Blog do Flavio Gomes
F-1

DOIS ANOS

SÃO PAULO (#KeepFighting) – No domingo em que Schumacher sofreu o acidente de esqui que hoje completa dois anos, devo ter acordado tarde. O Grande Prêmio já tinha dado a notícia quando liguei o computador para dar uma geral nas coisas, porque o Victor Martins me alertou por mensagem do que tinha acontecido. Vamos ver […]

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SÃO PAULO (#KeepFighting) – No domingo em que Schumacher sofreu o acidente de esqui que hoje completa dois anos, devo ter acordado tarde. O Grande Prêmio já tinha dado a notícia quando liguei o computador para dar uma geral nas coisas, porque o Victor Martins me alertou por mensagem do que tinha acontecido. Vamos ver o que ele aprontou dessa vez, pensei, já escaldado pelos tombos de motocicleta e outras traquinagens do primeiro período de aposentadoria.

As primeiras notícias eram pouco esclarecedoras, continham poucos detalhes sobre a queda, mas davam conta de que ele estava bem. OK, que bom, pensei. Vou escrever um texto louvando a aposentadoria de um cara que se recusa a ficar em casa “coçando o saco e passando Hipoglós”, apoiando toda e qualquer maluquice que ele quisesse fazer, e o título do post, publicado às 13h26, foi “Vida loka”. Lembrei do Montoya, que caiu de moto, do Webber, que tomou um capote de bicicleta, do Senna, que foi atropelado por um jet-ski, do Mansell, que quase ficou fora de uma prova decisiva porque se machucou jogando bola. Minha tese: eles todos têm o direito de viver como quiserem. “E se o que ele faz para se divertir pode resultar numa cabeçada numa pedra, paciência”, decretei.

Era um domingo. Devo ter saído para almoçar, ir ao cinema, sei lá. Quando voltei, à noite, abri o computador. O mundo estava caindo. O pessoal do site, em plantão permanente. Foi só às 19h53 que voltei ao blog — bem atrasado, porque àquela altura todos já sabiam da gravidade da situação. Viramos a noite e a madrugada atrás de informações. Elas só pioravam.

Schumacher ficou alguns meses em Grenoble, depois foi transferido para a Suíça, hoje está em sua casa. Um ano atrás, meu espanto era pelo fato de não ter surgido uma imagem sequer dele depois do acidente. Tal espanto persiste. Mas não incomoda.

[bannergoogle] Penso apenas, como pensava no período em que Jules Bianchi ficou hospitalizado sem nunca ter recobrado a consciência, naquilo que se passa dentro de alguém que se encontra no estado em que Michael está. É duro para a família? Muito. Mas tendo a acreditar que depois de dois anos, do choque inicial, mesmo quem vive tão próximo acaba estabelecendo uma nova rotina, retoma suas atividades, procura tocar a vida — até porque não há muito mais a fazer. Seus filhos, Gina e Mick, devem ter amigos, vão à escola, devem sair para baladinhas, namoram, praticam esportes — a menina, equitação; o menino é piloto, o que lhe confere enorme dignidade.

Mas e Schumacher? Ele enxerga, escuta, se comunica, se emociona, chora, sorri, sofre? Sabe o que se passa a sua volta, sabe o que lhe aconteceu, é grato por estar vivo, tem lembranças do passado, é capaz de amar, de ser feliz?

Muitas vezes, manter alguém vivo é ato de egoísmo daqueles que cercam o moribundo, querem sua presença respirando do jeito que for, negam-lhe a morte sem levar em conta qual é a vida que está ali. Não, não estou propondo que matem todos aqueles que há meses, anos, décadas restam inertes em camas de hospital, que a morte é melhor do que um fiapo de vida, quem sou eu?, mas não consigo não pensar nisso, no desejo de quem não consegue dizer o que deseja, na impossibilidade da escolha, na agonia que deve ser querer morrer e não poder dizer isso a ninguém. Espero, do fundo do coração, que Michael não esteja passando por isso.

“Life is about passions. Thank you for sharing mine”, escreveu Schumacher no capacete no último GP de sua vida, em 25 de novembro de 2012. Foi aqui do lado, em Interlagos. Foi generoso com aqueles que o seguiram por tanto tempo, agradecendo a todos por terem dividido com ele a paixão pela velocidade, pelas corridas, pela Fórmula 1.

A vida não foi generosa, com ele, porém. Ou, talvez, esteja sendo, não sabemos. Pode ser que um olhar, um esboço de sorriso, um pequeno gesto valham mais do que todas as vitórias e troféus, do que toda a fortuna e fama. Só ele sabe, e acho que ninguém tem o direito de tentar adivinhar.