Blog do Flavio Gomes
Automobilismo internacional

O MISTÉRIO DAS FLECHAS DE PRATA

SÃO PAULO (grande história) – Desta vez o Humberto Corradi se superou. Encontrou neste fórum informações valiosíssimas sobre o destino das Flechas de Prata da Auto Union da década de 30 e fotos raríssimas do resgate dos carros na antiga URSS, quando eles já eram dados como perdidos. Eu já tinha lido (e escutado) quase […]

SÃO PAULO (grande história) – Desta vez o Humberto Corradi se superou. Encontrou neste fórum informações valiosíssimas sobre o destino das Flechas de Prata da Auto Union da década de 30 e fotos raríssimas do resgate dos carros na antiga URSS, quando eles já eram dados como perdidos. Eu já tinha lido (e escutado) quase tudo sobre o assunto, que muito me interessa, e acho a história fascinante. Por isso faço o pequeno resumo abaixo, uma tradução rápida de tudo que foi publicado na “Oldtimer-Markt”, uma ótima revista alemã.

Antes, porém, para quem ainda não sabe, um breve relato sobre esses carros, os precursores da F-1 moderna — foram os primeiros com motor central no circuito de Grand Prix, o campeonato que acabou dando origem ao Mundial de F-1 em 1950. A Auto Union, nascida em 1932, era uma “joint-venture” de quatro grandes montadoras alemãs, Audi, DKW, Wanderer e Horch. Daí as quatro argolas que a VW ressuscitaria na década de 60 para relançar a marca Audi, cujos primeiros modelos eram descendentes diretos dos DKWs que a refundada Auto Union pós-Guerra voltou a fabricar. As outras três marcas, Audi, Wanderer e Horch, tinham desaparecido.

Com fortíssima injeção de recursos do governo nazista, a Auto Union e a Mercedes desenvolveram carros de corrida quase imbatíveis nos anos 30. Prateados, passaram a ganhar provas a torto e direito na Europa e na África. Chegaram a correr na Gávea, também. Aí veio a Guerra e a Auto Union escondeu vários deles em Zwickau, cidade da Saxônia que pode ser considerada a terra natal da Audi.

Ao final do conflito, em 1945, 18 desses carros de corrida (modelos Type C e D; dos A e B não se tem notícia) foram encontrados pelos soviéticos. Zwickau ficara na zona administrada pela URSS, que depois viria a ser a Alemanha Oriental. Eram 13 Auto Union, uma BMW, um Wanderer, um Jaguar e duas Alfas. Não me perguntem de quem eram os não-alemães, que não sei. O fato é que os bolcheviques encaixotaram tudo e mandaram para o NAMI, Instituto de Pesquisa da Indústria Automobilística, em Moscou.

Foi criado um grupo de desenvolvimento de carros de competição, e os engenheiros do NAMI se debruçaram sobre aquelas máquinas maravilhosas para estudar o que os alemães vinham fazendo. Pelo que diz a revista, quatro Auto Unions foram destruídos nessa dissecação automotiva. Entre eles, um “streamliner”, carro de recorde, parecido com o que matou Bernd Rosemeyer. Dois deles foram enviados para a fábrica da ZIL, uma das marcas russas, onde mais um foi detonado. Sobrou um Type C/D, um híbrido dos dois clássicos modelos feito para subidas de montanha. Os caras não conseguiam nem fazer o motor funcionar. E ele acabou indo parar num museu em Riga, capital da Letônia — então uma das repúblicas soviéticas. Nos anos 90, a Audi Tradition encontrou o carro, pagou uma fortuna por ele e deu ainda aos letões uma réplica para o museu. Ele foi restaurado por uma empresa inglesa e hoje está no museu da Audi em Ingolstadt.

Mais três Type D e um “streamliner” foram para a GAS, outra fábrica soviética, e lá acabaram devidamente estropiados para dar origem a carros de corrida de marcas locais. Um deles foi destruído num terrível acidente no dia 9 de junho de 1946 em Gorki. O carro ainda tinha no tanque a sofisticada gasolina usada pelos alemães nas competições e os russos resolveram colocá-lo numa estradinha para ver se o negócio andava. Um monte de gente foi ver aquilo de perto. O piloto Leonid Sokolov, encarregado do teste, perdeu o controle do monstrengo numa freada e ele decolou sobre a multidão, matando 18 pessoas. Sokolov sobreviveu. Parece que caiu dentro de um lago.

Na década de 50, dois Type D abertos e um C “streamliner” foram entregues a um certo Vladimir Nikitin na Ucrânia. Já na década de 70, restos dos dois D foram encontrados no país pelo norte-americano de origem iugoslava Paul Karassik, que empreendeu uma busca obsessiva pelas Flechas de Prata que vira correr na infância. Conseguiu comprá-los, já nos anos 80, e ambos foram restaurados também na Inglaterra durante anos e anos, até renascerem em meados dos anos 90. Funcionando.

Resumo da ópera, seriam apenas três os sobreviventes entre aqueles que os soviéticos enfiaram num trem para levar a Moscou depois da Guerra. Consta que outro estava sendo exibido em Praga quando Hitler invadiu a Polônia deflagrando o conflito mundial, e foi parar nas mãos de um colecionador americano anos depois. Mais um fora doado pela Auto Union a um museu de Munique ainda em 1937 e também resistiu à Guerra. Com isso temos cinco originais flanando por aí. E algumas réplicas, entre elas uma do “streamliner” que matou Rosemeyer, feita pela Audi.

Ufa.

A história é longa, mas ótima. E, melhor ainda, é ver as fotos dos carros encontrados na URSS. Na verdade, escrevi tudo isso só para mostrar as fotos. Que estão no link e na pequena galeria abaixo.