Blog do Flavio Gomes
F-1

MARMELADA, 20

SÃO PAULO (sim, duas décadas) – Hoje faz 20 anos da marmelada de Zeltweg/Spielberg/A1 Ring, como queiram chamar. O famoso GP da Áustria de 2002. Resumidamente, Barrichello fez o melhor tempo na sexta, a pole com 0s622 em cima de Schumacher, liderou 69 das 71 voltas e, quando faltavam oito para o fim da corrida, […]

Schumacher e Barrichello no pódio: cara de bunda

SÃO PAULO (sim, duas décadas) – Hoje faz 20 anos da marmelada de Zeltweg/Spielberg/A1 Ring, como queiram chamar. O famoso GP da Áustria de 2002. Resumidamente, Barrichello fez o melhor tempo na sexta, a pole com 0s622 em cima de Schumacher, liderou 69 das 71 voltas e, quando faltavam oito para o fim da corrida, a Ferrari pediu para ele deixar o alemão vencer. Ele entregou a posição a poucos metros da bandeirada.

Não precisava. Era a sexta etapa do campeonato. Até ali, Michael tinha ganhado quatro e terminado uma em terceiro. Rubens pontuara apenas uma vez, um segundo lugar em Ímola. Nas outras quatro, tinha zerado (quebras, batida, carro que não largou, as coisas de sempre). No placar, 44 para Schumacher e seis para o brasileiro. O vice-líder era Montoya, com 23.

Naquele ano, Michael conquistaria seu quinto título mundial na França, seis provas antes do fim da temporada. Foi um massacre. Ganhou 11 provas, foi segundo em cinco e terceiro em uma. Subiu ao pódio em todas as 17 etapas do campeonato — façanha nunca igualada. Terminou o ano com 144 pontos, contra 77 de Barrichello. O terceiro, Montoya, ficou com 50.

Ao final daquele GP da Áustria, o placar apontava 54 x 27 para Schumacher sobre o colombiano, então da Williams. Em seis corridas, já tinha o dobro dos pontos do rival. Rubens buscava a segunda vitória de sua carreira — só tinha vencido na Alemanha em 2000. Em 2001, passou em branco. Michael ganhou nove vezes. Sua posição de segundo piloto era clara. Mas nunca que a Ferrari poderia ter feito o que fez. No ano anterior, ao ordenar a inversão de posições na mesma Áustria, o brasileiro teve de entregar o segundo lugar. A equipe prometera que não faria aquilo se a disputa fosse pela vitória. Não cumpriu.

Hoje, eu e Fábio Seixas, meu colega de Rádio Bandeirantes na época, fizemos uma live no “UOL Esporte” para lembrar os detalhes daquele 12 de maio de 20 anos atrás. Tivemos a participação luxuosa de Cléber Machado, que fez narração histórica pela TV Globo. “Hoje não, hoje sim”, como é conhecida. Está aqui.

Andei relendo o que escrevi para os jornais para quem trabalhava naqueles dias. Reproduzo abaixo. O texto, aliás, faz parte do livro ‘Warm Up – Os anos Schumacher em 334 textos” que foi para a gráfica hoje. Ainda pode ser comprado por e-mail. É só me escrever: flaviogomes@warmup.com.br. Já temos mais de 600 exemplares vendidos, que serão entregues nos próximos dias. Agradeço a paciência, está dois meses atrasado.

Duas décadas depois, não mudaria uma vírgula sequer.

O VERDADEIRO PECADO MORTAL

Segunda-feira à noite, no avião, eu não estava nem um pouco disposto, como nunca estou, a conversar com o cara sentado do meu lado. Saquei meu super laptop e resolvi escrever sobre a corrida da Áustria. Eram muitas opiniões ouvidas, de todo tipo de gente, argumentos pró e contra a Ferrari, pró e contra Schumacher, pró e contra Barrichello, pró e contra a Fórmula 1.

Escrevi 150 linhas. É impublicável, claro. Não há jornal no mundo que aceite uma coluna de 150 linhas, muito menos escritas por mim. Joguei na internet, a internet aceita tudo. Em casos como esse, nós que escrevemos temos a necessidade de organizar as ideias. Minha organização foi evidentemente um fiasco. Quando se precisa de 150 linhas para explicar alguma coisa, você não entendeu nada, e ninguém vai entender o que você pensa.

O que é mais incrível é que dá para resumir, a rigor, aquelas 150 linhas em poucas palavras: 1) a Ferrari fez uma burrada monumental, deu uma ordem antipática e, acima de tudo, desnecessária; 2) Schumacher perdeu uma ótima chance de dar uma de bonzinho e limpar a imagem, arranhada por tantas trapalhadas no passado; 3) Barrichello decepcionou muita gente com seu comportamento submisso, fez papel de palhaço no pódio, mas respeitou o contrato, isso ninguém pode negar; e 4) quem, diante do que aconteceu domingo, disser que a Ferrari foi ou será capaz das maiores infâmias para manipular um resultado a seu bel-prazer, não poderá ser contestado.

A partir dessas, digamos, quase unanimidades, pode-se especular sobre as consequências do ato destrambelhado da Ferrari em todas as direções. Pode-se especular sobre o que cada um poderia ter feito, e o que aconteceria se: 1) Schumacher desobedecesse; 2) Barrichello desobedecesse; 3) a Ferrari, no fim do ano, ganhar o título por quatro pontos.

Bem, são infinitas possibilidades, não vale a pena ficar abrindo demais o leque. Já foi, é passado, está feito, melhor esperar o que vem por aí.

Mas há algo que não engulo, de jeito nenhum. Está lá nas 150 linhas do avião, e tentarei resumir. Domingo, mesmo, um colega, o repórter Fábio Seixas, da “Folha de S.Paulo”, recebeu um e-mail de um leitor. O sujeito tem um filho de sete anos apaixonado por F-1. A corrida chegava ao final e ele pediu ao pai para fazer um churrasco para comemorar, e para colocar a musiquinha do Senna no CD. Quando Schumacher recebeu a bandeirada em primeiro, o menino desabou a chorar, inconsolável.

É nisso que os homens da Ferrari deveriam pensar quando tomam atitudes que ferem de maneira tão mortal a paixão pelo esporte. A F-1, como qualquer modalidade, vive de quem gosta dela. Não se pode magoar uma criança assim. Isso eu jamais vou perdoar. O resto, o contrato, o título, o pódio, a palhaçada de maneira geral, não interessa.

Não há conquista que pague o choro de uma criança.

As tais 150 linhas que joguei na internet, essas se perderam por aí. Mas não deviam ser grande coisa, mesmo.