Blog do Flavio Gomes
F-1

BARCELONETAS (13)

SÃO PAULO (e fim por hoje) – Rubens, Rubens… A síndrome da justificativa talvez seja o maior mal deste rapaz. OK, perdeu a corrida. OK, é bem provável que se ele fizesse duas paradas em vez de três, como Button, seria o vencedor. Afinal, estava na frente. Com carros iguais, sem ser pressionado, e com […]

SÃO PAULO (e fim por hoje) – Rubens, Rubens… A síndrome da justificativa talvez seja o maior mal deste rapaz. OK, perdeu a corrida. OK, é bem provável que se ele fizesse duas paradas em vez de três, como Button, seria o vencedor. Afinal, estava na frente. Com carros iguais, sem ser pressionado, e com estratégias idênticas de paradas, talvez ganhasse, mesmo. Mas pode ser que não, também, porque enquanto estiveram com pesos parecidos, deu para perceber que Button não deixou o companheiro escapar. Poderia dar um pulo do gato, tentar uma ultrapassagem, antecipar um pit stop. Quem sabe?

Por isso, essa atitude “não suspeito de ninguém, mas acho que estão me sacaneando”, que não faz questão nenhuma de esconder depois de cada derrota dita “polêmica” (aquelas que ninguém entende, nem ele, por que aconteceram), acaba fazendo com que, cada vez mais, Barrichello seja visto como um mau perdedor.

Vamos aos fatos.

Rubens largou muito bem e passou Button, e como os dois tinham mais o menos o mesmo peso, o brasileiro não conseguiu abrir muito. Até a parada do inglês, na volta 18, a maior diferença registrada foi de 1s617, na volta 13. Barrichello teria duas voltas a mais para seu pit stop, mas essa vantagem foi anulada com o safety-car, por isso parou na volta seguinte. Não teve tempo de dar uma estilingada. E nem Button forçou nada.

O inglês, nessa altura, segundo seu depoimento, já tinha decidido (ou a equipe o fez) mudar a estratégia inicial de três para duas paradas. Gastou 25s489 em seu pit stop. Barrichello colocou menos gasolina e perdeu 23s332 nos boxes. Na volta 21, de novo na liderança, Rubens tinha 6s152 de vantagem sobre Jenson.

Com o carro mais leve, foi abrindo, o que seria natural. Mas não muito. Na 30ª, a diferença era de 13s594. Parou de novo na 31ª (gastou 23s063 na operação) e voltou 8s434 atrás de Button, na volta 32. O britânico esticou seu segundo “stint” até abrir 12s101 sobre o companheiro na volta 47. Parece-me que começou a ganhar a corrida nas primeiras voltas após seu primeiro pit stop, porque mesmo com o carro mais pesado, manteve um ritmo forte que não permitiu ao parceiro disparar na frente. Parou na 48ª, gastou 25s278 e voltou em segundo, “só” 15s470 atrás de Rubens, que ainda tinha um pit stop a cumprir.

A diferença entre o que Button gastou nos boxes (50s767) e o que Barrichello perdeu nas paradas (1min08s884) foi de 18s117. Era uma vantagem dessa ordem que o brasileiro precisaria ter construído na pista, digamos, entre as voltas 32 e 50, quando esteve mais leve que Button. Difícil, muito difícil. Teria de virar tempos quase 1s por volta mais rápidos que o inglês, o que é complicado mesmo quando se está mais leve, tratando-se de dois carros iguais.

Então, pode-se afirmar sem medo de errar que a estratégia de três paradas, quando comparada com a de duas, não foi a coisa mais inteligente que a Brawn, o engenheiro de Rubens e o próprio piloto escolheram para fazer na vida numa disputa com alguém que resolveu fazer dois pit stops. Daria até para ganhar, mas como disse o próprio brasileiro “eu teria de acelerar muito”. Foi nesse período que, segundo Ross Brawn, ele foi mais lento do que a equipe esperava.

OK, é para ficar puto, uma chance foi desperdiçada, paciência. Mas, antes de ficar puto, é preciso ponderar uma série de coisas. Button, por exemplo… Se tivesse largado bem, será que ficaria só 1s5 à frente de Barrichello até a primeira parada? E se ficasse, será que não discutiria com seu engenheiro a possibilidade de mudar de três para duas paradas? E se mantivesse as três e Rubens mudasse para duas, será que não conseguiria virar rápido o bastante para compensar a parada extra?

Nunca se saberá. Numa equipe de F-1, cada piloto tem seu próprio time e deve ser responsável por suas decisões. Não serve a Rubens, um piloto tão experiente, a posição de mero seguidor do que lhe dizem pelo rádio ou do que decidem por ele. Muito menos numa pista tão conhecida quanto Barcelona.

Pela manjadíssima cabeça de Ross Brawn, que prevê uma disputa ferrenha com a Red Bull pelo título, é melhor Button ganhar e ampliar um pouco a vantagem sobre Vettel do que ver Barrichello roubar pontos importantes do inglês. Ninguém mais deveria se espantar com isso. E não dá para dizer que sacrificou seu time e seu piloto — afinal fez uma dobradinha, não há resultado melhor numa corrida, do ponto de vista da equipe, foi um domingo perfeito. Isso não é bem uma sacanagem. Sacanagem foi o que ele fez na Áustria em 2002, num campeonato ganho por antecipação e num fim de semana amplamente dominado por Rubens.

O que aconteceu em Barcelona foi bem diferente. Na disputa interna da Brawn, cada lado trabalhou do jeito que achou melhor. Button se saiu bem porque cumpriu o que dele se exigiu, ser rápido mesmo com o carro pesado. Rubens não o fez, ou ao menos não como deveria, para ganhar do companheiro. Ele mesmo relatou que seu carro estava estranho depois da segunda parada, sugeriu até que algo poderia ter se quebrado. E tudo deveria terminar aí, um festejando, o outro lamentando, e vamos para a próxima.

Mas…

Mas Barrichello faz caras e bocas. Expressa descontentamento e cria um clima. Claro, ninguém é obrigado a sorrir quando perde. Mas ninguém é obrigado a fazer tipo para as câmeras. Se desconfia que o time lhe sacaneou, a primeira coisa a fazer é falar com o time. E não com a imprensa. Suas primeiras declarações, em entrevista coletiva, foram dadas em tom acusatório. “Estou tentando entender o que aconteceu…”, “…preciso contar com apoio…”, “…fizeram uma aposta em Jenson e acabou funcionando…”, “…vou para a reunião ver o que eles têm a dizer…”.

O repórter Felipe Motta, da rádio Jovem Pan, ouviu Barrichello bem tarde, no autódromo, e colheu novas pérolas para seu já vasto rosário de declarações desastradas. A entrevista foi feita depois de ele ouvir o que “eles tinham a dizer”.

Transcrevo alguns trechos:

“Não foi legal. O Jenson copiou o set-up, eu larguei melhor, eu fiz o negócio ir, e no fim não tive os pontos que gostaria que tivesse. E vai montando aquela pressãozinha de um brasileiro que quer mostrar bem para o Brasil.”

“Meu engenheiro só foi comunicado depois. Acho que essa semana vai rolar um monte de polêmica sobre isso. Na F-1, você não pode esperar favor. Não vou para a próxima corrida esperando isso. Quero que o Brasil entenda a situação, mais do que qualquer outro piloto, eu sou brasileiro. Eu preciso de torcida. Só vou conseguir esse campeonato na raça.”

“Eu posso dizer que eu não tenho idéia do porquê que o Rubinho é polemizado no Brasil, mas eu saí do carro ciente de que aquilo era polêmica e tentei manter a calma perante todos os problemas. Cheguei aqui no box e falei para o Ross Brawn exatamente o que eu queria falar, que era se ele fez alguma coisa para que o Jenson vencesse a corrida, eu pendurava minhas chuteiras e ia para casa. ‘Não preciso disso, sou melhor que isso’, foi o que eu falei para ele. E a resposta dele foi bem clara: hoje ele ganhou por coincidência. A gente achou que você conseguiria estar na frente do Rosberg no primeiro pit-stop, e conseguiu, e ele não conseguiria. Então eles mudaram a estratégia dele por causa disso. A partir daí, se encaixa ou não, sou um piloto da equipe. Eu agradeço o momento de estar guiando um carro competitivo, acho que a corrida era minha, não foi. O time acha que foi pura coincidência, e é dessa maneira que saio daqui com a cabeça erguida.”

Sinceramente, precisa tanto? “Mais brasileiro que qualquer outro”, “só ganho na raça”, “preciso de torcida”, “paro se souber que estão favorecendo o Jenson”… Caramba, perdeu uma corrida, nada mais, não é nenhuma tragédia! Não precisa se justificar para o Brasil inteiro, ninguém está preocupado com isso, ninguém está pedindo explicações! E como é que vai descobrir se estão favorecendo o Jenson? Alguém vai contar para ele? O Gola Profonda?

Se Rubens realmente se acha prejudicado, se tem certeza que alguém premeditou a vitória do outro, que pare de fazer rodeios, diga logo e pegue o boné, ou se cale para sempre. Porque esse tom choroso não ajuda em nada dentro do time, ninguém gosta de ser acusado de sacana, o bom ambiente vai-se deteriorando, não é uma boa hora para apontar o dedo para ninguém numa equipe que vive um conto de fadas com quatro vitórias em cinco corridas em seu ano de estreia.

E para o torcedor médio do Brasil, que se habituou aos seis anos de queixumes na Ferrari, tal comportamento só reforça a tese de que Barrichello não sabe perder, é um eterno segundão, não tem estrela (ou tem, segundo a Hortência) etc. E uma imagem tão desgastada, que dava pinta de melhorar quando começou a temporada, uma ressureição improvável e até festejada, começa a se deteriorar de novo.

Por conta das caras. E da boca que fala demais.