Blog do Flavio Gomes
F-1

N’ALGARVE (3)

RIO (92!) – Não é pouco o que Lewis Hamilton conseguiu hoje no bom GP de Portugal, em Portimão. Tornou-se o maior piloto de todos os tempos. O título de melhor de todos os tempos, ou “GOAT”, na sigla em inglês que será usada à exaustão, está em ótimas mãos. Hamilton dá mostras, corrida a […]

RIO (92!) – Não é pouco o que Lewis Hamilton conseguiu hoje no bom GP de Portugal, em Portimão. Tornou-se o maior piloto de todos os tempos. O título de melhor de todos os tempos, ou “GOAT”, na sigla em inglês que será usada à exaustão, está em ótimas mãos. Hamilton dá mostras, corrida a corrida, de seu enorme talento como atleta e de seu gigantesco valor como cidadão do mundo. Sobram elogios, e todos são merecidos. Como é muito justa sua reverência, permantente, ao time que o cerca.

“Obrigado por acreditarem em mim” foi o que Lewis disse pelo rádio à sua equipe assim que recebeu a bandeirada em Portimão, numa corrida divertida do início ao fim — ainda que a vitória em si tenha sido bem tranquila. Seus números são superlativos graças à Mercedes, também. E os números da Mercedes são igualmente impressionantes graças a ele.

92 vezes Hamilton: méritos divididos entre um piloto fantástico e uma equipe fabulosa

É um dia histórico, este 25 de outubro, porque cai um recorde que muitos acreditavam inatingível, já que era difícil imaginar uma hegemonia tão longeva quanto a que Schumacher e a Ferrari estabeleceram na F-1 no início deste século. Ela se repetiu e se ampliou, porém, pouco tempo depois. E quando cabe a um piloto como Hamilton fazer valer a superioridade de seu equipamento, é quase impossível deter a marcha dos recordes.

Hamilton não é só um cara que tem vontade de vencer. Ele parece disposto a melhorar o tempo todo, e isso é que faz dele alguém tão especial — e nos torna privilegiados por poder testemunhar essa bela história sendo escrita. Há outros componentes que o aproximam da epopeia igualmente bonita de Schumacher, também ele um garoto de família pobre que se fez graças a uma capacidade rara de lutar por aquilo que quer.

A vida nunca foi fácil para o menino negro que fez a vida num ambiente branco e elitista, e foi subindo os degraus que apareceram à sua frente com altivez e dedicação. Michael, filho do zelador do kartódromo que corria com pneus velhos abandonados na pista de que seu pai cuidava, também teve um início difícil e sofrido.

Ambos chegaram ao auge jovens, e nele se mantiveram durante bastante tempo — o que é muito difícil. Michael decidiu parar em 2006, quando sentiu ter cumprido sua missão. Lewis continua firme e uma hora vai parar, deixando para trás um legado de empenho e profissionalismo. Tais legados, de ambos, se traduzem em números, claro. Mas vão além. Estão nas camisetas de Hamilton e nas mensagens que manda para o mundo. Estão no vira-lata que Schumacher adotou em Interlagos e nos milhões de dólares doados às vítimas do tsunami que atingiu a Ásia em 2005. Cada um, à sua maneira, se esforçou para ser mais e melhor. Na pista e fora dela. São feitos do mesmo material. A F-1, isso é inegável, talhou duas figuras extraordinárias como expoentes máximos de seus 70 anos de história.

Vitória tranquila: Hamilton sabe como construir um resultado como ninguém

O abraço no pai Anthony, da foto lá no alto, é imagem deste domingo que ficará eternizada. Significa a gratidão pelo esforço familiar para que ele seguisse na carreira com todos os percalços previsíveis para quem escolhe fazer das corridas de carro um meio de vida. Percalços que passaram, até, pelo rompimento “comercial” com o pai nos primeiros anos de F-1. Hamilton é um sujeito que teve de amadurecer rápido. Já na temporada de estreia começou a ganhar GPs, em 2007, e bateu de frente com um bicampeão mundial. Na segunda, conquistou o título. Depois, passou cinco anos em branco para renascer na Mercedes de forma avassaladora. E ainda amargou uma perda de campeonato em 2016 que para muitos poderia representar um baque difícil de superar.

Há os que usam a derrota para Rosberg como argumento para questionar a posição de Hamilton na história da F-1, esquecendo-se, talvez, que Schumacher foi batido por Hill e Villeneuve, Senna por Mansell, Prost por um Lauda quase aposentado, e os exemplos são muitos ao longo das décadas. Não se ganha sempre. O que muitas vezes diferencia os excelentes dos bons é exatamente a capacidade que cada um tem de se levantar quando cai. Lewis caiu algumas vezes. E sempre que se ergueu, o fez mais forte.

No pódio, como mais um troféu: são 161 na carreira, em 262 GPs

Portugal voltou ao calendário em grande estilo num domingo nublado, 20°C nos termômetros e gotinhas de chuva prontas para brincar com os 20 pilotos que alinharam diante de 27.500 torcedores nas arquibancadas de Portimão. Ainda que no momento de uma segunda onda de contágios pelo novo coronavírus na Europa não fosse indicado juntar multidões em lugar algum, é um pequeno consolo saber que a marca histórica de 92 vitórias tenha sido testemunhada por gente de verdade — tomara que as aglomerações não tenham consequências.

A prova começou bem louca, com uma dificuldade enorme de todos para aquecer seus pneus. Assim, apesar de partir bem, Hamilton na metade da primeira volta já tinha sido ultrapassado por Bottas que, por sua vez, perdeu a liderança para um surpreendente Sainz, sétimo no grid. Com carros escorregando de um lado para o outro — até alguns pingos d’água foram relatados, deixando a condição do asfalto ainda mais traiçoeira –, o espanhol da McLaren foi driblando todo mundo e, de repente, apareceu em primeiro.

Ajudou o enrosco entre Verstappen e Pérez, que acabou atirando o mexicano para último. Norris, com a outra McLaren, saltou de oitavo para quarto. Os dois largaram de pneus macios, que foram bastante úteis nos primeiros metros da prova, já que são mais aderentes e tracionam melhor. E Raikkonen fez uma das primeiras voltas mais espetaculares da história, saindo de 16º para sexto, em imagem que merece ser vista, revista e vista de novo até o fim dos tempos — o vídeo está aqui.

Kimi: largada espetacular, com dez ultrapassagens na primeira volta

Pena que o carro de Raikkonen, quase uma Alfa Romeo 2300 ti, não permitiu ao finlandês fazer nenhum milagre, ainda mais porque no circuito do Algarve a longa reta dos boxes acabou se mostrando uma excelente amiga das ultrapassagens. Como todo mundo usou paredões de asa para garantir alguma eficiência nos trechos mais travados do miolo, aqueles que vinham com a asa móvel aberta não tinham dificuldade nenhuma para passar quem tinha de percorrer quase 1 km de reta sem o recurso. Kimi terminou em 11º, e quando perguntaram a ele sobre sua histórica primeira volta, fez um muxoxo e disse: “Não serviu pra nada”.

Sainz, Bottas, Hamilton, Norris, Verstappen, Raikkonen, Ricciardo, Leclerc, Gasly e Stroll eram os dez primeiros colocados na terceira volta, quando os pneus começaram a chegar à temperatura ideal de funcionamento e o rascunho de chuva que se desenhava foi embora. Aí, a realidade passou a se impor. Na sexta volta, Bottas já era líder, e na 12ª o espanhol do carro laranja caíra para quinto. Lá na frente, Hamilton iniciava a caça a Bottas, que estaria consumada na volta 20, com uma ultrapassagem tranquila no final da reta dos boxes. Daí em diante, Lewis não teria mais com o que se preocupar.

Largada maluca: ao final da primeira volta, Sainz era o líder

Um incidente na volta 18, pouco antes, chamou a atenção: Stroll foi para cima de Norris e errou o lado. Tentou passar por fora e os dois se tocaram. Lance rodou e jogou sua corrida no lixo. No pelotão intermediário, as brigas eram boas e alguns pilotos se destacavam com atuações bem convincentes. Foi o caso de Pérez, que caiu para último na largada e foi escalando sua montanha particular para chegar à quinta posição no fim, que só não sustentou porque, já com pneus macios rapidamente detonados, acabou sendo superado nas últimas voltas por Gasly e Sainz — chegou em sétimo, o mexicano da Aston Point.

O francês da AlphaTauri, quinto, foi um dos bons nomes da prova, assim como Leclerc — que terminou em quarto fazendo muito mais do que a Ferrari poderia esperar. Sainz, que chegou a liderar — lembram? –, recebeu a bandeirada em sexto. Ocon, Ricciardo e Vettel — apagadíssimo — fecharam a zona de pontos.

Quase todo mundo parou apenas uma vez, e os que largaram com pneus médios puderam esticar o primeiro stint sem maiores problemas. Hamilton, por exemplo, só foi parar na volta 41. Bottas, na 42ª. Ocon foi até a 54ª, o que lhe possibilitou terminar a corrida na frente do parceiro Ricciardo.

Mecânicos da AlphaTauri comemoram: nas últimas voltas, Gasly subiu até o quinto lugar

Como sempre, também, alguns pilotos decepcionaram. Albon viu Verstappen terminar pela nona vez no ano no pódio, em terceiro, e ficou só em 12º com o mesmo carro. Está na marca do pênalti na Red Bull. Kvyat se arrastou em 19º, enquanto seu companheiro comemorava um belo quinto lugar. Norris, em 13º, pelo menos tinha a quem culpar: Stroll, pelo toque na volta 18.

Com 256 pontos na classificação, Hamilton apenas conta os dias para festejar seu sétimo título mundial, igualando Schumacher de novo e se preparando para superá-lo em taças no ano que vem. Bottas tem 179 e sua preocupação agora é não perder o vice para Verstappen, 17 pontos atrás. Depois deles vêm empilhados Ricciardo (80), Leclerc (75), Pérez (74), Norris (65), Albon (64) e Gasly (63), brigando ponto a ponto num campeonato que, se não fosse pela existência da Mercedes e de Verstappen, seria um dos mais equilibrados de todos os tempos. Entre as equipes, a briga também é muito boa pelo terceiro lugar: Racing India (126), McLaren (124) e Renault (120) lutam pelas migalhas que mercêdicos e rubro-taurinos deixam pelo caminho.

Leclerc em quarto: anda mais que o carro e faz um grande campeonato

Semana que vem tem corrida de novo, a volta de Imola depois de 14 anos ao calendário. Outra prova que, pela novidade, deve ser das mais interessantes do ano — nunca esses carros híbridos andaram na pista e, da turma que disputa o Mundial, o único que já correu lá foi Raikkonen. Será o primeiro GP com apenas dois dias de atividade na era moderna da F-1, com treinos no sábado e corrida no domingo. É um ensaio da Liberty para um calendário, no futuro, com 25 etapas — atividades mais enxutas, gastos menores, chance de engordar a lista de GPs por temporada e rechear a conta bancária da empresa que há alguns anos assumiu o controle da categoria.

Imola é muito especial, sempre foi. Vai ser um fim de semana bacana, cheio de lembranças.