Blog do Flavio Gomes
F-1

WILLIAMS FW44

SÃO PAULO (faltam quatro) – Hoje foi dia da Williams. Não sei se é impressão, mas me pareceu o mais curto entre-eixos de todos até aqui, o que faz pensar que vai andar melhor em circuitos de rua como Mônaco, Piracicaba e Petrópolis. Depois de sei lá quantos anos fazendo uma homenagem a Ayrton Senna, […]

SÃO PAULO (faltam quatro) – Hoje foi dia da Williams. Não sei se é impressão, mas me pareceu o mais curto entre-eixos de todos até aqui, o que faz pensar que vai andar melhor em circuitos de rua como Mônaco, Piracicaba e Petrópolis.

Depois de sei lá quantos anos fazendo uma homenagem a Ayrton Senna, o “S” que era colado no bico sumiu. “Temos de olhar para o futuro e os pilotos não vão precisar ver o nome dele toda vez que entrarem no carro”, justificou o chefe Jost Capito.

(Parêntese que se faz necessário. Sempre que vejo o nome desse cabra me lembro do meu avô Emilio falando “caspita”, que se lê como proparoxítona, mas não tem acento porque é em italiano. É uma interjeição que pode ser positiva ou negativa, e no caso dele era negativa sempre, porque dizia “caspita!” quando sua mão no pôquer era muito ruim. Mas às vezes ele dizia “caspita” para blefar. Meu avô era muito engraçado quando juntava os irmãos, todos italianos, para jogar baralho na casa da minha avó na Vila Mariana. A casa foi derrubada no ano passado. Se ele visse como ficou o terreno, diria “caspita!”.)

Tudo bem quanto ao sumiço do S do Senna. Sempre achei meio mórbido, aquilo. E meio sem sentido. Segundo Capito, tem um cantinho reservado ao piloto brasileiro no museu da Williams. Ninguém precisa ficar com raiva da equipe por causa disso.

O carro, ainda. Muito simplório, numa primeira olhada. Parece muito com o mokup que a F-1 apresentou para mostrar como ficariam os carros com o regulamento novo. Algum malandrão no departamento de projetos pediu a cópia dos desenhos para um amigo da FIA e mandou ver. Deve seguir lá no fundão do grid. Mas pelo menos já andou, em Silverstone. Considerando que nos últimos anos a Williams mal conseguia montar um carro para a pré-temporada, já é alguma coisa.

Na pista: asa dianteira com três lâminas, desenho pouco chocante

É o primeiro modelo da equipe depois da morte de seu fundador, Frank Williams, em novembro do ano passado. Mas o segundo do time sob administração do fundo americano de investimentos Dorilton — que comprou a Williams em agosto de 2020.

Com sete títulos mundiais de Pilotos (Jones/1980, Rosberg/1982, Piquet/1987, Mansell/1992, Prost/1993, Hill/1996 e Villeneuve/1997) e nove de Construtores (o primeiro em 1980 e o último em 1997), a Williams não é mais aquela faz tempo. Mas ainda ostenta a aura de time grande, com suas 114 vitórias e 128 poles no cartel. É a quarta maior vencedora e quarta em número de poles nas estatísticas. Venceu um GP pela última vez com Pastor Maldonado na Espanha em 2012. E fez a última pole na Áustria em 2014 com Felipe Massa.

A equipe até que começou a era híbrida com resultados interessantes. Foi terceira colocada em 2014 e 2015 e quinta em 2016 e 2017. Mas aí desceu a ladeira loucamente ficando na última colocação dos três campeonatos seguintes, passando pelo vexame-mor em 2020 ao fechar a temporada com zero ponto. Se recuperou um tiquinho no ano passado, terminando na frente de Alfa Romeo e Haas e com um pódio de Russell na Bélgica, no GP que não houve. Mas a taça está lá, é o que vale.

Latifi e Albon: macacão bonito

Alexander Albon volta à F-1 depois de um ano no DTM para retomar a carreira na categoria, emprestado pela Red Bull. É bom piloto, fez um campeonato decente em 2019 (parte pela Toro Rosso, parte pela matriz), não foi mal em 2020 (conseguiu dois pódios), mas por alguma razão os rubro-taurinos resolveram substituí-lo por Sergio Pérez. Tem uma nova chance, o que é raro na F-1. Latifi é discreto, gente boa, tem pai muito rico e já entrou para a História, com H maiúsculo, ao bater o carro bestamente no final do GP de Abu Dhabi do ano passado, motivando a entrada do safety-car e a desgraça de Lewis Hamilton na última volta.

O nome-código da viatura é FW44. Ao longo dos anos, a equipe usou as iniciais de Frank Williams seguidas do número indicando qual era o chassi em questão na fila do pão. Alguém, claro, há de deduzir que, portanto, este é o 44º carro da série de monopostos feitos pela Williams na categoria.

Ledo e ivo engano.

(Se a frase não lhe faz sentido, não se aborreça. É piada literária que vira e mexe o Cony gotejava em suas crônicas na “Folha”. Uma brincadeira com a expressão “ledo engano” misturada com o nome do poeta e romancista Lêdo Ivo, das Alagoas, um de seus grandes amigos. “Ledo” é um arcaísmo, ninguém mais usa no seu sentido original — feliz, contente, jubiloso. Mas “ledo engano” é um dizer que ainda se fala por aí, e tem um significado que se aproxima mais do deslize pueril, da ingenuidade, do que propriamente de um “erro alegre”.)

A verdade verdadeira é que, não sendo mais a equipe de propriedade da família e na ausência de Frank do mundo dos vivos, não faria sentido seguir na linha FW para os carros da Williams. Por esse motivo, os executivos americanos do fundo de investimento contrataram publicitários e marqueteiros para um “brainstorm” cujo objetivo era rebatizar a linhagem de seus chassis de F-1, e vocês sabem como são essas reuniões, né? “Brainstorm”, literalmente, é uma “tempestade no cérebro”, uma chuva de ideias, todo mundo tem de dizer o que vem à cabeça, sem filtro ou censura, que uma hora aparece alguma coisa brilhante e alguém, já sem paletó e com a gravata afrouxada, se levanta de repente, bate as duas mãos espalmadas na mesa e grita: “É isso! É isso, porra!”.

Pois que nessa reunião, realizada numa gigantesca sala de um suntuoso edifício de Nova York, sugeriram de tudo. De SS22 (“Sem Senna em 2022”) a CF1 (“Cruzeiro da F-1”, proposta feita pelo estagiário da agência que, depois, soube-se que era de Governador Valadares e, provavelmente, atleticano). De WD40 (“Williams e Dorilton são nossas iniciais, aí a gente coloca o 40 e vai buscar um patrocínio”, palpitou um rapaz que parecia alcoolizado) a MT19-30 (essa ideia foi a mais misteriosa de todas, tanto que ninguém se interessou em saber o que significava nem deu bola ao seu autor que, por sinal, não era conhecido dos demais participantes do “meeting”; mais tarde alguém revelou que ele não era funcionário da empresa, e sim um clérigo que, ao ver a fachada imponente do prédio, resolveu entrar para espalhar a Palavra, passou pela segurança sem mostrar crachá e acabou na sala de reuniões abarrotada).

Lá pelas tantas, atordoado com tantas proposições — algumas boas, sem dúvida; a do WD40, definitivamente, era algo a se considerar, apesar da manguaça evidente do moço que sugeriu –, o executivo que comandava aquela tormenta criativa pediu silêncio e se dirigiu ao único funcionário que parecia saber do que se tratava aquela discussão, já que, no “coffee break”, colou nele e desandou a falar sobre aerodinâmica, pneus, asas, um tal de Hamilton, Abu Dhabi, um certo diretor de prova, citou até o que lhe pareceu ser o nome de um filme antigo que tinha assistido ainda garoto no cinema, Mad Max, mas já não lembrava direito o enredo, apenas que tinha carros, e aparentemente era de carros que estavam lá gritando feito loucos. “Você aí”, apontou para o menino, não sem antes notar a frase escrita em seu moletom, “leave me alone, I know what I’m doing”, que considerou grosseira mas, ao mesmo tempo, insolente — e ele mesmo tinha sido um publicitário dos mais insolentes nos dourados anos 70, tendo criado o slogan “o cachorro engarrafado” para uma marca de uísque, e até hoje não entendia por que aquela campanha foi reprovada. “Você aí”, repetiu. “Nesse negócio de corridas, quem é que ganha sempre?”, perguntou. “Hamilton, o número 44”, respondeu o jovem de bate-pronto. “E como a gente faz para contratar esse cara?”, emendou o chefe. “Tem de falar com o Toto Wolff.” Cansado daquela gritaria, estafado e com dor de cabeça, irritado com o ar-condicionado que nunca funcionava direito, louco por um cigarro, o líder então se dirigiu à que parecia sua secretária e ordenou: “Fale com o Wolff. 44”, disse, encerrando de vez aquela balbúrdia.

Era fim de tarde, e ele não via a hora de tomar um uisquinho.