Blog do Flavio Gomes
F-1

RAIVA DO QUÊ?

SÃO PAULO (sempre se chega) – Rubens Barrichello e Michael Schumacher foram companheiros de equipe por seis anos na Ferrari. Disputaram 104 GPs lado a lado. Destes, Schumacher venceu 49 (47,1%); Barrichello ganhou 9 (8,6%). Schumacher subiu ao pódio 71 vezes (68,2%); Barrichello, 55 vezes (52,8%). Schumacher fez 41 poles (39,4%); Barrichello, 11 (10,5%). No […]

SÃO PAULO (sempre se chega) – Rubens Barrichello e Michael Schumacher foram companheiros de equipe por seis anos na Ferrari. Disputaram 104 GPs lado a lado. Destes, Schumacher venceu 49 (47,1%); Barrichello ganhou 9 (8,6%). Schumacher subiu ao pódio 71 vezes (68,2%); Barrichello, 55 vezes (52,8%). Schumacher fez 41 poles (39,4%); Barrichello, 11 (10,5%). No grid, Schumacher largou à frente de Barrichello 79 vezes (76%); Barrichello foi melhor que Schumacher em classificações 25 vezes (24%). Schumacher, de 2000 a 2005, ganhou cinco títulos mundiais. Barrichello foi vice duas vezes.

Os números são bem claros. Nunca houve duelo algum entre os dois pilotos. Foram raros os momentos em que se enfrentaram de verdade. O que sempre houve foi a superioridade massacrante de um em relação ao outro. Essa dupla nunca disputou as mesmas coisas, quando esteve junta.

Por isso que o carnaval que se faz por conta da ultrapassagem de Barrichello sobre Schumacher na Hungria é descabido. O episódio está sendo tratado, principalmente pelo piloto brasileiro, como uma espécie de vendetta pelos anos em que dividiram os mesmos boxes, uma prova cabal de que ele, Rubens, é melhor do que Michael. Prova de que Schumacher é um mau-caráter, desonesto e criminoso. Uma questão de honra.

Foi apenas uma ultrapassagem. Valendo o décimo lugar, numa disputa entre dois pilotos em fim de carreira.

Schumacher tem uma imagem distorcida no Brasil. Me parece meio patológico o ódio que se nutre ao alemão por aqui. Quais são as razões? Por que o apelido, mui criativo, de Dick Vigarista? Porque ele sempre ganhou mais do que os outros? Porque colocou Barrichello no bolso inapelavelmente por seis anos seguidos? Qual é o crime que um piloto comete por ser melhor que o outro? Qual o crime que Senna cometeu por ser bem melhor que a maioria de seus companheiros de equipe, Prost à parte?

Barrichello nutre um ódio que já não sabe mais disfarçar por Schumacher. Será que um dia ele terá coragem de explicar os motivos? Ou o motivo, único e indizível, é o fato de que o alemão sempre foi bem melhor do que ele?

Há motivos para ter tanta raiva? Essa é a pergunta.

Vi todos esses 104 GPs disputados pela dupla dinâmica. Entrevistei Barrichello em todos eles. Ele nunca fez queixa pessoal alguma contra o alemão. Tirando os dois GPs da Áustria, de 2001 e 2002, não me lembro de ver Schumacher ter sido favorecido na Ferrari em detrimento de Barrichello. Rubens deixou de ganhar uma única corrida por ordem de equipe. Presente patético que, diga-se, foi devolvido por Schumacher naquele mesmo ano, 2002, nos EUA. E ambos eram só sorrisos.

Ah, teve Mônaco em 2005. Schumacher passou Barrichello na última volta, ou algo assim. Ele ficou bravo. O combinado era não passar. Combinado? Quer dizer que quando se combina para ele ficar na frente, pode. Quando o combinado é o outro passar, não pode.

Barrichello tem enorme ressentimento de seus anos de Ferrari. É o que demonstra hoje. Mas será que era tão ruim assim? Rubens e Schumacher viviam aos sorrisos. Será que se odiavam mesmo? Rubens o levou para jantar em casa, uma vez, aqui em São Paulo. Michael foi o primeiro a cumprimentá-lo pela vitória em Hockenheim em 2000, sinceramente feliz.

O que, afinal, aconteceu entre esses dois pilotos?

Nada. A raiva de Barrichello, e se não for verdade ele que desminta, tem origem unicamente na superioridade de seu ex-companheiro. Schumacher não tem nada de desleal. Citam-se, sempre, duas passagens para “provar” que é um cafajeste na pista: as decisões de título em 1994, contra Hill, e de 1997, contra Villeneuve. E, aqui e ali, alguém lembra de uma ultrapassagem mais arrojada, de alguma defesa mais brusca, de algum ataque mais incisivo. E, aí, virou o “Dick Vigarista”, apelido medíocre, suburbano, que muita gente usa aqui achando que é engraçadinho.

As pessoas se lembram de mais atitudes “cafajestes” de Schumacher na pista porque, por anos a fio, ele foi o maior protagonista da F-1 e era quem mais aparecia na TV. Cada metro percorrido por ele foi transmitido ao vivo e todos viram. Enquanto as mesmas coisas aconteciam lá atrás e ninguém via. As mesmas manobras, os mesmos ataques, as mesmas defesas. Só que valendo posições intermediárias, irrelevantes.

O brasileiro tem raiva de Schumacher por duas razões básicas: 1) ele superou, de longe, todos os recordes que o inatacável Senna tinha conseguido; 2) porque por seis anos enquadrou um brasileiro, Barrichello, como enquadraria qualquer piloto de qualquer nacionalidade, e aí não seria visto no país como vilão de nada.

É um baita complexo de viralata. Que Rubens ajuda a cultivar com as declarações que deu domingo na Hungria, absolutamente desproporcionais à importância do que aconteceu na pista. Foi apenas uma ultrapassagem, bonita, ousada, e uma defesa desastrada, perigosa, desnecessária. Coisa que acontece aos montes em corridas. Transformá-la num embate épico é uma sandice que beira o ridículo.