Blog do Flavio Gomes
#96, Superclassic, farnéis

Aos meus mecas

SÃO PAULO (Counting the cars on the New Jersey Turnpike/They’ve all come to look for America/All come to look for America/All come to look for America) – Vendo a corrida de Mônaco domingo e a vibração dos mecânicos da Renault quando Fisichella passou Coulthard (aliás, lindíssima ultrapassagem, a mais bonita da corrida), tive a mesma […]

SÃO PAULO (Counting the cars on the New Jersey Turnpike/They’ve all come to look for America/All come to look for America/All come to look for America) – Vendo a corrida de Mônaco domingo e a vibração dos mecânicos da Renault quando Fisichella passou Coulthard (aliás, lindíssima ultrapassagem, a mais bonita da corrida), tive a mesma sensação que o Galvão Bueno. Galvão conhece a vida de “meca”, afinal convive com eles por conta da profissão dos filhos Cacá e Popó.

E é exatamente o que ele disse: meca (sem aspas daqui em diante, odeio aspas) gosta de ver seu piloto barbarizar, esteja ele na posição que estiver. Se ganhar a corrida, ótimo. Mas se fizer apenas o que Fisico fez, está ótimo também.

Mecas gostam de corridas, e gostam dos carros que fazem para seus pilotos. E ai do piloto que não tratar bem do carro. Por tratar bem, não entenda voltar aos boxes com o bicho limpinho e alinhado. Não. Tratar bem é esgoelar o carro, é subir em zebra e fritar pneu, passar na grama, ralar o pára-lama, fazer qualquer coisa para andar mais rápido. Mais rápido do que pode, e mais rápido do que alguém mais na pista.

O prêmio de um meca é saber que seu carro aguenta, mesmo se for esgoelado por um piloto destemperado, saber que ele é veloz, é bravo e destemido. Fui eu que fiz, é o que pensa o meca, orgulhoso até a última mancha de graxa e óleo no macacão, when it comes back home.

O carro primeiro, o piloto depois. E um meca (lê-se méca) sabe quando um piloto é digno de seu aplauso e de sua admiração. É aquele que ataca, que não desiste nunca, que chega nos boxes com a asa quebrada, mas pedindo para voltar, é aquele que vê o carro pegando fogo no pitlane, mas não sai do cockpit, porque sabe que os mecas vão apagar, e ele vai lá e ganha a corrida, é Gilles, é Senna, é Schumacher. Por pilotos assim, um meca vira a noite, não come e não dorme, se entrega a um trabalho insano e invisível.

Invisível o cacete. Porque piloto que é piloto vê muito bem o que seu meca faz. E sabe retribuir o esforço e a dedicação. E piloto não precisa da aprovação de ninguém. Nem de chefe de equipe, nem de jornalista, nem de patrocinador, nem de outros pilotos, nem de dirigentes, nem de políticos, nem de engenheiro, nem de projetista, nem do pai, nem da mãe. Piloto precisa da aprovação do mecânico. Piloto corre procurando o mecânico na mureta. Piloto corre procurando o olho do mecânico na mureta, porque o olho do mecânico é que lhe diz se ele está fazendo o que tem de fazer, o que o mecânico espera que ele faça com seu carro.

Seu carro do mecânico, não do piloto.

Sábado passado vi que meus mecânicos ficaram felizes. Rafael e Magrão, os que me acompanham há quatro anos, que me olhavam com desconfiança no começo, com certa pena no meio, a época das quebras, com esperança depois, com muita alegria hoje.

Porque, afinal, estou tratando bem do carro deles. Vi isso nos seus olhos na mureta, na freada para o S do Senna.

PS: e vi também dois anos atrás…