Blog do Flavio Gomes
F-1

INTERNADAS (3)

SÃO PAULO (era assim, ó) – Antigamente, quando eu saía para fazer matéria com piloto brasileiro importante em longas entrevistas, uma das formas de enganar o editor para não ter muito trabalho em fazer um texto elaborado era sugerir a ele, como se estivesse descobrindo a pólvora: “Vou separar em tópicos, para ficar mais claro”. […]

nadas003SÃO PAULO (era assim, ó) – Antigamente, quando eu saía para fazer matéria com piloto brasileiro importante em longas entrevistas, uma das formas de enganar o editor para não ter muito trabalho em fazer um texto elaborado era sugerir a ele, como se estivesse descobrindo a pólvora: “Vou separar em tópicos, para ficar mais claro”. Aí era só fazer meia-dúzia de linhas de introdução e reproduzir o que o cabra tinha dito. O editor, sempre pronto para ser embromado, dizia: “Boa, professor, manda pau”.

É o que vou fazer hoje com a entrevista-almoço, ou almoço-entrevista, de Felipe Massa no restaurante phyno. Porque os temas foram interessantes, mesmo, e estou sem inspiração para fazer literatura. A eles, pois.

WILLIAMS
Felipe disse ter tido “ótima impressão” da equipe, depois de visitar a fábrica em Grove. “Eles têm tudo, mais do que eu imaginava. A questão é fazer tudo aquilo funcionar. Eu sei que estou chegando meio como líder desse processo. O Frank quer voltar a ser competitivo, eles têm uma história. Este foi um dos piores anos deles. Agora, se vai dar certo, é impossível falar qualquer coisa. Só quando o carro andar. Vi o projeto e gostei muito.” O brasileiro aposta nos motores Mercedes. “Motor vai ser muito importante no ano que vem. Vai que o Mercedes é melhor que os outros… Mas a verdade é que ninguém sabe nada, ainda.” Quanto ao estafe (palavra horrível dos infernos) técnico, Massa ficou animado. “Eles estão contratando gente, e não perdendo, como a Lotus. É um bom sinal.” Rob Smedley, seu engenheiro na Ferrari, pode ser um deles. “Se for, é bom, claro. Trabalhar com quem você conhece é sempre bom.”

CONTATOS
Massa contou que depois de ser informado pela Ferrari de que não teria seu contrato renovado (ouvi isso este ano!), conversou com quatro equipes: Lotus, McLaren, Force India e Williams. “O contato com a Williams foi rápido. Na primeira conversa eles disseram que me queriam de qualquer jeito. Já sabiam que o Maldonado não ia ficar. Na Lotus, quando eu vi que a situação não era muito clara…” E na McLaren a ideia era ficar com o Pérez. Aí aconteceu tudo aquilo na semana passada meio de repente.”

CONTRATO
“Fiz um bom contrato”, garantiu Massa. Ou seja, vai embolsar uma graninha interessante, embora ele não diga quanto. Não perguntei. Ele não iria responder. Quando tentou explicar que não faria qualquer coisa para continuar correndo, Felipe não soube direito que palavra usar. “Não quis ser prostituta”, disse, meio sem jeito. Tudo bem, deu para entender, não quis se prostituir, vender a alma ao diabo, abraçar o capeta no inferno, vender o almoço pra pagar a janta. “Se eu puder ajudar com contatos aqui no Brasil, para a equipe conseguir mais patrocinadores, claro que vou ajudar.

CARREIRA
A repórter bonita perguntou se ele considerou a hipótese de parar de correr. “Até eu ter um contrato assinado, sim. Antes disso, de assinar com alguém, é preciso pensar na possibilidade de parar. Eu já consegui muito mais do que poderia imaginar na minha carreira, se tivesse de parar, não teria problema.” Contou que Popó Bueno chegou a telefonar para oferecer uma vaga na Stock. No ano que vem, parece que em uma corrida a turma vai correr em dupla. “Mas nunca considerei isso seriamente”, falou. “Não era uma opção.”

A SAÍDA
Perguntei ao indigitado, com algum prazer mórbido, como foi o momento exato da dispensa (queria comparar…). Quem o chamou, quem comunicou, onde, se foi por e-mail, SMS ou Whatsapp. “Eu já estava sentindo que isso ia acontecer. A Ferrari tinha uma data para exercer a opção sobre meu contrato, e não exerceu. No fim de semana de Monza, pelo jeito que o Luca di Montezemolo me olhava eu já percebi que não ia ficar. Foi tudo muito tranquilo. Na segunda-feira fui a Maranello, o Domenicali me chamou e explicou tudo. Eu já estava esperando. Ninguém me pegou de surpresa.” Vai sentir falta de algo? “Do lado humano. De ir a Maranello, almoçar no Cavallino, no Montana (N.R., traduzido como “nota do redator”: já almocei nos dois, chupem)… Foram muitos anos, a Ferrari era minha casa. Eu até dormia na casinha que fica do lado da pista (N.R.: a casa que Enzo Ferrari usava, e onde Schumacher também passava as noites quando eram permitidos testes em Fiorano, num catre com colchão de espuma, pia e chuveiro elétrico — isso eu inventei, acho que tinha até TV no quarto). Mas o trabalho nas corridas, com a equipe, isso é trabalho em qualquer uma. Acho que vai ser igual.” Ah, Felipe contou que tem uma Ferrari de F-1 na sua casa em Botucatu, o carro de 2008. Belo presente.

2014
“Os carros vão ser muito diferentes”, falou Massa. “Já andei no carro de 2014 no simulador da Ferrari e é outro mundo, outro jeito de pilotar, tudo diferente. Não tem grip nenhum, por causa da aerodinâmica. Claro que até os carros irem para a pista muita coisa vai melhorar, mas vai ser tudo muito diferente do que a gente está acostumado. E depois de setembro, a Ferrari não me deixou andar mais no simulador.” Perguntei se deram a ele um PS2. Não houve resposta. “Os motores são muito potentes, o KERS vai ser usado por 30 segundos numa volta, o que é quase o tempo todo. Vai dar 163 HP. E vai ser acionado automaticamente. O câmbio vai ter oito marchas e a relação que for escolhida vai ter de ser usada o ano todo. Você vai ter de correr com a mesma relação de marchas em Monza e em Mônaco”, explicou, olhando para mim, e pensei cá com meus botões: eu não vou ter de correr em Monza e Mônaco, engraçado como todo mundo fala “você” quando quer dizer “eu” ou “nós” — apenas uma observação linguística, eu também falo e escrevo assim. E mais: o limite de 100 kg de combustível pode ser um problema “em umas cinco ou seis pistas”. “Piloto vai ter de aprender a economizar”, falou. Se ele dissesse “você vai ter de economizar” olhando para mim, nesse caso, eu aquiesceria.

PILOTOS JOVENS
Para Massa, Kvyat e Magnussen merecem uma chance na F-1. “Eles estão tendo a mesma oportunidade que eu tive, têm talento, estão tendo uma chance. Acho bom isso, não são dois pilotos que chegam pagando pelo lugar, eles foram muito bem onde correram.” O primeiro, russo, será titular da Toro Rosso. O segundo, dinamarquês, da McLaren. Acho que isso todo mundo já sabe. O outro russo, Syrotkin, não vai correr. É o que acha o brasileiro. “Esse aí…”, e fez um muxoxo. Pérez, para Felipe, é quem deveria voltar para a Sauber. “Ele fez um bom campeonato, é rápido”, elogiou.

BOTTAS
“Falei com ele na fábrica. É gente boa. Não é de falar muito, sabe como é finlandês. Mas ele fez um corridão nos Estados Unidos, não fez?”, perguntou. A maioria achou que sim, fez. Outra repórter bonita cometeu uma indiscrição e, com um gesto, deu a entender que Bottas gosta de uma birita. “Ah, qual finlandês não bebe?”, gracejou Massa. Estou usando verbos bons, hoje.

TOP 5
Para fechar, Massa fez uma lista dos seus cinco principais momentos na F-1 até agora. Pela ordem, e resumindo: 1) a primeira vitória, na Turquia, em 2006; 2) a vitória no Brasil em 2006, “a mais importante de todas, ganhar aqui é como ser campeão”; 3) a disputa pelo título de 2008, “uma decisão na última curva, da última volta da última corrida, aquilo faz parte da história da F-1”; 4) Hockenheim 2010, “Fernando is faster than you”, a famosa, que para Felipe “foi muito ruim, um dia muito ruim para todos”; e 5) o acidente da Hungria em 2009, “outro dia ruim”.

E é isso. Como se vê abaixo, tudo devidamente registrado na minha agenda, nas páginas dos dias 8 e 9 de outubro, que estavam em branco.

Tudo anotadinho, para não restar a menor dúvida.