Blog do Flavio Gomes
FOX

A FOX (2)

RIO (podiam ter colocado uma receita no lugar, eu mesmo mandava) – Acontecem coisas estranhas no mundo das comunicações. Nesta semana dei entrevista ao site da TV Cultura, ao repórter Matheus Macarroni — aluno de um grande amigo, o Toninho, que foi meu repórter na “Folha” e hoje dirige o departamento de jornalismo da ESPM. […]

RIO (podiam ter colocado uma receita no lugar, eu mesmo mandava) – Acontecem coisas estranhas no mundo das comunicações. Nesta semana dei entrevista ao site da TV Cultura, ao repórter Matheus Macarroni — aluno de um grande amigo, o Toninho, que foi meu repórter na “Folha” e hoje dirige o departamento de jornalismo da ESPM. Me pediram para falar da saída da Fox e tal. Topei, claro, não tenho nada para esconder, mas tenho feito apenas uma exigência: só por escrito (assim eu escrevo exatamente o que quero dizer) e desde que minhas respostas sejam publicadas na íntegra.

E não é que por alguma razão insondável tiraram a entrevista do ar? Oxe!

Sem problemas. Abaixo, as perguntas e as respostas.

*

Sobre a junção da ESPN com a FoxSports, você disse que é “mais extinção do que junção.” Por que você acha isso? O cenário que o jornalismo (infelizmente) vive tem muita influência nessa opinião?

Creio que a Disney nunca teve a intenção de manter a Fox como ela é, unir equipes, aproveitar o melhor de cada canal. Já tem algum tempo, com a extinção de programas, primeiro, e a demissão de vários colegas, depois, que ficou claro que eles não querem nenhuma relação com o passado do Fox Sports. Até as cores do canal mudaram, as trilhas musicais, o logotipo na tela… É um direito da Disney, claro, afinal ela comprou a Fox. Mas a história do CADE, que num primeiro momento queria preservar empregos e o canal, evitando uma concentração indevida de produtos e canais esportivos no mesmo grupo, era conversa. Ninguém compraria um canal de TV neste momento. Aí resolveram autorizar a fusão, sem impor condição nenhuma à Disney, exceto que o canal fique no ar, mas sem definir como. Portanto, deixando a Disney livre para fazer o que quiser, inclusive passar desenhos do Mickey 24 horas por dia. De novo, é um direito deles. Mas o CADE, no fim, não fez nada para proteger ao menos os empregos de quase 400 pessoas. O que estão fazendo é fechar o canal. Sequer a sede do Rio vieram conhecer. Nunca houve, portanto, a intenção de juntar os canais. O cenário que está levando a isso pode ser analisado de várias formas. Claro que uma fusão desse tamanho não seria fácil. Mas considerando que o Fox Sports tem mais audiência que a ESPN, estava no azul, havia se consolidado no país, seria normal, do ponto de vista comercial, olhar para o que fazíamos e incorporar esse sucesso à ESPN. O problema é que, ao que parece, quem está conduzindo esse processo nem está no Brasil. Assim, creio que eles não conhecem direito a realidade da TV a cabo aqui, sei lá. Fomos extintos a distância.

E por que você afirmou que provavelmente sua carreira no jornalismo esportivo acabou?

O jornalismo como o conheci, e que exerci, não existe mais. A proliferação de plataformas e redes sociais fez com que a comunicação se tornasse algo muito confuso e de pouca credibilidade. Há uma enxurrada de irrelevâncias que o público em geral confunde com jornalismo. E o jornalismo profissional está sofrendo para ganhar essa batalha. Basta ver como se deu a eleição presidencial em 2018. Alguém como Bolsonaro jamais ganharia uma eleição se o público fosse informado apenas pela imprensa. Mas a “imprensa” de Bolsonaro, e de tantos outros, é agora o grupo de WhatsApp da tia, a tuitada do Carluxo, as milícias digitais que têm um tremendo alcance. O público não sabe, ou não quer, sei lá, diferenciar o que é mentira pura de informação real. Não tenho muito saco para isso. Acho que o jornalismo profissional é essencial, sagrado, tem de lutar para sobreviver. Mas eu diria que essa guerra não tem sido muito favorável a quem se preparou para tratar a informação com alguma responsabilidade e método. Resumindo, vejo o jornalismo, ao menos aquele que sempre pratiquei, como algo que corre o risco de entrar em extinção, como uma oficina de carburadores ou uma fábrica de orelhões.

E quando a junção do Fox Sports com a ESPN foi anunciada, você já pensava na sua saída?

Quando a Disney comprou a Fox nos EUA, num negócio de 70 bilhões de dólares, os canais de esportes da Fox vieram de troco. Não foi isso que a Disney comprou. Ela comprou estúdios, filmes, séries, franquias, portfólio. Foi como se você comprasse uma mansão, mas o vendedor fizesse questão que você levasse junto 15 quitinetes. Você fica com o casarão e se livra das quitinetes. Éramos, os canais Fox Sports na América Latina, as quitinetes. Em cada país foi de um jeito. Aqui, a ordem era vender. Ninguém comprou. Aí veio a história da fusão. Quando não apareceu nenhum comprador, ficou claro que o caminho seria esse que estamos vivendo agora. Foram meses sem nenhum sinal contrário. Era uma questão de esperar pelo fim dos contratos, quase todos terminando agora, para a ESPN passar o rodo. Eu nunca achei que ia ficar, para dizer a verdade. Alguns, felizmente, se salvaram. Mas a devastação foi grande. E será ainda mais dolorosa em janeiro, quando o pessoal de CLT será avisado. Como disse antes, não houve fusão. O Fox Sports acabou. Seria justo se a Disney assumisse isso, em vez de deixar um ectoplasma no ar até o fim do ano que vem, que é a única obrigação que tem, segundo o CADE.

Agora saindo um pouco dessa questão da junção e olhando um pouco para trás. Nesses 38 anos de carreira (que torcemos para que continue), em qual emissora você mais gostou de trabalhar? E há alguma pessoa que você considere o melhor amigo que fez no meio?

Fiz muitos amigos, claro. Muitos mesmo, e talvez o maior deles seja o Fábio Seixas, com quem trabalhei na F-1 pela Rádio Bandeirantes muitos anos, e em outros tantos com cada um num veículo diferente. Mas são tantos, que seria sacanagem citar só alguns. Na verdade, não fiz inimigos. As pessoas de quem não gosto, dessas simplesmente me afasto e não brigo com ninguém. Em todos os lugares que trabalhei fiz amigos para sempre, de verdade. E sempre gostei muito de todas as casas em que estive. Foram muitas, e em momentos muito diferentes da vida e da profissão, do país e do mundo. Tenho grandes lembranças da Folha, da Pan, da Bandeirantes, de Placar, da ESPN, da Fox… Estes anos de Fox foram muito intensos e belos, não é fácil fazer um ambiente de trabalho tão legal em tão pouco tempo. A ESPN do Trajano também era especial. Mas para não magoar ninguém, deixo as duas empatadas e digo que o período em que fui mais feliz na profissão foi na Folha.

E entre tantas reportagens, há alguma que é a sua preferida?

São 38 anos de carreira, é bastante coisa. Há coberturas marcantes, sem dúvida. A eleição de 1989, a Copa de 1990, a morte de Ayrton Senna, o nascimento do meu site Grande Prêmio, a Olimpíada de Pequim, as Copas de 2014 e 2018, os mais de 250 GPs, Indianápolis, Le Mans… Difícil escolher uma reportagem, apenas. Mas onde gosto mesmo de escrever, já tem 15 anos, é no meu blog. E tem um texto especial lá, chamado “Copacabana“, de junho de 2008, que gosto muito. Mas não tem nada de reportagem, é uma crônica de que gosto, só isso.

E você tem alguma época em que mais se sentiu desafiado? Em que mais saiu da zona de conforto, em que mais aprendeu?

Eu tive de me reinventar algumas vezes, como quando saí da Folha e montei uma agência de notícias, ou quando fui trabalhar em TV sem nunca ter me interessado particularmente pelo veículo. Mas, sendo honesto, nunca tive grandes dificuldades em me adaptar. Comecei cedo, sempre fui disposto a aprender, nunca tive muito medo de mudar de lugar, linguagem, meio. No fim das contas, como costumo dizer, vivo de observar, falar e escrever. E é o que faço.

E há alguma chance de continuar fazendo?

Escrever, sim.

E para finalizar, com a junção da ESPN e Fox Sports e com todos os debates e mudanças que foram feitos nos direitos de transmissão, enfim, acontecimentos que causaram mudanças no meio em 2020, qual você acha que será o rumo do jornalismo esportivo no Brasil?

No Brasil e no mundo, em algum momento o streaming vai assumir um papel de protagonismo. Não sei quanto tempo vai levar, as coisas ainda estão bem confusas. Espero apenas que os bons profissionais tenham espaço nesse novo mundo que vem por aí, e que sejam bem remunerados, e que o jornalismo seja tratado com o respeito que merece.