Blog do Flavio Gomes
F-1

NINE-ELEVEN (2)

SÃO PAULO – Os ataques de 11 de setembro aconteceram numa terça-feira. Na quarta, embarquei para Milão para cobrir o GP da Itália em Monza. Claro que o clima era de comoção e tal. A Ferrari correu sem inscrições de patrocinadores e com o bico preto em sinal de luto. Depois da prova, Schumacher contou […]

SÃO PAULO – Os ataques de 11 de setembro aconteceram numa terça-feira. Na quarta, embarquei para Milão para cobrir o GP da Itália em Monza. Claro que o clima era de comoção e tal. A Ferrari correu sem inscrições de patrocinadores e com o bico preto em sinal de luto. Depois da prova, Schumacher contou a um amigo que não iria ao pódio de jeito nenhum naquele fim de semana. Terminou em quarto.

No dia 14, sexta, escrevi a coluna abaixo. Devo ter voltado ao assunto alguns dias depois, porque a corrida seguinte era nos EUA. E, lá, dá para imaginar como estava o ambiente. De novo, não é nenhuma pensata, nada de muito profundo. É apenas um breve registro de como a F-1 encarou aqueles dias estranhos e trágicos.

SILÊNCIO INÚTIL

Daqui a alguns anos, até o fim de nossas vidas, todos teremos alguma história para contar sobre o 11 de setembro de 2001. Aqueles que têm amigos nos EUA, aqueles que acompanharam tudo pela TV ao vivo sem acreditar no que viam, aqueles que doaram sangue para as vítimas, os que mandaram dinheiro pela internet, os que participaram das correntes para a localização de pessoas desaparecidas em Nova York ou Washington.

Nos EUA, como primeira determinação a uma população desorientada e assustada, o presidente mandou todo mundo ir rezar na sexta-feira. Politicamente corretíssimo, conclamou seu povo a se dirigir a igrejas, sinagogas e mesquitas. O que significa que, daqui a alguns anos, quase todas as pessoas nos EUA poderão acrescentar a seus currículos “rezei na igreja presbiteriana tal três dias depois da explosão do World Trade Center”, ao lado de “fiz quatro home-runs nas quartas-de-final da liga amadora de beisebol de Nebraska”. Americanos gostam dessas coisas, se sentem participantes e ativos e importantes ao registrar para a posteridade qualquer porcaria sem importância que tenham feito na vida.

Exceto pela vigília televisiva de terça-feira, terei pouco a contar aos que por ventura estiverem dispostos a me ouvir um dia. Minha participação global nos episódios desta semana limitou-se a respeitar um minuto de silêncio ontem em Monza, e quase não consegui. Quando faltavam 20 segundos para o meio-dia, estava fazendo um boletim ao vivo para a rádio que por muito pouco não maculou o momento. Seria um pária se o fizesse, a julgar pelos olhares que me foram dirigidos por colegas estrangeiros.

Ter respeitado um minuto de silêncio em Monza não chega a ser nenhuma façanha. Percebi, sim, o peso desse silêncio no autódromo, sítio normalmente muito barulhento. Notei algumas expressões de verdadeira consternação, como procurei, igualmente, compreender e enxergar alguma sinceridade na decisão da Ferrari de pintar o bico de seus carros de preto e eliminar de suas máquinas as inscrições de patrocinadores, deixando apenas o vermelho visível. Mas foi só. Nenhuma emoção arrebatadora tomou conta de mim, um insensível.

Numa metáfora besta, eu poderia aqui dizer que esse vermelho é o vermelho do sangue que os EUA ocultam do mundo, negando-se a mostrar e a contar seus mortos. Não sei se é proposital, censura ou auto-censura, talvez uma forma de não chocar ainda mais um país de gente puritana em sua maioria, que ainda vive sob uma certa aura de inocência, inocência que já acabou faz tempo. Mas resisto à tentação de ligar o vermelho de um carro ao sangue das vítimas.Em português muito claro, seria uma babaquice sem tamanho.

Pensei em “Silêncio dos inocentes” como título para esta coluna, outra analogia boba, para aproveitar o nome de um filme. Seríamos todos nós, os que mantiveram silêncio por um minuto nesta tarde de sexta-feira na Europa, os inocentes a quem terroristas sanguinários atacaram e mutilaram. Mas, por mais que me esforce, não consigo me sentir inocente em momento algum.

A culpa está estampada no rosto de cada ser humano deste planeta, exceto no das crianças que não têm a menor idéia da roubada em que se meteram ao nascer. Olho no espelho e enxergo mais um culpado. Meu minuto de silêncio em Monza não serviu para coisa nenhuma.