Blog do Flavio Gomes
F-1

TRI IN SAMPA (2)

SÃO PAULO (no lo creo) – Muito diz-que-diz depois da visita de Bernie Ecclestone ao Beto Carrero World, ontem. Existe um projeto de autódromo lá. Em 1996, já havia. Lembro bem porque na primeira edição do meu programa Fórmula Jovem Pan, quando eu trabalhava na emissora, entrevistei o próprio Beto Carrera sobre uma pista em […]

SÃO PAULO (no lo creo) – Muito diz-que-diz depois da visita de Bernie Ecclestone ao Beto Carrero World, ontem. Existe um projeto de autódromo lá. Em 1996, já havia. Lembro bem porque na primeira edição do meu programa Fórmula Jovem Pan, quando eu trabalhava na emissora, entrevistei o próprio Beto Carrera sobre uma pista em Canelinha. Até agora, saiu um kartódromo. Bonito, diga-se. E com grife do Tilke, e tal. O Desafio das Estrelas, do Massa, e as 500 Milhas, dos Giaffone, serão lá.

Os catarinenses querem a F-1. Deodoro também quer. Eu também quero.

No “Estadão” hoje, fala-se em “ameaça” a Interlagos, cujo contrato termina em 2014. Resumindo, Bernie teria exigido reformas no autódromo. Que custariam 120 milhões de dinheiros americanos, de acordo com algum orçamento feito por alguém na Prefeitura. Basicamente, novos boxes na Reta Oposta, com área de paddock melhor e tal.

O prefeito-quibe deixou a batata para seu sucessor, Fernando Haddad, que ainda nem tocou no assunto. Óbvio. Não é exatamente uma prioridade para uma cidade que tem tanta coisa para resolver. Claro que a F-1 é boa para São Paulo, entra dinheiro, traz turistas, enche os puteiros que sobraram, aquelas coisas todas que estamos cansados de saber. Mas tem coisa muito mais séria para resolver aqui.

Há quem acredite que Interlagos só não virou condomínio, ainda, porque tem a F-1. O automobilismo nacional não sustenta a estrutura, que custa bastante por ano — a manutenção de uma área de 1 milhão de metros quadrados não é simples. Como as autoridades municipais são fracas, não sabem aproveitar aquilo tudo como espaço público de verdade. Tem espaço mais do que suficiente para escola, parque, trilha de bicicleta, quadras esportivas, museu, piscinas e o escambau. Mas essas coisas dão trabalho, é preciso planejar e cuidar. Mais fácil é destinar 20 ou 30 milhões por ano para pintar as zebras e montar e desmontar arquibancadas.

Durante um tempo, quando se vivia outro momento econômico no país, achei que o gasto público com a F-1 se justificava. Não havia dinheiro na praça e o risco de perder a prova era grande. Hoje, não acho mais. A iniciativa privada está nadando em grana, o Brasil também. Mas a iniciativa privada brasileira é sui generis. Adora privatizar lucros e estatizar despesas. O GP do Brasil é um evento privado. Pertence à TV Globo. É uma empresa que a Globo comprou, a Interpro, que organiza a corrida. Na minha visão tacanha de mundo, creio que quem deve pagar as despesas é a Globo. Não a Prefeitura. Afinal, a receita vai toda para a Globo. Não para a Prefeitura. “Ah, mas tem os impostos, o dinheiro que entra na cidade”, dira alguém. Certo. Há centenas de outros eventos privados que trazem dinheiro e gente para São Paulo. Feiras, congressos, desfiles, competições. Que eu saiba, cada um cuida do seu.

Da mesma forma, acho que governo nenhum tem de fazer autódromo, mais. Essa fase já passou. Mas a iniciativa privada não faz, porque o automobilismo brasileiro não é um bom negócio. Eu diria que o automobilismo no mundo inteiro é, hoje, um negócio bem frágil.

Há exemplos gritantes de autódromos construídos no exterior praticamente só para a F-1: China, Coreia do Sul, Índia, Turquia, Malásia… Essas pistas todas têm pouquíssima atividade durante o ano. É difícil justificar o que se gastou em tais sítios. Austin deveria ser um exemplo. Foram 400 milhões de doletas que saíram do bolso de alguém. Investidores, milionários, sei lá. A cidade, mesmo, entrou com quase nada.

Essa história de Beto Carrero tem governo do Estado de Santa Catarina no meio. Deodoro tem grana do governo federal. Um absurdo. Destruíram o que já havia para projetar um elefante branco de uso muito incerto. E se a F-1 não for para o Rio? O que farão em Deodoro? O automobilismo nacional sustenta o investimento? Dá retorno?

Sei não.

Aliás, sei sim. Do jeito que está hoje, não dá retorno algum. E se a F-1 sair de Interlagos, o que será do autódromo paulistano? Também não sei.

Foto Facebook Beto Carrera World

Acho cascata, essa história de Santa Catarina. Bernie visita políticos o ano inteiro em todo canto. Já falaram de corridas de F-1, nos últimos tempos, na Argentina, no México, em Nova Jersey, na Ucrânia, na Romênia, na Tailândia, na Chechênia, no inferno. Não é tão simples assim. Além do autódromo, cada país desse tem de pagar uma conta anual que não é pequena. A Turquia, que fez uma pista linda, ficou com o mico na mão. A Austrália vive falando em deixar o calendário. A França caiu fora.

É preciso muito cuidado com essas notícias deodóricas e betocarrêricas, no Brasil. Interlagos tem sempre um corpo de vantagem sobre projetos mirabolantes, porque já existe, tem tradição e está numa cidade rica que não se preocupa muito em fazer e desfazer arquibancadas enquanto gente dorme na rua e vaga pela noite enrolada em cobertores e fumando crack.

No dia em que São Paulo decidir que a dinheirama da F-1 pode e deve ser aplicada em outras coisas, aí sim o GP corre o risco de sair daqui. Mas, para isso, é preciso que outras cidades resolvam bancar a brincadeira. E ela é bem cara. No atual cenário, em que pesem as bravatas dos que dizem que vão “roubar” a F-1 de São Paulo, Interlagos segue tranquilo.