Blog do Flavio Gomes
F-1

20 ANOS

SÃO PAULO (Interlagos de pé) – Como se sabe, hoje faz 20 anos da última e histórica vitória de Ayrton Senna no GP do Brasil. O relato da prova está aqui, para a turma lembrar daquele domingo de delírio e água em Interlagos. Sempre que um piloto ganha correndo em casa o clima é especial. […]

senna1993SÃO PAULO (Interlagos de pé) – Como se sabe, hoje faz 20 anos da última e histórica vitória de Ayrton Senna no GP do Brasil. O relato da prova está aqui, para a turma lembrar daquele domingo de delírio e água em Interlagos.

Sempre que um piloto ganha correndo em casa o clima é especial. Se eu tivesse de fazer um ranking de maluquice de torcida em GPs de F-1, colocaria entre as mais impressionantes as duas de Ayrton aqui (a outra foi em 1991) e as duas de Mansell em Silverstone (1991 e 1992), especialmente a última — foi no ano em que ele acabaria conquistando o título.

Como todos que estavam no autódromo naquele 28 de março de 1993, tenho cá minhas lembranças. Mas, em geral, elas são associadas ao trabalho, e não a alguma emoção especial pelo resultado. Como já disse milhões de vezes, a única coisa que me emociona no esporte é a Portuguesa. O resto é coadjuvante.

Eu trabalhava na “Folha”, na época. Já era repórter especial, responsável pela cobertura da F-1 viajando pelo mundo. Fui ao acervo do jornal (esse negócio de acervo na internet, também já disse, é uma das coisas mais legais do mundo) para ver o que escrevemos na época. A cobertura está aqui. Oito páginas no caderno de Esportes. Alguns números: 31 retrancas (OK, matérias, para os mais jovens), 28 fotos e 3 artes (hoje chamam isso de infográfico). Coisa pacas.

Nossa equipe: eu, Paulo Calçade (hoje na ESPN), José Simão (ainda na “Folha”), Barbara Gancia (colunista da “Folha” e comentarista na GNT e no Grupo Bandeirantes), Andrea Dantas (que era da coluna da Joyce e agora dirige o Grupo Quem), Mario Cesar Carvalho (continua na “Folha”), Edgard Alves (colunista do jornal até hoje), Max Alberto Gonzales (acho que foi trabalhar com comunicação corporativa, mas não tenho certeza), Luiz Carlos Duarte (até hoje no grupo, editor do “Agora”), Sérgio Sá Leitão (atual secretário de Cultura do Rio), Alessandra Alves (minha “descoberta”, hoje dona de editora e de empresa de assessoria de imprensa, além de comentarista na Bandnews FM) e Mário Magalhães (escritor, ex-ombudsman da “Folha” e autor da biografia de Carlos Marighella).

Era um time bom. Um timaço. E ainda tivemos um artigo assinado por Wilsinho Fittipaldi. Fora o pessoal de apoio na redação. Mas nenhum de nós notou que naquele fim de semana Senna se apaixonou por uma loirinha que trabalhava para a Shell, Adriane Galisteu.

Dessas coberturas de Interlagos lembro de uma história com o Emerson Figueiredo, que era meu pauteiro e entendia pacas de F-1 — atualmente, tem empresa de assessoria de imprensa voltada para política. A gente escalava o Emerson para a cobertura no Brasil, uma das poucas chances que ele tinha de sair da redação e trabalhar como repórter, e pode ser que nesse ano ele tenha ido ao autódromo apenas na sexta e no sábado, porque não tem nenhum texto assinado por ele na edição de segunda-feira. Ou, então, o caso aconteceu em 1991 ou 1992, mas não importa. Vale a história.

Estávamos na sala de imprensa, todos esbaforidos e com trabalho até a testa, horários de fechamento para cumprir, organizar o fluxo de envio de matérias para o jornal, uma zona dos diabos, e chega o Emerson. “Falei com o Senna”, disse. Todos paramos. Senna, naquele começo dos anos 90, era figura difícil em Interlagos, quase inacessível. Cercado de assessores, assediado por uma multidão de bicos e torcedores, ora com a Xuxa, ora com algum picão da Philip Morris ou do Banco Nacional, só falava nas coletivas obrigatórias, ou para a Globo, ou , com alguma sorte, imediatamente após um treino nos fundos dos boxes. Teve um ano, em 1990, que ele nem falou com a imprensa depois de bater em Nakajima. Deixou uma fita gravada com uma declaração para sua assessora pessoal, Betise Assumpção, repassar aos jornalistas.

Assim, “Falei com o Senna”, para todos nós, era algo como: fiz uma exclusiva.

Porra, uma exclusiva com o Senna em Interlagos, mesmo que ele não dissesse nada de importante, era algo para mudar a diagramação, abrir página, capitalizar, estremecer a concorrência. Os quatro grandes jornais da época — “Folha”, “Estadão”, “JB” e “O Globo” — brigavam loucamente por qualquer coisa que pudesse ser um diferencial na cobertura, e ter o Senna exclusivo era o máximo que se podia almejar.

Emerson se postou no meio da equipe, com ar solene, ficamos todos em silêncio, até que eu, que coordenava a bagaça toda na pista, perguntei, já imaginando que teria de riscar as páginas de novo, derrubar alguma coisa, arranjar uma foto especial: “Sensacional. E o que ele disse?”. Emerson se empertigou, tirou um Marlboro da carteira e falou: “Ele me disse: ‘Agora não'”. E abriu uma gargalhada estrondosa, para ser imediatamente coberto de impropérios pelos demais.

Diante dos xingamentos gerais, Emerson ainda tentou se defender. “Uai, não é mentira, falei com o Senna!”, troçou, dando uma baforada no Marlboro, e aí todos rimos e seguimos com nosso trabalho insano. Nunca me esqueci desse “agora não”, virou piada interna por anos.

Quanto à corrida de 1993, é legal reler os textos, lembrar que foi a 100ª vitória da McLaren, que Fangio assistiu a essa corrida no autódromo e foi ao pódio, e que Ayrton só anunciou oficialmente que iria correr na quinta-feira. É que ele andava às turras com a McLaren, tinha se oferecido para correr da graça na Williams, fez um contrato de corrida a corrida com a equipe de Ron Dennis, na época se falava em US$ 1 milhão por GP, porque não se conformava com o fato de a Benetton ter motores Ford melhores que os seus e ameaçava não disputar o campeonato se o time vermelho e branco não recebesse equipamento igual, foi um ano e tanto.