Blog do Flavio Gomes
F-1

RUBENS, 40

SÃO PAULO (parabéns) – Sim, esse dia sempre chega. Barrichello faz 40 anos hoje e pode-se dizer que em plena forma. Afinal, não está brincando de autorama, nem andando de carro velho como eu. Neste exato momento está em Indianápolis, onde domingo disputa uma prova de 500 milhas andando em círculos a mais de 300 […]

SÃO PAULO (parabéns) – Sim, esse dia sempre chega. Barrichello faz 40 anos hoje e pode-se dizer que em plena forma. Afinal, não está brincando de autorama, nem andando de carro velho como eu. Neste exato momento está em Indianápolis, onde domingo disputa uma prova de 500 milhas andando em círculos a mais de 300 km/h.

Não é para qualquer um. Claro que Rubens gostaria de estar em Mônaco hoje, onde passou seu aniversário nos últimos 20 anos. A F-1 era sua vida, mas ele soube mudar o rumo quando não havia mais nada a fazer. Recomeçar aos 40 é legal.

Barrichello tem uma linda carreira. Foi um grande kartista, correu de F-Ford, de F-Opel, de F-3, de F-3000 e chegou à F-1 em 1993 por força e obra de seu talento. Com a ajuda da Arisco, dirá alguém. E daí? Sem ajuda não se chega a lugar nenhum.

Na F-1, cometeu seus erros e acertos. Igual, todos cometem. E se não foi aquilo que a Globo queria que fosse, problema de quem acreditou nas bobagens da emissora oficial. Hoje, num programa que fiz pela manhã na ESPN, recebemos uma mensagem de um telespecador que chamava Rubinho de “frouxo” que “nos envergonhou durante anos”.

Fico me perguntando em quê Rubens envergonhou as pessoas. Que direito as pessoas têm de cobrar um esportista desse jeito, com essas palavras? De transferir a um atleta a responsabilidade de compensar suas frustrações pessoais? Brasileiro é muito idiota, nesse quesito. Barrichello, é verdade, abraçou muitas vezes esse papel de salvador da pátria, daquele que corre pelo país, essa baboseira toda. Mas quem tem dois neurônios ativos entende que essas coisas fazem parte do universo do esporte e não têm importância. Importante era fazer bem seu trabalho, e Barrichello sempre fez, dentro de suas limitações. Aliás, se tem uma coisa que Rubens sempre entendeu, dirigindo, foram suas limitações. Falando, era um desastre. Não era capaz de aceitá-las, propagava o discurso global em sintonia com aquilo que a TV vendia, e isso ajudou muito a prejudicar sua imagem. É algo que Massa, por exemplo, não faz. Mas, pilotando, sempre fez tudo que podia, trabalhando duro, com seriedade e dedicação. Não se sobrevive num meio como a F-1 sem muito trabalho, seriedade e dedicação.

A equação para entender a fama de “frouxo” e perdedor que Barrichello tem junto à maior parte dos torcedores brasileiros, que não entendem picas de nada, é simples: a TV oficial trata o esporte como palco para brasileiros vencerem (nunca vou entender essa lógica cretina), vende os atletas como potenciais vencedores, promete que eles vão vencer, cria uma expectativa falsa, os torcedores acreditam e acordam cedo para vê-los vencendo, eles não vencem, o torcedor fica puto e transfere sua raiva para os atletas, porque se eles não atenderam às suas expectativas, é porque são uns derrotados de merda.

É assim, e é uma pena, porque é graças a essa visão distorcida do esporte — e não nos enganemos, a imensa maioria das pessoas absorve a visão que um veículo de massa como a Globo propaga — que tantos atletas têm suas carreiras avaliadas de forma equivocada, por conta dessas falsas esperanças vendidas no atacado.

Rubens não gosta muito de mim. Talvez porque desde os idos de 2000, quando foi para a Ferrari, eu era uma voz (e uma pena) quase isolada na defesa da tese de que não, ele não seria campeão e nem venceria GPs a cada 15 dias tendo como companheiro um piloto como Schumacher. Pelo simples fato de que Schumacher era muito melhor que ele. Oh, como pode um alemão ser melhor que um brasileiro? Pode, claro. Mas, no Brasil, quem não se alinha com o pensamento global que tem como objetivo único colocar aquela maldita vinheta de Brasil-sil-sil no ar é um pária, um antipatriota.

Jornalista não tem de torcer para ninguém, exceto pela Portuguesa, é o que sempre digo. E o público sempre misturou demais as coisas. Muitos acham que temos, sim, de torcer para o Brasil o tempo todo, nem que para isso seja necessário iludir aquele que nos lê ou ouve. Nunca embarquei nessa, e também não dou muita bola para o que as pessoas acham deste comportamento que muitos acreditam ser forçado, só para parecer diferente. Caguei, em resumo.

Barrichello é o cara que mais entrevistei na vida, em quase duas décadas cobrindo todas as provas de F-1 “in loco”. Apesar dessa sensação de que ele não gosta de mim, nunca me destratou, ao menos pessoalmente. Ao contrário, sempre foi cordato e educado. Afinal, estivemos lado a lado na mais longa fase de vacas magras do Brasil na F-1. Ele, correndo e tentando vencer. Eu, apenas cobrindo o esporte que me cabia, tendo brasileiros vencendo ou não. Estávamos no mesmo barco.

Soube, anos atrás, que Rubens ficou com mais raiva de mim ainda por causa de um episódio razoavelmente conhecido, aquela entrevista coletiva do Schumacher no fim de 2006 em que o pessoal do “Pânico” entregou uma tartaruga de brinquedo para o alemão. A Ferrari me contratou para conduzir a entrevista e minha ideia era não deixar os caras do “Pânico” fazerem pergunta nenhuma, porque sabia que iriam estragar a coletiva. Mas quando o tempo se esgotou e chegou a hora da famosa última pergunta, deixei os meninos perguntarem. Foi boa, até, a questão: Schumacher, se um dia você acordasse e visse no espelho o rosto do Rubinho, o que faria? Michael riu, esfregou os olhos como se dissesse que choraria, ou que tentaria acordar de um pesadelo, e acabou a entrevista sob risadas gerais. Aí os meninos entregaram a tal tartaruga que, claro, foi a foto do dia. Eles a colocaram no palco e eu a levei a Schumacher. Foi uma brincadeira engraçada, a coletiva tinha terminado, esqueci o assunto.

Mas Rubens, me contaram, achou que eu armei aquilo, ou que dei corda, sei lá. E ficou com raiva definitivamente deste que vos escreve.

Bom, paciência. Tinha de ficar com raiva era dos caras do “Pânico”, seus amigos, diga-se, ou ex-amigos, não sei direito. O fato é que nunca mais nos falamos depois disso, salvo em um ou outro encontro protocolar.

Quarenta anos. É uma idade legal. Já passei por ela. A vida muda um pouco de ritmo, deixamos de nos importar com coisas banais, todos passam por isso, não é novidade nenhuma.

No caso de Barrichello, o ritmo será mais acelerado do que o normal neste fim de semana. Mas com dois filhos no colo e uma trajetória bonita no esporte que escolheu para fazer a vida, certamente também deixou de dar importância a coisas banais. Que Rubens tenha um ótimo aniversário e siga acelerando bastante tempo, ainda. É o que gosta de fazer, e viver é exatamente isso: tentar fazer aquilo que se gosta por tanto tempo quanto for possível.