Blog do Flavio Gomes
F-1

SCHUMI, 20

SÃO PAULO (sim, tenho saudades) – Hoje faz 20 anos da primeira vitória de Schumacher na Ferrari. Foi a 20ª de sua carreira. Ah, como me lembro daquela corrida, putz… Sempre adorei o GP da Espanha, tanto em Jerez, quanto em Barcelona. O cara guiou como o capeta numa chuva assustadora. Vejam aqui o que […]

SÃO PAULO (sim, tenho saudades)Hoje faz 20 anos da primeira vitória de Schumacher na Ferrari. Foi a 20ª de sua carreira.

Ah, como me lembro daquela corrida, putz… Sempre adorei o GP da Espanha, tanto em Jerez, quanto em Barcelona. O cara guiou como o capeta numa chuva assustadora. Vejam aqui o que tinha de água. E não tinha essa frescura de largar atrás do safety-car. A F-1 era para homens.

Michael largou muito mal, mas depois foi se recuperando e em determinado momento virava, sei lá, 5s mais rápido que os outros — que mal conseguiam ficar na pista. E o carro da Ferrari não era grande coisa. Tanto que o alemão tinha de descer as retas com a cabeça inclinada para não atrapalhar o vento para a tomada de ar superior. Terminou o ano com torcicolo.

Mas vou contar uma história, que creio já ter contado em algum lugar, e que não tem muito a ver com essa corrida em si. Não com essa de 1996, mas com outra em Barcelona, a de 1991, primeira no circuito catalão. Num fim de semana que também teve chuva, nos dias anteriores à prova.

A corrida aconteceu uma semana depois do GP de Portugal, era uma das dobradinhas do calendário mais festejadas por todos, porque a gente emendava duas semanas na Europa em países deliciosos. Eu já me programava para pegar um carro em Lisboa, fazer a prova do Estoril e despencar até Jerez pelo Algarve até entrar na Andaluzia e, depois do GP da Espanha, rasgar o país de madrugada com proa norte para deixar o carro em Madri e voltar para o Brasil.

[bannergoogle]Mas o roteiro daquele ano era diferente, porque até Barcelona não dava para ir de carro. Assim, pegamos um voo em Lisboa para a Catalunha e estávamos todos excitados para conhecer o novo autódromo, um ano antes dos Jogos Olímpicos que mudaram a cara da cidade.

Naquela época, entre os jornalistas brasileiros que cobriam F-1, havia duas figuras impagáveis. Um deles era Jorge de Souza, da rádio Globo. Jorge era um veterano narrador que um dia, fazendo posto num daqueles meetings de atletismo de São Paulo, chamou o Osmar Santos no Morumbi para avisar que ia começar a prova dos 100 metros rasos. Tinha um monte de gente importante no Ibirapuera, entre eles, se não me engano, Carl Lewis. Acho que foi em 1987. Osmar narrava um clássico qualquer e falou “um momentinho, Jorge”, e foi tocando o barco no jogo. Jorge chamou de novo: “Osmar, vai começar!”. E Osmar pediu mais um minutinho, o Palmeiras estava atacando, algo assim, e quando o lance teve seu desfecho, bola para fora, ou impedimento, jamais saberemos, finalmente chamou o Jorge no Ibirapuera.

Bom, nesse tempinho, 30 ou 40 segundos até Osmar acionar o colega no Ibirapuera, a prova começou e acabou — 100 metros duram dez segundos, não dá para protelar muito. Quando Jorge foi chamado, já tinha acabado, claro. “Agora Jorge de Souza, com os 100 metros rasos no estádio Ícaro de Castro Melo no Ibirapuera, vai você, Jorge!”, mandou Osmar, e o Jorge não teve dúvidas. Narrou a prova depois de ela ter terminado, e a narração durou… um minuto! “Larga Carl Lewis, passa por ele Stanley Floyd, Daniel Bailey se aproxima, Robson Caetano arranca pela raia quatro…” e depois dos 100 metros mais longos de todos os tempos, acho que Floyd venceu e Jorge devolveu ao Morumbi: “Grande vitória de Floyd, Osmar!”.

Osmar Santos, que era um gênio, não se apertou. “Muito obrigado Jorge, prova dura, difícil vitória de Stanley Floyd, mas puxa, como demorou essa corrida!”, e seguiu com o clássico do Paulistão, enquanto a equipe toda morria de rir fora do microfone.

Bom, o Jorge era um dos dois que participaram da história, e o outro era Antonio Melane, que cobria F-1 para o “Estado de Minas”, um negrão de fala mansa, meio gordinho, que a gente apelidou de “Vococê”. Porque ele sempre aparecia num aeroporto ou estação de trem, geralmente viajava sozinho, e quando encontrava um colega perguntava se ele estava indo para o autódromo, ou para o hotel. À resposta positiva, pensava um segundinho e resolvia, em bom “mineirês”: “Então eu ‘vococê'”.

Nessa de 1991, quando cheguei ao aeroporto encontrei o Melane e o Jorge, e nenhum deles tinha reservado hotel em Barcelona, e quando o Melane disse que ia comigo, falei que tudo bem, a gente daria um jeito. O Jorge veio na balada e fomos os três para o hotel Balmes, na Carrer de Mallorca, 216 (sim, essas coisas eu guardo, foram muitas em Barcelona), e chegando lá troquei o single por um double com uma caminha de armar.

O Jorge viajava com uma enorme bolsa de remédios, tomava remédio para tudo e passava Vick Vaporub no peito antes de dormir, deixando no ar um cheiro de cânfora insuportável, mas beleza, o velhinho precisava cuidar da voz e dos pulmões, sei lá, nos ajeitamos, o Melane foi arrumar suas coisas, eu, as minhas, e saímos para jantar. Na volta, começou a chover e o Melane ficou desesperado. “Precisamos voltar pro hotel agora!”, e saímos correndo sem entender nada, e quando subimos para o quarto ele correu para o banheiro como se alguém estivesse se afogando na banheira, e perguntei, “porra, Melane, que que tá acontecendo?”, e ele voltou do banheiro com um sorriso aberto e um… BACALHAU!

Melane, que porra é essa, um bacalhau!, gritei, e ele deu um sorriso maroto e explicou. Tinha comprado um bacalhau em Portugal na semana anterior, afinal bacalhau português é o que há, e para não deixar o peixe no quarto, pendurou o dito cujo na janela do banheiro, para o lado de fora, mas quando a chuva chegou ficou apavorado que poderia estragar, como explicaria no Brasil voltar de Portugal sem um bacalhau, e assim o bacalhau foi salvo e passou o resto do fim de semana abrigado das intempéries dentro do quarto.

Assim eram nossas viagens. Muitas saudades dos dois. Melane segue ativo, tem um blog de esportes em Minas. Jorge morreu há alguns anos, deixando para trás histórias como essa e tantas outras, que um dia conto.