Blog do Flavio Gomes
F-1

SUZUKA, 1990

SÃO PAULO (deu tempo) – Hoje faz 25 anos do segundo título de Senna. Faz 25 anos do acidente com Prost. Daquilo que muita gente chama de vingança pelo que aconteceu em 1989. Daquilo que muita gente acha que foi apenas uma manobra suja do brasileiro. Mas faz 25 anos da última dobradinha brasileira na […]

podiozukua90

SÃO PAULO (deu tempo) – Hoje faz 25 anos do segundo título de Senna. Faz 25 anos do acidente com Prost. Daquilo que muita gente chama de vingança pelo que aconteceu em 1989. Daquilo que muita gente acha que foi apenas uma manobra suja do brasileiro.

Mas faz 25 anos da última dobradinha brasileira na F-1, e essa é minha lembrança mais doce daquele fim de semana enquanto estava diante da TV. Mais do que a conquista de Senna — que acabaria vindo na Austrália, se não fosse a batida na primeira curva. Piquet e Moreno no pódio foi o mais bacana daquela corrida. E um japonês, Aguri Suzuki, em terceiro, foi o pepino no sushi daquela madrugada.

Foi bacana pelo choro de Moreno. Nunca mais ele teria essa chance, mas suas lágrimas valeram por dezenas de troféus.

Foi bacana pelo sorriso aberto de Piquet. Mais duas viriam: na corrida seguinte, na Austrália, e no Canadá, dali a menos de um ano. E nunca mais, também.

Mas ver a dupla da Camber lá no alto foi sensacional. A comemorar um título conquistado de forma controversa, achei na época que os torcedores brasileiros deveriam era festejar o 1-2 de Nelson & Roberto — essa história, com entrevistas de Piquet e Moreno, está no excepcional texto do Fernando Silva hoje no Grande Prêmio.

[bannergoogle] Isso é o que lembro da madrugada. Algumas horas depois estava na redação da Barão de Limeira para fechar a edição que teria nada menos do que 20 páginas, e aí esquece dobradinha, esquece Senna, esquece tudo. Precisava fechar o jornal. Alguém consegue imaginar um caderno de esportes com 20 páginas hoje? Pois era o que tínhamos, com uma de anúncio na contracapa — da Marlboro.

Foram 13 só sobre a corrida e a conquista do título. Eu era editor de Esporte, na época. Nosso titular de F-1, Mario Andrada e Silva, fez seus textos de Paris, onde morava. Por razões de economia (ano do Plano Collor, vocês não fazem ideia do que é crise…), em vez de mandá-lo da França para o Japão, a “Folha” preferiu antecipar a viagem de Fernando Rodrigues, que passaria a ser o correspondente do jornal em Tóquio. Creio que foi sua primeira cobertura do outro lado do mundo. De Narita para Suzuka, sem nunca ter feito um GP na vida.

Mas Fernando é bom jornalista, e a orientação que dei a ele foi: pegue a coletiva do Senna na íntegra. Se der tempo, faz mais alguma coisa. Mas quero cada palavra que o cara disser. E foi o que ele fez. Eu mesmo escrevi um texto pequeno, porque o trabalho de fechamento da edição era monumental. Inclusive defendi Senna, nesse pequeno artigo. Considerei que Prost, se quisesse, poderia ter evitado a batida. Hoje penso diferente, depois de ver a imagem um milhão de vezes.

Desse domingo maluco, lembro também que mandaram para fechar nosso caderno uma diagramadora que estava em sua primeira semana de jornal. Ela era ótima, uma graça, tímida, magrinha, cabelo curtinho, tinha noção das coisas, mas caiu numa fogueira insana. Resolvi fazer uma página dupla só de fotos e legendas bem elaboradas. Escolhi 18 imagens. Naqueles tempos, era preciso pegar a foto original, determinar o corte, calcular a proporção e enviar para sei lá onde para que ela fosse ampliada exatamente no tamanho pedido pelo diagramador.

Às vezes dava erro, na correria do fechamento. Fui inventar aquela dupla e a menina, coitada, enlouqueceu. Isso atrasou um pouco nosso trabalho. Deixei meus editores-assistentes fechando as páginas menos complicadas e fui cuidar pessoalmente daquela maluquice. Tínhamos um horário muito rígido para fechar o jornal, determinado pelo setor industrial — tem hora para a página “descer” para o paste-up (no caso era descer mesmo, para o terceiro andar), para ser montada, para passar pelo secretário-gráfico (que checava títulos, legendas, numeração, fotos) e ser liberada por ele até, finalmente, ser enviada para a impressão. Tem hora para tudo, porque há um tempo necessário para rodar, dobrar, empacotar e enfiar nos caminhões, Kombis e aviões.

Eu estava atrasado, de pé do lado dela, quando ouço uma voz baixa às minhas costas. Flavio, vai demorar? Porque já estouramos o fechamento, acho que está atrasado…, disse a voz. Eu nem me virei, levantei os braços e respondi, porra, são 18 fotos, a menina está fazendo tudo que pode, eu estou fazendo tudo que posso, uma hora fecha, me deixa trabalhar em paz! A voz, ainda baixa, respondeu que OK, faça o possível para não atrasar muito, e quando fui ver quem era aquela voz, era Otavio Frias Filho, o Otavinho, dono da “Folha” — era domingo, regime de plantão, e na escala daquele fim de semana foi ele o responsável pela Primeira Página e pelo fechamento do jornal. Não perdi a pose, mantive a voz firme e disse: fica tranquilo, estamos quase acabando, vai dar tudo certo, muito obrigado pela preocupação, e saiba que existe uma única verdade no jornalismo. Fiz uma pausa, ele me olhou meio espantado e curioso sobre aquela revelação extraordinária, e eu disse qual era a única verdade: sempre fecha.

Sendo bem honesto, é do que mais me lembro daquele domingo, 21 de outubro de 1990.