma vitória de um sujeito como Raikkonen é a melhor coisa que poderia ter acontecido no ano. Kimi é aquele cara que nos lembra, a todo momento, que para ser feliz e vitorioso não é preciso seguir cartilha nenhuma. Basta ser autêntico.