Blog do Flavio Gomes
Autódromos

A OBRA DE LOLÔ

SÃO PAULO (tá difícil) – Linda a matéria da Evelyn Guimarães com Ayrton “Lolô” Cornelsen, projetista do autódromo de Jacarepaguá que, desde o dia 5, se tornou o centro do mundo do esporte. Sem pista, sem carros. Mas, sim, como Parque Olímpico da Rio 2016. O circuito, que teve um oval incorporado nos anos 90 […]

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SÃO PAULO (tá difícil) – Linda a matéria da Evelyn Guimarães com Ayrton “Lolô” Cornelsen, projetista do autódromo de Jacarepaguá que, desde o dia 5, se tornou o centro do mundo do esporte. Sem pista, sem carros. Mas, sim, como Parque Olímpico da Rio 2016.

O circuito, que teve um oval incorporado nos anos 90 e sediou provas de F-1, Indy e MotoGP — são pouquíssimos os que tiveram essa honra, e gostaria que vocês fizessem a lista, para ver se estão afiados –, foi mutilado para os Jogos Pan-americanos de 2007 e definitivamente assassinado para a Olimpíada.

Falaram, quando decidiu-se pelo uso da área para a construção de arenas, piscinas e quadras, que uma nova pista seria feita em Deodoro. Não será. O automobilismo acabou no Rio. Ninguém vai construir um autódromo numa cidade que cresceu desesperadamente para o oeste e cujos terrenos, todos enormes, passaram a valer muito. Deodoro não é um lugar legal. O Rio é meio apertado. Não tem demanda por automobilismo. Esqueçam. Ali, acabou.

E, então, o que fazemos? Choramos, nos descabelamos?

Desde o início, fui contra a destruição de Jacarepaguá. Achava que havia espaço suficiente na Barra para que instalações olímpicas fossem erguidas sem ter de acabar com a pista. De fato havia, mas convenhamos: Jacarepaguá era bem mais apropriado: uma área já urbanizada, e aquele monstrengo subutilizado. É fato. O autódromo já não tinha mais a vitalidade que teve nos anos 80 e 90. Como o automobilismo, aliás. Alguém é capaz de negar que é um esporte em crise?

[bannergoogle]Acho que não. Por isso, hoje, alguns anos depois de consumada a morte do autódromo, e depois de conhecer o Parque Olímpico nas últimas semanas cobrindo os Jogos, tendo a acreditar que o fim do circuito era inevitável. Se não fosse a Olimpíada, seria outra coisa. Não sei, sinceramente, se manter um autódromo num país que tem um automobilismo tão frágil é um bom negócio. Não tem quem pague a conta.

O que escrevo agora depõe contra opiniões que já sustentei e, pior, contra meu ganha-pão. Mas é preciso reconhecer que os tempos mudaram. Ninguém fez nada, nos anos finais de Jacarepaguá, para que aquela pista se sustentasse. O carioca não tem um interesse especial por corridas, e aquele momento dourado de Senna e Piquet na Fórmula 1 já passou faz muito tempo. O mesmo pode ser dito da Indy, que viveu um “boom” na década de 90, mas murchou até desaparecer — o Brasil hoje é indiferente à categoria.

Há uma tendência mundial pela redução da importância do esporte a motor, essa é a verdade. Quando se olha para fora, dá para contar nos dedos os autódromos permanentes construídos nos últimos anos. Sochi? Faz parte de um complexo olímpico de inverno e só foi erguido porque Putin manda e desmanda na Rússia sem perguntar muito quando resolve fazer alguma coisa. Abu Dhabi? É uma ilha da fantasia. Austin? Os caras estão suando sangue para fazer aquilo virar. Bahrein e China? São coisas de governos tão autoritários quanto o russo.

O que tem pingado aqui e ali é circuito de rua, como os de Cingapura e Baku. Iniciativas recentes como as pistas da Turquia, Índia e Coreia do Sul, nasceram mortas. O que foi feito desses autódromos? Nada. Elefantes brancos que receberam, juntos, apenas 14 GPs — sete na Turquia, quatro na Coreia, três na Índia. Quem ficou com o prejuízo? Bernie, certamente, não.

Assim, a morte de Jacarepaguá, deixando a paixão de lado, era apenas uma questão de tempo. Falando de Brasil, Curitiba sobreviveu porque o momento não é de investir em empreendimentos imobiliários nababescos. O ímpeto refreou. Brasília está abandonada. Tem pista no Sul correndo risco, como Santa Cruz. O mesmo vale para o Velopark.

[bannergoogle]Não sei direito onde vamos parar. Curvelo é uma exceção das exceções, e louvo a coragem de quem está investindo ali. Goiânia foi reformulada e ficou muito bacana. Velo Città é uma pista particular, não tem sequer autorização para receber público. Interlagos passa por uma reforma muito ampla, mas a obra é totalmente vinculada à F-1. A existência do autódromo, suspeito, depende do GP do Brasil. Não fossem as exigências da FIA e da FOM, receio que a pista ficaria do jeito que estava, sem grandes atenções do poder público. Até morrer de inanição.

O Parque Olímpico da Barra — já não se usa o nome original, Jacarepaguá — é bonito. Aparentemente, há planos para cada uma das arenas ali construídas e as coisas não serão abandonadas. Certamente terá um uso mais intenso do que teria o autódromo, se não tivesse sido destruído. Como apaixonado por corridas, olho para o fim de Jacarepaguá com tristeza e melancolia. Já tive raiva do que fizeram ali. Hoje, acho que só restou mesmo saudade. Caminhando pelas alamedas do complexo esportivo, vendo de perto o que brotou ali, ginásios, piscinas, estádios, observando a alegria das pessoas e um quase total desconhecimento da maioria de que naquele lugar, um dia, correram carros e motos, a sensação que tenho é que ninguém deu muita bola para o fim do autódromo.

Pena que não sobrou nada, rigorosamente nada, para lembrar da pista. Podiam tem mantido um pedacinho dos boxes. A torre cilíndrica. Alguma coisinha, um memorial, sei lá. Jacarepaguá foi muito importante. Com o passar do tempo, foi deixando de ser. É duro. Mas é a verdade.