Blog do Flavio Gomes
F-1

O TEMPO PASSA

SÃO PAULO (mais de 15) – O Eric Lambovich mandou esta foto. Nem é tão rara assim. O episódio é até razoavelmente conhecido. Foi o dia em que Ayrton Senna testou um McLaren com motor Lamborghini no Estoril. Mas aproveito o ensejo para recordar daquele fim de semana português. Dois dias antes desse teste, Alain […]

SÃO PAULO (mais de 15) – O Eric Lambovich mandou esta foto. Nem é tão rara assim. O episódio é até razoavelmente conhecido. Foi o dia em que Ayrton Senna testou um McLaren com motor Lamborghini no Estoril. Mas aproveito o ensejo para recordar daquele fim de semana português. Dois dias antes desse teste, Alain Prost conquistou seu quarto título mundial. No sábado (ou teria sido na sexta?), anunciou que ao final daquela temporada penduraria o capacete. Foi uma das coletivas mais concorridas a que fui, numa sala apertada do autódromo, que já não era grande coisa. Um calor desgraçado, gente saindo pelo ladrão, e o Prost falando com aquela voz que mais parecia um sussurro, um horror.

O anúncio do francês levava à conclusão óbvia que Senna, no ano seguinte, iria correr na Williams em seu lugar. Já era um daqueles segredos de polichinelo, que só não podiam ser revelados por questões contratuais.

Ron Dennis, obviamente, sabia de tudo. Mesmo assim, obrigou Ayrton a se apresentar no autódromo para andar com esse carro. No ano seguinte, a McLaren acabaria trocando os motores Ford de segunda linha por um contrato com a Peugeot, que durou apenas uma temporada.

Estávamos no final de setembro de 1993, dia 28, uma terça-feira. Aliás, apareço nessa foto aí em cima. Sou o cara de calça vermelha, pochete e óculos escuros do lado de um grandalhão. Normalmente eu voltaria ao Brasil na segunda-feira, mas na escala de revezamento dos grandes jornais brasileiros era minha vez de fazer uma exclusiva com Senna, e fiquei. Cada um tinha uma por ano: “Folha” (eu), “Jornal do Brasil” (acho que era o Mário Andrada e Silva), “Estadão” (se não me engano, Mair Pena Neto) e “O Globo” (Celso Itiberê). No começo do ano a assessoria de imprensa fazia um sorteio, marcava as datas e eu fiquei com a última delas.

Depois desse treino, Ayrton me recebeu no motorhome. Não havia muito o que falar sobre o teste, é claro. Primeiro, porque a McLaren jamais iria usar motores Lamborghini. Queria uma montadora grande, e não lembro bem por que resolveu andar com aquilo. Depois, porque Ayrton já não tinha muito mais a falar da McLaren. Nem estava puto com o teste, até porque depois do GP de Portugal ele iria ficar alguns dias por lá mesmo, com a Adriane Galisteu, na quinta do Braguinha lá perto. Foi, andou, e pronto.

No motorhome, me recebeu de maneira cortês, como sempre, olhei para a cara dele, ele para a minha, e falei, bicho, temos de falar da Williams, do que mais dá para falar? O Prost ganhou o título anteontem, você vai sair da McLaren, tem de falar da Williams, uai. E ele: Flavio (era o único que não me chamava de “Flavinho”), não posso, você sabe. E eu: tudo bem, eu seguro a entrevista pro dia em que sair o anúncio oficial, senão tô fodido, vai ser a pior entrevista exclusiva de todos os tempos, você não vai dizer nada de importante.

O cara estava se divertindo com minha aflição. Deu risada e falou, liga o gravador aí, vai perguntando, mas de Williams eu não posso falar. A entrevista ficou uma droga, conto essa história nesta coluna aqui. Que, por sua vez, foi escrita na itália em 2004 ou 2005, sei lá, quando Jean Todt, em Madonna di Campiglio, revelou que algumas semanas antes desse teste tinha acertado com Senna para ele correr na Ferrari dali a dois ou três anos.

Ocorre que na entrevista, lá pelas tantas, Ayrton falou sobre um “plano secreto para o futuro”, e foi o que usei como título da matéria. Mais de dez anos depois fui descobrir, afinal, qual era o tal de plano secreto. Era correr pela Ferrari e encerrar a carreira ali, depois de conquistar mais dois títulos pela Williams e igualar Fangio.

Mas não deu tempo.