Blog do Flavio Gomes
F-1

O TRI, 25

SÃO PAULO (o próximo…) – 20 de outubro de 1991, madrugada por aqui, Mansell erra e atola no Japão, Ayrton Senna é tricampeão mundial. Hoje faz 25 anos do título, e este quarto de século da última conquista de um brasileiro na F-1 está relatada aqui, pela Evelyn Guimarães. Para não ficar repetindo aqui histórias já mais […]

SÃO PAULO (o próximo…) – 20 de outubro de 1991, madrugada por aqui, Mansell erra e atola no Japão, Ayrton Senna é tricampeão mundial. Hoje faz 25 anos do título, e este quarto de século da última conquista de um brasileiro na F-1 está relatada aqui, pela Evelyn Guimarães.

Para não ficar repetindo aqui histórias já mais do que bem contadas, vou contar algumas da minha cobertura naquele ano.

Até meados de 1991, eu era editor de Esportes (no plural) da “Folha”. Já tinha feito várias corridas, muitas delas na Europa, mas depois que efetivei Mario Andrada e Silva como repórter de F-1, acabei pulando algumas. Mario virou correspondente em Paris e era mais fácil tocar a cobertura por lá — distâncias menores, passagens mais baratas etc.

Depois da terceira vitória seguida, em Imola, manchetei algo como “Senna não tem mais adversários na F-1”, tamanha sua superioridade nas três primeiras corridas do ano. Matinas Suzuki Jr., então secretário de Redação, mandou mudar. Achou exagerado. Virou algo como “Senna dispara na liderança do Mundial”, mais cauteloso e menos ufanista.

Quando Mario voltou da França, em maio, trocamos de lugar. Ele virou editor, eu assumi a F-1. E a primeira prova dessa nova fase foi o GP de Mônaco, nova vitória do brasileiro — a quarta consecutiva, num momento em que a Williams só quebrava.

[bannergoogle]Não lembro bem por quê, mas pulamos o Canadá e fomos para o México na prova seguinte, quando eu finalmente estrearia meu laptop. Do jornal, digo. Péssimo lugar para estrear qualquer coisa, porque o fuso horário no México é desfavorável e nossos fechamentos eram apertadíssimos, para a quantidade de material que eu tinha de produzir. Qualquer problema técnico e o caos estaria instalado.

E é claro que se instalou. Num fim de semana pouco propício, porque além de tudo Ayrton tinha sofrido um acidente esquisito de jet-ski no domingo anterior e viajou para a América do Norte com sei lá quantos pontos na cabeça.

Cheguei na quinta à tarde e nem tive tempo de usar o equipamento. Passei meus textos por telefone, mesmo, e deixei para inaugurar a era da transmissão de matérias por computador no dia seguinte, depois dos primeiros treinos.

Fiz alguns testes no hotel, de noite, e fui todo pimpão para a pista na sexta disposto a aposentar de vez meus dotes de usuário de máquinas de telex — que eu adorava. Mas é claro que sempre tem de acontecer alguma coisa ruim. No caso, Senna capotou no primeiro treino oficial, que já tinha ficado parado por quase 20 minutos depois de um outro acidente.

Com a cabeça rachada, Ayrton ficou virado na Peraltada, foi para o hospital, e é claro que tudo aquilo virou comoção nacional. Meu horário de fechamento tinha ido para o saco. Era preciso, evidentemente, esperar o cara aparecer vivo no autódromo para poder escrever. E ele demorou bastante.

Fui adiantando tudo que era possível, estava com todas as retrancas escritas (já falei para vocês pesquisarem “retranca”), Senna apareceu, fechei o texto de abertura e fui correndo para a sala de telefonia para pegar uma cabine, conectar o diabo do laptop, um Toshiba T1000, se não me falha a memória, e transmitir tudo via Infonet (era um sistema internacional que tinha números de telefone no mundo inteiro, a gente conectava e, se tudo desse certo, ele mandava para o computador do jornal).

[bannergoogle]Quando entrei na sala, porém, bateu o desespero. Lembram do caos que eu disse que se instalou? Pois o caos era aquela sala. Duas operadoras de telefone controlavam o acesso a meia-dúzia de cabines que estavam sendo disputadas a tapa por 200 jornalistas de todos os cantos do planeta, e as duas operadoras pareciam saídas de algum filme dos anos 40, plugando as linhas com elásticos e berrando feito malucas em espanhol.

Isso não vai dar certo, pensei, saí correndo com o laptop pelo paddock, achei um orelhão, liguei a cobrar (por milagre não demorou) e ditei todas as minhas matérias. Ao terminar, com o horário de fechamento quase estourando, informei que não usaria mais aquela merda, que só seria possível se tivéssemos uma linha telefônica exclusiva, e que se o jornal não pagasse por ela, voltaria ao meu querido telex.

O jornal não quis pagar linha nenhuma o resto do ano, porque isso era realmente caro, e fui de telex até o fim da temporada, quando um assessor da FIA me avisou gentilmente que a partir de 1992 elas seriam desativadas do universo.

Bom, isso foi no México, mas tenho outras muitas lembranças daquele campeonato, porque muitas das corridas para mim eram novidade. Algumas eram novidade para a F-1, inclusive, como a de Magny-Cours, inserida no calendário naquele ano — falei muito sobre ela num post de julho, está aqui para quem quiser ler. Lembro muito bem do GP da Hungria, meu primeiro pulo no Leste, onde fiz questão absoluta de alugar um Lada. E do GP da Bélgica, “Free Gachot”, a estreia de Schumacher — prova histórica, portanto.

Na última etapa europeia daquele ano, outra estreia, o circuito de Barcelona, que passaria a sediar o GP da Espanha. Corridaça, disputa inesquecível entre Senna e Mansell descendo a reta com um fio de cabelo separando os dois.

E encerro este pequeno périplo pela memória justamente em Barcelona, onde acabei dividindo meu quarto no velho Hotel Balmes com Jorge de Souza, Antonio Melane e um bacalhau, cuja história está igualmente contada aqui, e não vou repetir. Na quinta ou na sexta-feira dessa corrida, Mansell, que precisava vencer para adiar a conquista de Senna, foi jogar bola e machucou o pé. Começou a rolar uma intensa boataria de que ele não iria correr, o que daria o título a Ayrton antes mesmo da largada.

E o Jorge, inesquecível Jorge, não teve dúvidas quando soubemos, no hotel, da história de o Mansell ter se machucado. Ligou para a rádio Globo, onde trabalhava, e mandou o mais espetacular boletim que já ouvi na vida. “Falamos da porta do Hospital Geral da Catalunha!”, começou, a voz grave, os olhinhos fechados, de cueca, meias e camisa social. “Estamos em vigília aguardando informações sobre o estado de saúde de Nigel Mansell!”, continuou, e eu fiquei olhando aquilo espantado, esperando pelo desfecho mais estrepitoso possível, algo como “o piloto não sabe ainda se vai voltar a andar”.

Foi quase. Jorge descreveu em detalhes a seriíssima contusão do inglês, disse que era quase certo que não conseguiria correr, assegurou que iria varar a madrugada aguardando novas notícias e que seria o primeiro a informar ao Brasil que Senna era tricampeão assim que a ausência do “Leão” fosse confirmada.

Não aconteceu nada, Mansell correu, ganhou e Ayrton só seria tricampeão no Japão, semanas depois. Jorge, depois de garantir aos seus ouvintes que estaria de plantão no Hospital Geral da Catalunha, que não existia, desligou o telefone, tirou a camisa social, colocou seu pijama azul, deu uma piscadinha e foi dormir.