Blog do Flavio Gomes
F-1

40 & 30

ITACARÉ (redondas) – No dia 17, domingo, o primeiro título de Nelson Piquet na F-1, em Las Vegas, completou 40 anos. Hoje, quarta, 20, completam-se 30 do último de Ayrton Senna, em Suzuka. O último, também, dos oito títulos brasileiros na categoria. Piquet e Senna merecem ser celebrados como grandes pilotos que foram. Nelson estreou […]

ITACARÉ (redondas) – No dia 17, domingo, o primeiro título de Nelson Piquet na F-1, em Las Vegas, completou 40 anos. Hoje, quarta, 20, completam-se 30 do último de Ayrton Senna, em Suzuka. O último, também, dos oito títulos brasileiros na categoria.

Piquet e Senna merecem ser celebrados como grandes pilotos que foram. Nelson estreou em 1978 e parou em 1991. Ayrton começou em 1984 e foi até Ímola, 1994. Em 17 campeonatos — incompletos, porque em 1978 Piquet correu apenas cinco GPs e em 1994 Senna disputou três –, esses dois foram campeões ou vice em nove deles. Mais do que a metade. Piquet ganhou os títulos de 1981, 1983 e 1987 e foi vice em 1980. Senna levou em 1988, 1990 e 1991, ficando em segundo lugar em 1989 e 1993. Entre 1978, estreia de Piquet, e 1994, morte de Senna, os dois, juntos, venceram 64 corridas e fizeram 89 poles.

Eram, pois protagonistas.

E não se pode ser injusto e afirmar que foram os únicos. Antes deles houve Emerson Fittipaldi e José Carlos Pace, um bicampeão e multivencedor, outro de enorme potencial cuja carreira foi tragicamente abreviada por um acidente de avião. Depois, Rubens Barrichello e Felipe Massa, o primeiro vice-campeão em 2002 e 2004, o segundo também vice em 2008. Juntos, fizeram 30 poles e ganharam 22 GPs. Rubens parou em 2011. Felipe, em 2017.

Pilotos brasileiros foram importantes e estão na história da F-1 em lugar de destaque. Com 101 vitórias, o país só perde para a Grã-Bretanha (304) e para a Alemanha (179) nas estatísticas. Em poles, também aparece em terceiro lugar com 126, atrás das mesmas Grã-Bretanha (288, sempre lembrando que nessa conta entram ingleses, escoceses e norte-irlandeses) e Alemanha (166). São 293 pódios, menos apenas do que britânicos (713), alemães (415) e franceses (308).

E por que isso acabou?

Noto que é pergunta recorrente a famosa “quando teremos de novo um brasileiro na F-1?”, ainda mais nos dias de hoje, em que há uma forte interação entre quem escreve/fala (eu) e quem lê/escuta (vocês) pelas redes sociais e plataformas de vídeo, áudio, sinais de fumaça e código Morse. Eu digo que não sei, e quanto à pergunta anterior — por que acabou? –, receio que aqueles que esperam uma resposta curta e rápida se decepcionem. Mas se quiserem pular os próximos parágrafos todos, gigantescos, para ler a conclusão inapelável na última frase deste textão, fiquem à vontade.

Há muitos fatores envolvidos. A falta de categorias de base é apenas um deles, com o desinteresse das montadoras instaladas no Brasil que entre as décadas de 70 do século passado e a primeira do século 21 patrocinaram e promoveram campeonatos. Falo de Fórmula Vê, Super Vê, F-Ford, F-Chevrolet e F-Renault. Há também a óbvia popularização do automobilismo a partir das conquistas de Emerson, que aconteceram quando a F-1 passou a ter transmissão ao vivo pela TV. Elas foram atraindo mais jovens para o esporte, começando no kart, e da quantidade saiu qualidade.

Havia, da mesma forma, uma estrada mais ou menos clara e compreensível para se chegar à F-1: kart, alguma categoria nacional de monopostos, o salto para algo semelhante quase sempre na Inglaterra, depois a F-3 Inglesa, a F-3000 e, finalmente, o topo. Quem fosse capaz de subir esses degraus com bons resultados acabaria chegando lá, até porque a fama que o Brasil construiu, de fabricar bons pilotos, era sólida e bem reputada. “É a água que eles bebem”, disse um belo dia Jackie Stewart.

O caminho percorrido por Fittipaldi, Piquet e Senna — verdade que Ayrton pulou uma etapa, saindo do kart direto para os carros na Inglaterra, sem correr de carros no Brasil — servia como modelo e a molecada por aqui procurava reproduzi-lo. Muitos conseguiram. Foram 32 os pilotos brasileiros que disputaram ao menos um GP de F-1, e a lista dos que percorreram roteiros parecidos com os dos três campeões é vasta: em ordem alfabética de sobrenome, Rubens Barrichello, Enrique Bernoldi, Raul Boesel, Luciano Burti, Cristiano da Matta, Lucas di Grassi, Pedro Paulo Diniz, Christian Fittipaldi, Mauricio Gugelmin, Tarso Marques, Felipe Massa, Roberto Moreno, Felipe Nasr, José Carlos Pace, Nelsinho Piquet, Antonio Pizzonia, Alex Dias Ribeiro, Ricardo Rosset, Bruno Senna, Chico Serra, Ricardo Zonta… Não há como negar que o sucesso do trio alavancou também o interesse de patrocinadores, que investiram muito dinheiro para terem seus nomes associados aos de possíveis futuros campeões. Apoio empresarial local, nesse período, não faltou. Famílias ricas bancando os rebentos, tampouco. Jovens que se valeram do sobrenome para abrir portas, idem.

Isso para não falar da numerosa turma que bateu na porta da F-1, chegando à F-3000 e à GP2, e alguns deles poderiam ter avançado; se não aconteceu, foi porque o funil é estreito, e em algum momento é preciso somar talento a dinheiro e a oportunidade e a alguma sorte para vingar. Nomes? Mário Haberfeld, Ricardo Maurício, Ricardo e Rodrigo Sperafico, Bruno Junqueira, Gil de Ferran, Jaime Melo, Marcelo Battistuzzi, Marco Campos, Paulo Carcasci, Maurizio Sala… E tem ainda a galera que desistiu da Europa e foi acelerar na Indy, como Hélio Castro Neves (ainda era separado), Tony Kanaan, André Ribeiro… Sem esquecer de João Paulo de Oliveira, que depois de vencer a F-3 na Alemanha em 2001 se mudou para o Japão, onde corre até hoje com enorme sucesso.

O que acontece hoje, 30 anos depois da última conquista brasileira na F-1, é conjuntural e circunstancial. Aquele caminho retilíneo — kart/formulinha/Inglaterra/equipe pequena/equipe grande — não existe mais. Não que ele fosse fácil. Era também cheio de obstáculos, mas pelo menos havia alguma lógica nele. Como há, por exemplo, no futebol até um jogador se profissionalizar. Não é mais assim. Claro que o sucesso de um conterrâneo ajuda a estimular o esporte num país. As conquistas de Michael Schumacher abriram a trilha para Timo Glock, Nick Heidfeld, Heiz-Harald Frentzen, Nico Hülkenberg, Nico Rosberg, Ralf Schumacher, Adrian Sutil, Sebastian Vettel. Daí saíram dois campeões, Rosberguinho e Vettel. O mesmo se aplica à Inglaterra de hoje por causa de Lewis Hamilton. Ou alguém acha que Lando Norris e George Russell saíram da costela de Adão? Não, eles têm em Hamilton uma inspiração desde que saíram das fraldas. Lewis está lá desde 2007.

Mas há fatos que contrariam a tese de que um campeão puxa outros dentro de seu país. A Espanha é um exemplo — Fernando Alonso fez sucessores? A França, outro. O enorme sucesso de Alain Prost não resultou numa geração vencedora para cantar a Marselhesa. Alain parou em 1993. Depois disso, Olivier Panis ganhou uma corrida em 1996. E um francês só voltaria a vencer um GP no ano passado, com Pierre Gasly em Monza. Foram 24 anos de fila. Mas, antes dela, houve, sim, um programa bem desenvolvido com a participação de empresas francesas que deu numa turma muito boa. René Arnoux, Patrick Tambay, Jean-Pierre Jabouille, Patrick Depailler, Jacques Laffite, Didier Pironi e o próprio Panis foram filhotes de investimentos de Renault, Elf, Michelin e S.E.I.T.A. (antiga fabricante estatal dos cigarros Gauloises e Gitanes) no automobilismo nos anos 70. Que se saiba, ninguém na França pretende fazer algo parecido de novo. E o mesmo acontece no Brasil.

Assim, pode-se dizer, sem muito medo de errar, que se aparecer um brasileiro bom de novo, será por acaso. Como Guga foi um acaso no tênis, como Isaquias Queiroz é um acaso na canoagem, como Rebeca Andrade é um acaso na ginástica. E isso tem acontecido no mundo em muitos esportes. Alguns países, claro, investem pesado em certas modalidades e conseguem produzir atletas excepcionais. Outros não têm política esportiva nenhuma e vivem desses acasos.

No automobilismo, mais ainda. Não há investimento de governos em corridas de automóvel em lugar nenhum — exceto para fazer autódromos nababescos, mas isso virou coisa de países como China, Arábia Saudita, Catar. Nem tem de haver. Os tempos são outros. A indústria automobilística já foi mais relevante para a economia e também para o desenvolvimento de novas tecnologias. Carros hoje são vilões da humanidade, depois de terem representado para a mesma humanidade o sonho de liberdade, de viajar, desbravar territórios, chegar mais rápido aos mais longínquos lugares. Não dá para apontar o dedo para algum país no globo terrestre, hoje, e dizer: aqui há uma escola de automobilismo, daqui sairão campeões. Porque não há, simplesmente. Alguém afirmaria que Max Verstappen é fruto do fortíssimo automobilismo holandês? Claro que não. Nem tem automobilismo na Holanda, o páis é pequeno, não cabem autódromos, as pessoas andam de bicicleta e tamancos. Verstappen é um acaso; por acaso é filho de pilotos e por acaso é muito bom. Há outros filhos de pilotos que não guiam nada, então nem ao DNA se pode atribuir seu talento. Aliás, se fosse parecido com o pai, Max jamais teria chegado à F-1.

O acaso, creio eu, vai determinar o surgimento dos novos grandes pilotos no futuro. É evidente que países com maior cultura automobilística tendem a produzir mais gente. A Inglaterra é assim. Vira e mexe aparece alguém bom, da mesma forma que o Brasil produz mais bons jogadores de futebol do que, sei lá, a Coreia do Sul. Há também o investimento pesado de empresas, como a Honda e a Toyota, que há anos tentam emplacar japoneses nas categorias de ponta. Há os astros da Nascar, que nascem e morrem nos EUA, mas não dariam certo em outros países pela característica muito particular do automobilismo que praticam. Nada, porém, garante que o próximo grande campeão não possa nascer na Islândia, ou em Papua-Nova Guiné.

Resumindo (para os que pularam essas reflexões e vieram para a última frase), o sucesso do Brasil na F-1 acabou porque as coisas acabam. É isso.