Blog do Flavio Gomes
Automobilismo internacional

O MAIS LONGO DOS DIAS (6)

LE MANS (vidão) – 12 vitórias nas últimas 15 edições da corrida é o saldo da Audi em Le Mans. Corrida que Ingolstadt abraçou há pouco mais de uma década para ser dominante, e o domínio parece não ter fim. Se preferirem números redondos, são nove vitórias nas últimas dez provas. A derrota solitária, em […]

vitoria12audiLE MANS (vidão) – 12 vitórias nas últimas 15 edições da corrida é o saldo da Audi em Le Mans. Corrida que Ingolstadt abraçou há pouco mais de uma década para ser dominante, e o domínio parece não ter fim. Se preferirem números redondos, são nove vitórias nas últimas dez provas. A derrota solitária, em 2009, para a Peugeot — que era para estar aqui, brigando junto com a Toyota, e a partir do ano que vem com a Porsche. Pena que os leõezinhos largaram mão.

Le Mans é um caso especial para a Audi, que toma conta do autódromo, da cidade e da paixão dos torcedores. Tem muita gente torcendo para a Audi aqui. Porque os pilotos são simpáticos, a marca é apaixonante e os carros… Bom, os carros são os mais espetaculares jamais construídos, com seu zumbido assustador a cada passagem movida pelo motor traseiro turbodiesel e pelo dianteiro elétrico.A turma das quatro argolas elegeu o circuito de Sarthe como sua casa para mostrar ao mundo do que é capaz. Nos anos 80, o rali foi seu palco. Às portas dos anos 90, a prioridade passou a ser a conquista da América, com os incríveis quattro do IMSA. Depois, tudo se transferiu para cá. Todos os esforços, toda a energia. Para uma corrida de 24 horas. Para um dia, o mais longo de todos.

A ausência de ronco pode parecer algo chato e moderno demais, mas no caso desses carros, como era nos 908, é apenas… assustadora. Eles surgem como fantasmas assobiando do meio do nada e rasgam retas e curvas como se fossem assombrações.

O barulhão de seu maior adversário de hoje, o Toyota igualmente híbrido, mas com um dos motores a gasolina, espalhafatoso e ruidoso, também é bacana. Tudo é bacana numa corrida com a de Le Mans. Do mais rápido ao mais lento, das equipes grandes às pequenas, dos protótipos mais espetaculares aos mais estapafúrdios. Em Le Mans, o público compreende tudo isso, é camarada com qualquer maluquice ou excentricidade que venha da pista, e não faz distinção entre ricos e pobres.

Isso aqui é uma aula de convívio, solidariedade e democracia, em resumo. São 24 horas de cumplicidade total entre todos que, por alguma razão, saíram de suas casas e vieram para a pequena vila de Le Mans para passar 24 horas aqui. Os que trabalham, os que pilotam, os que assistem, os que servem o os que são servidos.

E louve-se Tom Kristensen, um mito do esporte. Aos 45 anos, chegou à nona vitória em 17 participações na prova. Jacky Ickx, outra lenda, é o segundo maior vencedor com seis. O triunfo de agora há pouco foi especialmente emocionante para este dinamarquês de olhar tímido e sorriso idem. Afinal, pouco menos de 24 horas antes, com 10 minutos de corrida, perdera um amigo — o também dinamarquês Allan Simonsen, que morreu num acidente com o carro da Aston Martin.

Como encarar mais 23h50 de corrida depois de saber da morte de um colega? Pois Tom encarou e ganhou. Ganhou ao lado de Loïc Duval e Allan McNish no Audi R18 e-tron quattro #2, depois que o #1 teve problemas mecânicos na sétima hora da corrida e perdeu um tempão nos boxes. O #3, por conta de um pneu furado no início de uma volta, também ficou alijado da briga, mas foi buscar o terceiro lugar com Marc Gené, Lucas di Grassi e Oliver Jarvis.

Lucas guiou como um veterano. Colocou seu nome na história de Sarthe e terá uma longa carreira em Ingolstadt. Deixar a F-1 foi a melhor coisa que lhe aconteceu na vida. Ainda bem que no ano passado, quando teve de escolher um brasileiro para correr em Interlagos, a Audi optou por ele. As outras opções, que inclusive me apresentaram numa consulta informal, eram tenebrosas — se eu contassem quem chegaram a cogitar… Lucas teve meu voto no, digamos, escrutínio final. Não era o primeiro da lista que apresentei, no entanto. Meu nome era João Paulo de Oliveira. Que iria se dar bem do mesmo jeito.

O #1 acabou em quinto, depois de despencar para lá de 20° na hora da quebra. E a Toyota, com seus Corollões, fez segundo e quarto. A turma do #8 (Buemi, Davidson e Sarrazin) foi impecável. Como se esperava, parou menos nos boxes que os Audi. Foram 30 pit stops, contra 34 dos vencedores. A chuva no final, que ameaçou embaralhar parte da corrida, acabou vitimando o #7, com Lapierre ao volante. O francês bateu forte, o time teve de trocar a frente toda do carro, e o pódio que era certo escorreu pelas alamedas de Le Mans. Nakajima e Wurz eram seus parceiros. Mas, batida à parte, fizeram um lindo trabalho. A pista estava um sabão naquela hora e Lapierre brigava ferozmente com o #3 da Audi pelo terceiro lugar.

Na LMP2, os dois Morgan-Nissan da OAK fizeram dobradinha, o que foi bem legal. Na GT Pro, a dobradinha foi da Porsche, com um Aston Martin em terceiro recebendo a bandeirada sob as lágrimas da equipe, que se manteve na prova a pedido da família de Simonsen. A Ferrari do Kobayashi ficou em quinto. E na GT Am, Porsche/Ferrari/Ferrari no pódio.

Acabou mais uma. Em 24 horas, muita coisa acontece no mundo. Aqui também. No microcosmo dos boxes, mais ainda. A maioria das histórias não será nunca conhecida. Morrem com seus protagonistas assim que as caixas de ferramentas são fechadas, os rádios desligados, os equipamentos embalados, as comidas empacotadas, as barracas recolhidas. Assim que os carros, também heróis, como não?, possam, finalmente, descansar da longa batalha. Em silêncio e sozinhos.