Blog do Flavio Gomes
F-1

MASSA, BOTTAS E O JORNALISMO

SÃO PAULO (um pouco de preguiça) – Foi às 11h56 do dia 20 de dezembro do ano passado que o Grande Prêmio, em texto assinado por Victor Martins, informou aos seus leitores: no dia anterior, Felipe Massa assinara um novo contrato com a Williams, que teria validade se a Mercedes confirmasse a opção por Valtteri Bottas. […]

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SÃO PAULO (um pouco de preguiça) – Foi às 11h56 do dia 20 de dezembro do ano passado que o Grande Prêmio, em texto assinado por Victor Martins, informou aos seus leitores: no dia anterior, Felipe Massa assinara um novo contrato com a Williams, que teria validade se a Mercedes confirmasse a opção por Valtteri Bottas. A aposentadoria, portanto, estava suspensa.

Não usamos nenhum verbo no condicional, nem os clássicos “pode” e “deve”, que no jornalismo especulativo são o remédio para uma barrigada. “Barrigada”, na nossa profissão, é a informação errada, chutada, nunca confirmada. Uma vez, por exemplo, anos atrás, Nelson Piquet quis zoar com um vetusto jornalista e falou que ia comprar a Sauber para seu filho correr. O vetusto jornal do vetusto jornalista cravou a informação. Era apenas zoeira.

Acontece, devo dizer. A gente vive atrás de notícias, umas importantes, outras não, e o erro é sempre uma possibilidade. A pressa, às vezes, a qualidade da fonte, ou até mesmo interesses escusos levam a barrigadas.

[bannergoogle]Mas no Grande Prêmio — e esse padrão já tem uns bons anos –, quando a gente crava é porque tem certeza. Primeiro, porque não temos nenhuma necessidade de furar a concorrência — pelo simples fato de não haver concorrência. Depois, temos plena noção da relevância das notícias envolvendo o automobilismo. Algumas não valem a perda da credibilidade só para tentar antecipar algo de que não estamos seguros de que vai acontecer. “Precisamos dar antes!”, frase que ouvi a vida inteira em redações. No Grande Prêmio, nunca foi dita. A gente faz o que acha que deve fazer. Temos uma informação, uma pista? Vamos atrás. Apuramos, ouvimos, perguntamos aqui e ali, percebemos indícios, notamos tendências, temos fontes. Fazemos jornalismo.

No caso da suspensão da aposentadoria de Massa, a coisa foi até rápida. Tudo começou quando o “L’Équipe”, verdadeiro dono da primeira informação sobra a possibilidade, publicou uma nota sobre o assunto no dia 15 de dezembro. Fui atrás de Felipe. Relatei a conversa que tivemos aqui. A partir dessa informação do jornal francês, nossa equipe saiu a campo. No dia 17, num texto opinativo, intuí: vai voltar. Quatro dias depois da nota do “L’Équipe”, confirmamos a informação com uma fonte muito… especial. Voltei a falar com Felipe. Como foi uma conversa particular, não vou ficar aqui reproduzindo nada literalmente. Mas ele me disse mais ou menos algo como “cara, tô quietinho aqui, publiquem o que vocês acharem que devem”.

No dia 20, com todas as pontas amarradas, publicamos a matéria assinada pelo Victor. Não tínhamos dúvidas, não era uma aposta. Era um fato. Naquela noite, postei uma nota aqui, comentando o assunto. E toquei de leve na questão jornalística. Hoje, tudo foi confirmado oficialmente.

Há um pequeno, micro mesmo, universo nisso que chamamos de jornalismo automobilístico. Não são muitos veículos — sejam eles impressos, ou eletrônicos. Revistas, acabaram todas — se existe alguma ainda, os editores que perdoem minha ignorância. Os grandes jornais do país já não publicam nada de categoria nenhuma, nem Fórmula 1. É possível que alguma notinha saia nas edições de amanhã, só para constar. Não mandam mais repórteres para as corridas, esqueceram que o assunto existe. Na TV, o automobilismo ainda tem espaço em transmissões do Fox Sports, do SporTV e do BandSports. Mas o único programa dedicado exclusivamente ao assunto é o “Fox Nitro”, que eu apresento — se houver outro, peço de novo desculpas a quem faz. Muito pouco, para a importância do esporte.

[bannergoogle]E há os sites. Desde que o Grande Prêmio existe, 1996 — ainda com o nome Warm Up –-, muitos nasceram e morreram no Brasil. Lembro do “Pit Stop”, do “Formulanews”, do saudoso e espetacular “Tazio” e de alguns outros esqueci o nome, porque não tinham nenhuma importância — eram páginas pessoais de pós-adolescentes que se achavam jornalistas; alguns acham até hoje.

Acabaram. O Grande Prêmio sobreviveu. Aí, vieram os blogs. Este aqui tem 11 anos. A maioria desapareceu, por falta de saco do dono. Mas tem um ou outro ainda em atividade. Um deles — assinado por um rapaz que, ao que parece, faz produção de F-1 na Globo — fez bastante para desqualificar nossa informação no dia 20 de dezembro, inclusive. Usou suas redes sociais para tal. Até um repórter da emissora cagou na nossa cabeça — de novo nas redes sociais, onde todo mundo acha que pode tudo. Tem gente que espera anúncios oficiais. Tem gente que vai atrás da notícia.

A gente não precisa ficar respondendo a supostos colegas que procuram diminuir o que fazemos. No Grande Prêmio, inclusive, isso é proibido.

Mas, aqui, eu falo do que quiser. E como quiser. Sim, faço também o papel de ombudsman da imprensa. Quantas vezes malhei o ufanismo exagerado da Globo, inclusive atingindo pessoalmente amigos meus?

Bem, eles me conhecem, os amigos. E sabem como sou. Aos outros, que não são amigos, dedico pouco mais que o desprezo — não absoluto, afinal estou falando deles aqui. Confesso que me irrita ver o trabalho árduo da molecada do GP ser diminuído por puro despeito, falta de profissionalismo, inveja. Me irrita porque sei quanto eles trabalham, e porque é deprimente notar como tem gente babaca na profissão.

Enfim, sobre o lado jornalístico da notícia, era isso que queria dizer. Parabéns ao Victor e equipe, por exercerem com paixão e seriedade seu ofício. Devemos satisfações aos nossos leitores, só a eles, e tenho certeza que aqueles que nos leem estão satisfeitos hoje. Porque souberam bem antes aquilo que só foi revelado oficialmente nesta segunda-feira agitadíssima no mundinho das corridas.

[bannergoogle]Quanto aos fatos em si, Bottas na Mercedes, Massa na Williams e, de troco, Wehrlein na Sauber (também oficial hoje), acho que está tudo de bom tamanho.

Sempre acreditei que Felipe ainda tinha alguns anos pela frente. Voltar atrás da decisão de parar não é motivo para se envergonhar, constranger, o que for. Quando resolveu se aposentar, era aquilo que achava ser o melhor para sua vida e carreira. Depois disso aconteceram coisas, entre elas o anúncio de Rosberg de sua retirada das pistas. Isso mudou todo o cenário. E Massa voltou a ser personagem diretamente envolvido — pela experiência, pelo talento, pela necessidade da Williams, que perderia Bottas. “Eu não voltaria se não fosse a Williams”, disse.

“Ah, mas ele se despediu em Interlagos!” Sim, se despediu mesmo. E vai se despedir de novo quando parar. Qual o problema? Alguém realmente acha que ele fingiu aquelas lágrimas quando bateu no GP do Brasil? Ninguém tem nada com isso. As decisões que uma pessoa toma em sua vida dizem respeito a elas, e a ninguém mais — quando muito, a alguns amigos e familiares. Ninguém tem o direito de criticar Felipe porque voltou atrás. É ridículo, isso.

Bottas é bom piloto, tem gente que acha que vai dar um calor em Hamilton, mas não penso assim. Acho que o finlandês vai marcar muitos pontos e conseguir muitos pódios, mas não vejo nele alguém capaz de desafiar o inglês. Tomara que esteja errado. Aqui tem uma galeria de fotos com o primeiro dia dele na Mercedes.

Quanto a Wehrlein, que mostre, na Sauber, por que a Mercedes investiu tanto nele. Para isso, precisa andar na frente de Ericsson. Depois, o tempo se encarrega de colocá-lo em algum lugar melhor. Talvez até na Williams, quando Felipe parar de vez. O contrato do brasileiro é de apenas um ano.

Mas é impossível afirmar agora que será só este campeonato, e acabou. Ninguém sabe, nem ele. Ninguém é capaz de adivinhar o futuro. Mas somos capazes de relatar o que aconteceu no passado. Neste caso, Massa tomou a decisão de voltar no dia 19 de dezembro de 2016.

A gente sabia.

Por isso, a gente publicou.