Blog do Flavio Gomes
Colunas Warm Up

O BOLEIRO

SÃO PAULO (na canela) – Depois que a Gabriel Araújo’s Enterprises & Management Co. Ltd. me abandonou, porque se associou à Heisenberg & Friends, contratei a È Entertainment & Archeology Research para elaborar um blog, ou site, ou sei lá o quê com todas minhas colunas desde a época do Império Romano. E hoje a […]

SÃO PAULO (na canela) – Depois que a Gabriel Araújo’s Enterprises & Management Co. Ltd. me abandonou, porque se associou à Heisenberg & Friends, contratei a È Entertainment & Archeology Research para elaborar um blog, ou site, ou sei lá o quê com todas minhas colunas desde a época do Império Romano. E hoje a responsável pela pesquisa, que se chama È (assim mesmo, com crase) de Oliveira, me mandou uma coluna antiga em que eu falava de um jogo de futebol com Schumacher em Indianápolis. O texto é de 23 de setembro de 2000 e se chama apropriadamente “O dia em que joguei com Schumacher”. Talvez vocês gostem.

Uns dois meses atrás, fui chamado ao motorhome da Ferrari por um de seus seguranças, que também serve café e almoço quando não está afastando algum bico indesejável do ônibus da equipe. Meio surpreso, descobri que era na verdade uma convocação: para defender o time de futebol da Ferrari na quinta-feira do GP dos EUA, em Indianápolis, contra o time do Fisichella e do Trulli. Você vai ser nosso goleiro, disse Salvatore, o Toro. Como o cara é grande, achei mais prudente aceitar a convocação, embora estivesse, havia algum tempo, sem jogar, meio fora de forma.

Antes que comecem a dizer bobagens, sou um excelente goleiro. Se tivesse uns 20 cm a mais de altura, talvez estivesse na seleção até hoje, ou jogando na Grécia em fim de carreira. Mas, mesmo de estatura, digamos, mediana, tenho lá minhas qualidades, que o pessoal da Ferrari conheceu no ano passado no intervalo entre os GPs da Malásia e do Japão.

Estávamos todos num daqueles resorts paradisíacos em Cherating, antes de ir para Suzuka, e os brasileiros, que eram poucos, fizeram um time para jogar com a italianada. Colocamos uns dois malaios no ataque, um inglês na defesa, um japonês na ponta-esquerda e um vietnamita no meio para compor o time e lá fui eu para o gol, depois de rodar as redondezas atrás de uma luva de goleiro, que acabei encontrando. Ganhamos uma e perdemos a outra, com um gol de cabeça do Toro. Mas fui o melhor em campo, disparado, daí a convocação para o jogo de Indianápolis.

Era anteontem, e eu tinha esquecido. Saí correndo atrás de uma luva de novo, e não encontrei. Na Malásia tinha. Nos EUA, não. Mas comprei uma chuteira. E cheguei ao estádio, um estadiozinho bem decente, até, atrasado. Os times já estavam em campo. Corri para o vestiário e tive de pegar um uniforme do time branco, o do Fisichella e do Trulli. E para jogar na linha.

Enquanto me trocava, entrou no vestiário acanhado um cara que eu já tinha visto antes. Era Michael Schumacher. O sujeito é boleiro. Ganhou meu respeito definitivamente nessa pelada de Indianápolis. Respeito quem sabe jogar bola. Michael me cumprimentou, como a todos os outros jogadores, e ali ele era um dos nossos. Um comum, um mortal, embora um pouco mais rico e famoso. E de camisa vermelha. Um adversário, portanto.

Fomos para o jogo, entrei na metade do primeiro tempo, e me colocaram de lateral-esquerdo. Como Schumacher era atacante na primeira fase, tivemos um encontro rápido em certa altura da partida. Dividimos uma bola e foi lateral para nós. Resumiu-se a isso nosso contato futebolístico porque, depois, ele foi jogar de líbero, e depois de lateral-direito, e nós perdemos de 1 a 0, e eu não falo com meus adversários depois de derrotas.

Schumacher é bom de bola. Rápido, tem visão de jogo, é inteligente, passa bem, mas chuta mal. Mas é, gosto do termo, boleiro. É aquele cara que corre como jogador de futebol, põe as mãos na cintura, reclama com o juiz e fala o tempo inteiro. Em alemão. Fisichella, meu atacante, já peca pelo individualismo. Xinguei-o duas vezes depois de descidas ao ataque e tentativas frustradas de tabela. Mas é habilidoso. Trulli é grosso, mas corre muito e é esforçado.

Foi divertido, o dia em que joguei bola com Schumacher. É bom ver que essas figuras têm seus momentos de simplicidade, dividem um vestiário, usam o mesmo uniforme que você. No final do jogo, Michael nem tomou banho. Não sei como, não estava suado, depois de correr tanto. Trocou de roupa e foi jantar em algum lugar.

Quanto a mim, derrotado em campo, ainda esqueci a chuteira novinha que comprei no vestiário. Não faz mal. Joguei bem, não comprometi. Isso é que importa. Mas se eu estivesse no gol, a gente não perdia. E se o Fisichella e o Trulli não perdessem tantas chances, a gente ganhava e o Schumacher não ia sair do campo com aquele sorrisinho besta dos vencedores.