Seu Frias

Jorge Araújo

A primeira vez em que entrei na Redação da “Folha” foi em novembro de 1986. Semanas antes, ainda trabalhando para a SBPC, enviara uma carta à “Placar”, aos cuidados do diretor de redação Juca Kfouri, dizendo que queria tabalhar lá. Nunca tinha visto o Juca mais gordo. Apenas queria trabalhar na “Placar” e mandei uma carta pedindo emprego.

Pelos mesmos dias, a “Folha” publicou anúncio abrindo uma vaga para repórter de Educação e Ciência. Como era minha área, afinal, e o salário razoável, me candidatei. Dias depois, recebo um telegrama em casa, me convocando para uma entrevista no jornal. Na mesma tarde, toca o telefone na SBPC e era Carlos Maranhão, redator-chefe de “Placar”, dizendo que tinham recebido minha carta, acharam muito interessante, não tinham vaga, mas queriam me conhecer. Marcou para a manhã do mesmo dia em que tinha agendado a entrevista na “Folha”.

Fui à Abril, que ficava na região da Berrini, achando que no dia seguinte estaria escalado para cobrir a seleção brasileira. Fui muito bem recebido, encomendaram uma matéria para me testar, mas reiteraram que não tinham vaga nenhuma. Eu disse que iria à “Folha” de tarde para uma entrevista, mas que estava pensando em desistir porque tinha certeza que me contratariam na revista.

Tonico Duarte era um dos editores. Disse para eu deixar de ser tonto e fazer a entrevista no jornal. Fui. Lembro até da roupa que usava: uma camiseta azul clara com o Mickey estampado, paletó cinza chique-mas-que-parece-velho, jeans e tênis All Star preto. Eu não gostava da “Folha”, e não queria trabalhar lá. Por isso, falei muito mal do jornal aos meus entrevistadores — Carlos Eduardo Lins da Silva e Luiz Caversan, secretários de Redação, e Marcelo Leite, editor de Educação e Ciência. Disse que achava os títulos das matérias horríveis, a Primeira Página confusa e que as legendas eram para cegos.

Fui contratado.

Na segunda-feira seguinte lá estava eu naquele prédio medonho da Barão de Limeira, entrando na Redação no quarto andar coberta de pastilhas coloridas do chão ao teto. Era impossível trabalhar ali, naquele barulho, sem ar-condicionado, um calor dos diabos, e aquelas pastilhas embaralhando a vista. As mesas eram de aço, as cadeiras de madeira, como aquelas de bar, havia alguns computadores e muitas máquinas de escrever. Eu não conhecia ninguém, porque fiz Rádio & TV na FAAP e a “Folha” era reduto da ECA, da PUC e da Cásper.

Minha primeira pauta foi entrevistar duas pesquisadoras de lingüística na USP que estavam fazendo um convênio com escolas públicas, uma merda qualquer dessas. Voltei ao jornal disposto a pedir demissão, porque não queria ficar escrevendo sobre essas coisas depois de dois anos trabalhando com ciência em rádio, mas não deu tempo. Cheguei e a redatora que fechava a edição, Fernanda Scalzo, me passou a retranca (um papel indicando tamanho do texto, medida do título, essas coisas) e disse para eu me apressar.

Sentei e comecei a escrever a matéria à mão. O editor viu aquilo e perguntou o que eu estava fazendo. “Escrevendo a matéria, uai”, respondi. Ele me colocou diante de uma Lexicon verde e pesada, puxou o rolo de papel (com carbono para várias cópias, uma para ele, uma para a digitação, uma para a “Folha da Tarde”, outra para a Agência Folha, outra para a puta que o pariu) e disse: “15 linhas, estamos fechando”.

E no dia 25 de novembro de 1986 saiu meu primeiro texto na “Folha”, receio que nada de inesquecível, apenas uma notinha besta sobre algo que provavelmente nunca aconteceu.

E fui ficando, passava os dias em universidades entrevistando pesquisadores e cientistas, e escrevia, escrevia furiosamente e muito rápido, e aprendi a mexer naqueles computadores toscos, os de nível 2, apenas para redigir, e os de nível 1, para fechar e “descer” as matérias, e tudo que caía na minha mão eu pegava, e aí me jogaram na fogueira de acompanhar a briga entre a “Folha” e o Sindicato dos Jornalistas, questão de honra para a casa — o jornal era contra a obrigatoriedade do diploma para jornalistas, contratava gente formada em outras coisas e ainda afrontava os caras colocando um fedelho como eu, não formado em Jornalismo, para fazer matérias sobre o caso.

Ganhei pontos nesse negócio, os textos eram lidos pelo diretor de Redação, Otavio Frias Filho, que aprovava tudo sem mudar uma vírgula, e meu editor ficava espantado com isso. Eu não dava muita bola, porque o assunto também era um saco e eu queria trabalhar com futebol.

Assinar matéria na “Folha” era para poucos, e lá pelas tantas, como eu tinha muitas fontes na área graças aos meus dois anos de SBPC, me colocaram para fazer uma grande matéria sobre ciência e constituinte, e foi assim que no dia 1º de janeiro de 1987 meu nome saiu pela primeira vez nas páginas do maior jornal do país: orgulhosamente, Flavio Gomes — Da Reportagem Local.

A mesa que me coube na editoria pertencera, anos antes, a Lilian Witte Fibe e, depois, a Luiz Nassif. Era uma honra trabalhar ali, naquele sítio histórico e cafona ao mesmo tempo. Aos poucos, até as pastilhas coloridas deixaram de me incomodar. Eu adorava ver as rotativas pelo grande vidro da entrada do prédio, o painel pintado na parede ao lado da escadaria que levava à Redação da “Gazeta Esportiva”, visitava meus novos amigos na “FT” e no “NP”, vivia num ritmo frenético, tinha orgulho do meu crachá amarelo, me sentia um Samuel Wainer, aquilo era minha razão de viver.

Saía tarde do jornal para tomar cerveja nos bares fétidos do Centro, e quando dava fome ia ao Ponto Chic ou ao Filé do Moraes, ou a uma churrascaria cujo nome me escapa, mas que ficava ao lado dos puteiros da Boca do Lixo e tinha uma ótima salada de agrião que, me jurava o Renato Brandão, da Arte, anulava os efeitos dos cigarros que a gente fumava com razoável disposição ao longo das horas no jornal.

Foram oito anos de “Folha”, com uma breve saída, entre janeiro e fevereiro de 1988 para, finalmente, realizar o sonho de trabalhar em “Placar”. Mas o bichinho do jornal diário já tinha me picado. Estávamos no fim dos anos 80, logo depois das Diretas-Já, Sarney presidente, uma nova Constituição sendo escrita, eleições pela frente, e o Projeto Folha, bem ou mal, mudava a cara do jornalismo impresso no Brasil.

Eu me sentia importante.

Não demorou muito e fui para a editoria de Esportes, logo virei editor, aos 24 anos, então acabaram meus fins de semana e deixei de ter hora para voltar para casa, comandava uma equipe de 30 pessoas, mas adorava tudo aquilo, Collor, Lula, Brizola, Redação invadida pela PF, Copa do Mundo, F-1, caras-pintadas, impeachment, Europa, corridas, reuniões, e depois de dois anos riscando páginas e fechando jornal, virei repórter especial, até morrer Senna, eu chutar o balde e seguir meu caminho.

Hoje, domingo, morreu o seu Frias. Octavio Frias de Oliveira, dono da “Folha”, tinha 94 anos. Quando eu cheguei, ele já era um velhinho de 74, mas muito vigoroso e disposto, e dava expediente todos os dias no jornal. Não ia muito à Redação, geralmente subia direto para o nono andar, onde ficavam os editorialistas, e só aparecia de vez em quando lá embaixo.

Mas como editor, uma vez por mês eu tinha de vestir meu melhor terno — eu só tinha um — para o almoço com o seu Frias, lá mesmo no prédio da Barão de Limeira. Era o almoço com os editores, secretários de Redação, diretores de sucursais, repórteres especiais e caciques em geral, eu era sempre o mais novo de todos, uma espécie de mascote da turma, a mesa era grande, o cardápio, modesto — lembro que sempre tinha purê de batatas.

Eu tinha medo do seu Frias, ele raramente falava comigo nessas reuniões porque esporte nunca foi algo muito importante para a “Folha”, só mesmo na véspera da Copa do Mundo de 1990 fui sabatinado por ele na grande mesa do almoço, e me perguntou sobre os planos para a cobertura, se estava indo tudo bem, e eu disse que não, porque o plano Collor tinha ferrado nosso planejamento, a gente queria mandar 15 repórteres e a grana só ia dar para dois.

Ele colocou a mão em concha atrás da orelha esquerda, virou o rosto para o lado, apertou os olhos e disse “hein?”, aí eu levantei a voz e respondi que estava tudo bem, dentro do planejado, seu Frias, não precisa se preocupar que vamos fazer uma boa Copa, e comi meu purê de batatas.

Tinha medo do seu Frias, mas não de seu filho Otavio, o Otavinho, ou apenas OFF, como assinava seus memorandos Otavio Frias Filho, a cara do Franz Kafka. Um gênio precoce, sujeito de enorme capacidade intelecutal, que aos 20 e poucos anos peitou uma Redação de velhos jornalistas contaminados por velhos hábitos para colocar em prática o Projeto Folha, e mudar a cara da imprensa brasileira, praticando de forma paranóica conceitos como ética, imparcialidade, apartidarismo e isenção. Otavio falava baixo, não se alterava nem para comer o rabo de quem fazia alguma cagada, aparecia mais na Redação, ia às reuniões de edição e fechamento, fumava Hollywood, vivia jogando uma caneta Bic para o alto e pegando sem nem olhar para ela, era muito ativo e preocupado com o jornal que colocava nas ruas. Outro dia, quando lancei meu livro, me telefonou. Eu não conversava com ele desde 1994. Fiquei muito contente.

Devo tudo que sou no jornalismo à escola da “Folha”, onde aprendi a me indignar e a ser irredutível, a apurar e checar, a duvidar e questionar, a escrever e reescrever, onde virei gente.

A morte de seu Frias me deixou muito triste. Sua imagem, por uma daquelas bobagens que me são muito peculiares, sempre estará ligada ao purê de batatas, àqueles almoços mensais, ao calor que eu sentia dentro do meu terno preto, às pastilhas coloridas, à Lexicon barulhenta que sujava meus dedos quando tinha de virar a fita, ao cheiro de papel e tinta, ao ronronar das rotativas. Dele não guardo nenhuma palavra em especial, nenhum encontro inesquecível, nenhum texto histórico.

Mas guardo um papo de botequim com um veterano das Olivettis, sobre um furo da “Folha” na época da agonia de Tancredo, história clássica do jornal, que bancou a doença terminal do presidente em manchete quando todo mundo comprava a versão oficial da recuperação.

De onde viera aquela informação, afinal?, perguntava o foquinha deslumbrado aqui ao veterano no botequim. Foi o seu Frias que deu. Ele é o nosso melhor repórter, respondeu.

Foi-se o melhor repórter.

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Euclides de Barros
Euclides de Barros
16 anos atrás

Pelo colérico patrulhamento este deve pertencer à mídia amestrada; e talvez até já esteja se formado em jornalismo. Que ranso…

Lago
Lago
16 anos atrás

FG, estes são daqueles que não têm jeito, têm-se que elogiar. seu Frias e o texto. a ambos, portanto, minha insignificante reverência.

Carlos Miguez
Carlos Miguez
16 anos atrás

FG
Parabéns por seu texto sobre o falecimento do Sr. Octavio Frias, foi simples e elegante; demonstrou duas qualidades difíceis de se ver hoje em dia: o respeito e a gratidão (Não só pela figura do ex-patrão mas também pelos ex-colegas que o ensinaram). Concordo com a Folha: Os melhores jornalistas não são os formados em jornalismo. Em contra-ponto é de se lamentar apenas o único comentário negativo, de um complexado ideológico, que externa sua inveja.

Milton M Bonani
Milton M Bonani
16 anos atrás

Acho o Caderno de Esportes da Folha bem fraco (até já mandei e-mail para eles, reclamando da pouca atenção dada ao automobilismo. Não adiantou %!$&#nenhuma, mas mandei), mas nunca tinha ouvido isso: “porque esporte nunca foi algo muito importante para a “Folha””. Achei legal saber.

_Maga
_Maga
16 anos atrás

Olá Gomes, vim aqui para ler este texto por indicação do Marcio Pimenta e acabei lendo todos os posts anteriores a este. Bom, se você diz que foi na Folha que aprendeu a escrever bem assim, eu acredito, mas é porque sei a fonte que vou deixar de elogiar: parabéns, seu texto está delicioso.
Um abraço

Nico Contreras
Nico Contreras
16 anos atrás

Flávio,
Com seus exemplos você ensina como conquistar os objetivos através dos sonhos conforme os acontecimentos, acreditando no que gosta e aceitando também o em não lhe agrada.
Na Folha conheci o Artur Cardoso Neto, que me recebeu muito bem, quando solicitei para divulgar minha carreira na motovelocidade.
Parabéns por sonhar e conquistar !!!

Edison Guerra
Edison Guerra
16 anos atrás

Mais um texto irrepreensível.Flavinho, a cada dia voce fica mais craque na pena.
Abraço.

Miguel Costa Jr
Miguel Costa Jr
16 anos atrás

Gosto muito quando vc escreve, sou seu torcedor, muito legal sua paixão pelo que faz e pelo que aprendeu com o “seu Frias”, abração e sempre parabéns
Miguel Costa Jr

Real Comunista
Real Comunista
16 anos atrás

Agora entendi tudo.

Flavio Gomes fez FAAP e é de esquerda.Só fazendo uma faculdade meia boca dessas pra ser tão incoerente.

Playboy com sentimento de culpa!
A esquerda não precisa de você!

Jonny'O
16 anos atrás

Demais esse texto Flávio, parabéns!
Bela homenagem !

Paulo Torino
16 anos atrás

Flávio, seu texto é brilhante. Você faz parte de uma elite de repórteres que está em falta nas redações. Infelizmente não há mais lugar para gente assim na grande imprensa. Hoje, todos querem o Jornalismo Polaroide e o seu é Nikon.

Marcio Ferreira
Marcio Ferreira
16 anos atrás

Flavio, eu já te falei em outra oportunidade, tu devia ser escritor, tens um talento para emocionar as pessoas e, ainda por cima, é fã da Lusa. Parabéns e que você tenha tantos carnavais pela frente quanto teve o nosso amigo Frias. Que bom viver a vida e poder deixar nossa marca. Abraços,

Rodrigo França
Rodrigo França
16 anos atrás

Gomes, seu texto é realmente muito interessante (pra não falar emocionante). E digo mais: me fez lembrar o meu orgulho também de já ter participado deste jornal de 97 a 2000. Nunca tive contato com o Seu Frias também, mas todos diziam estas opiniões a respeito dele. Sem dúvida, grande repórter. E que a gente ache logo o substituto dele, pois a Folha precisa e muito de uma linha coerente com sua história no Brasil.

LSalomão
LSalomão
16 anos atrás

Bacana, FG a lembrança…bons tempos e amizades permanentes…é isso,
LS

Piki
Piki
16 anos atrás

Parabéns Flavio.
Bacana seu texto.

Bacana tb o relato do Marcelo aí embaixo

Henri Toivonen
Henri Toivonen
16 anos atrás

Mais um texto sem reparos do Gomes, seu trabalho me faz admirar a profissão de jornalista.

Daniel
Daniel
16 anos atrás

Acho que acabo de desistir do jornalismo.

Rogério Magalhães
Rogério Magalhães
16 anos atrás

FG, parabéns pelo texto. Nunca fui fã da Folha, pelo contrário, não gostava (como não gosto) a tal ponto de, nos tempos de faculdade de jornalismo, tê-la colocado ao lado da Rede Globo como os dois lugares que jamais trabalharia nem por salários astronômicos. Mas isso não vem ao caso.

Teu relato do que era uma redação de grande jornal, a relação com verdadeiros mitos, é mais importante do que picuinhas com esse que é tido como um grande jornal brasileiro. Por isso dou-te os parabéns pela homenagem. Afinal de contas, cada palavra aí não foi uma celebração a um dos nomes que compõem a elite editorial provinciana que temos em nosso país, mas a celebração para alguém que foi importante na sua formação como profissional e como pessoa. A experiência muitas vezes vale mais que a história.

Por isso, mais uma vez, parabéns pela homenagem e pelo texto.

JUSSARA
JUSSARA
16 anos atrás

EU SINTO FALTA, SEM NEM MESMO CONHECER.
DESTE TAL JORNALISMO, DO QUAL SÓ OUÇO FALAR.
OBRIGADA POR ESSE TEXTO.
QUE PENA, QUE EU NÃO TIVE A SUA SORTE.
A SORTE DOS PROTEGIDOS.

ASSINADO:
ALGUÉM QUE POR ONZE ANOS
SÓ CONHECEU O JORNALISMO ABRILIANO.

Sidney Cardoso
Sidney Cardoso
16 anos atrás

Flávio
Não poderia deixar de parabenizá-lo pelo belo e bem escrito texto.
Você traz à luz o ambiente de uma redação de jornal de forma leve e agradável.
Virou coisa rara nos dias de hoje, ver um texto longo sem erros, parabéns!

Cleston
Cleston
16 anos atrás

Muito legal, aliás muito bem escrito.
Nunca fui fã da Folha, e ainda não consegui superar o embaralhamento que as pastilhas coloridas causavam ao visual do prédio e a alguns dos editorialistas que viviam dentro dele. Mas sempre respeitei o grupo pela presença do Seu Frias e pelas pessoas em quem confio e que contam boas histórias como essa que você relatou.

Tequila man
Tequila man
16 anos atrás

Belo texto Gomes.

Fabio Taccari
Fabio Taccari
16 anos atrás

Flavio
Parabens pelo texto .Uma homenagem no nivel do melhor reporter da Folha.Parece até que você o escreveu em sua “Lexicon barulhenta” ,eu pelo menos escutei aqui deste lado.

Serginho RJ
Serginho RJ
16 anos atrás

Cara, que texto bem escrito.

Marcelo
Marcelo
16 anos atrás

Flávio,

Ontem como você também fiquei mais triste, tive o privelegio de conhecer a aprender com “seu” Frias, como o chamávamos.

Sou de São José dos Campos, e trabalhei como Controller em uma empresa que ele tinha na cidade, Granja Itambi, que chegou a ter por votla de 800 funcionários e abater e vender 200 mil frangos por dia, hoje infelizmente esta tudo abandonado as margens da Rodovia dos Tamoios, ( quem conhece a região -podemos ver os silos da fabrica de ração próximo ao “entroncamento” entre a Tamoios e a Rod.Carvalho Pinto ).
Enfim trabalhei 02 anos lá, e todo 2 sábado do mês, tinha que apresentar os resultados do mes anterior em reunião que o “seu” Frias participava ativamente.
Por incrível que pareça você não imagina como gostava desta reunião, além da pressão de apresentar a reunião “ao homem” ela marcava a reunião 13 horas de sábado, mas como eu aprendia naquela reunião, cada frase, cada comentário, cada sugestão que ela passava para mim e ao diretores da empresa, como era bom escutar a “lenda” dando sugestão para um moleque de 25 anos na sua primeira experiência gerencial, se achado todo poderoso, e vinha o “seu” Frias com sua experiência e mostrava que eu era apenas um moleque que pensava que era gerente.
Nunca vou esquecer dia 15 de outubro de 94, minha filha tinha nascido no dia 14 outubro, ela e esposa no hospital e claro fui a reunião sobre os resultados de setembro com “seu” Frias, era claro o segundo sábado do mês dia de reunião com “home”.
Quando começou a reunião, comecei apresentar a pauta, todo orgulhoso com tudo no power point ( super novidade na época ), ele pede para parar a reunião, pergunta-me : “o que você faz aqui??? Vá ficar com sua filha, este dia nunca irá repetir na sua vida…sua filha é mais importante do que eu e do que a minha empresa, nem para eu que sou dono, a empresa é mais importante do que meus filhos”, eu senti um misto de vergonha e alegria, “não falei e o “home” sabe que fui pai”, juntei meus papeis e fui embora, uma semana depois apresentei a reunião, ele não perguntou nada : como minha filha estava, ou algo do tipo, queria saber os “números” da empresa, mas eu sabia que estava na frente de um HOMEM diferenciado, um HOMEM que sabia o valor do outro, no final da apresentação, ele de novo não perguntou nada sobre a minha filha, mas naquele dia, pela primeira e única vez, escutei um parabéns su trabalho esta perfeito, aí entendi, como ele diferenciava as coisas e sabia valorizar as pessoas.
Com os filhos dele, nunca tive contato, a Granja Itambi, não tinha participação nenhuma dos filhos, somente do “seu”Frias que andava pela empresa de calça social velha, chapéu e seu companheiro um JIPE, azul de capota plástica, que todo sábado tinha que estar impecável.
Como mencionei, nunca tive contato com os filhos do “seu” Frias, Flávio, pela sua profissão seu que você tem mais oportunidade do que eu para conversar com eles, se um dia puder fale a eles: no dia 15 de outubro 1994 o ” seu” Frias falou do alto da sabedoria : ” o que você faz aqui??? Vá ficar com sua filha, este dia nunca irá repetir na sua vida…sua filha é mais importante do que eu e do que a minha empresa, nem para eu que sou dono, a empresa é mais importante do que meus filhos”.

Abraços, boa viagem “seu” Frias, obrigado,

Marcelo Silva

Paulo Lava
Paulo Lava
16 anos atrás

Estimado Flávio.

Boa noite.
Mais um texto seu que me deixou emocionado.
Até aí, nada de mais.
O diferencial fica por conta do fato de que a história na qual você enviou carta para a revista Placar solicitando emprego é semelhante a que fiz em 1987 a Mr. Mike Kranefuss (gerente de competições da Ford Motor Company) — na época, fui surpreendido ao receber carta por ele assinada, direto de Detroit na qual ele sugere eu “perseguir oportunidades junto ao automobilismo brasileiro” — o que acabou acontecendo.
(Vou te mandar cópia).
Mas, ainda sobre o texto sobre o Sr. Frias. Em que pese ter apreciado a homenagem, gostaria de dizer que, na idade em que me encontro — 4 anos — já não mais alimento o sonho de trabalhar na redação de um jornal… ler dados sobre sua rotina me deixaram pensativo… claro que fiquei novamente tentado em ‘perseguir’ tal oportunidade. Mas só para que você tenha uma idéia, nem mesmo em jornais da minha região (leia-se: jornais pequenos, independentes, sem ligação com qualquer grupo gigante como RBS ou Guaíba) meu currículo foi aceito…
(Em off, uma amiga disse que alguns donos de redação não contratam jornalistas experientes, que o melhor é “adestrar um foca” e este sempre agirá como carneirinho…).
Mesmo assim, e, parafraseando Mr. Edsel Bryant Ford II, “Hope springs eternal”. Prova de que não devo amenizar o foto desta “esperança” é que a vida sempre me reserva agradáveis surpresas e estímulos. Um deles, pode ter certeza, foi ter lido seu texto.
Muito, mas muito obrigado mesmo!
Have a nice week,
Best,

Paulo Lava

Fabricio Martins
Fabricio Martins
16 anos atrás

Nossa tem um nó na garganta. Este é um dos melhores textos que o Flávio já fez. Eu vivi todo este período conturbado atento, apesar de na época de tancredo ter apenas 5 anos eu lembro da agonia que a nação vivia, a incerteza dos desmentidos diários, da conversa oficial, engraçado mas eu lembro de tudo, depois aos 10 lembro das eleições, dos debates collor x lula e aí por diante. Onde quero chegar? Simples uma crinça viveu tudo como expectador, este HOMENS VIVERAM COMO PERSONAGENS. E OTÁVIO VIVEU COMO UM DIRETOR. QUE DESCANSE EM PAZ :(

Thiago
Thiago
16 anos atrás

Excelente. Adoro esses textos nostálgicos! Apesar de ter apenas 4 anos em 87…

Marcelo Laguna
Marcelo Laguna
16 anos atrás

Flávio, eu trabalhava na Placar nesta época que vc relatou. E acho que me lembro deste dia em que vc esteve lá visitando a redação. Cacete, estamos ficando velhos, amigo!
Abração

Thiago Arantes
Thiago Arantes
16 anos atrás

Quando soube da morte do “seu” Frias (que nunca conheci), pensei em te ligar para avisar.

Mas não queria dar a notícia. Sabia da sua admiração por ele. Sabia que viria uma homenagem dessas.

Na correria pela “cobertura perfeita”, acho difícil que o próprio jornal faça algo melhor.

Abraço, até!

Dú
16 anos atrás

É isso aí! De foca a este post . Parabéns.

Arthur GerhardBerger
Arthur GerhardBerger
16 anos atrás

Sinto muito pela nossa Perda.

Marcio Pimenta
Marcio Pimenta
16 anos atrás

O que dizer? Belíssima homenagem.

Capelli
Capelli
16 anos atrás

“Virar a fita”. Confesso que tinha esquecido completamente disso… e quando eu fazia correndo e deixava a vermelha em cima?

Deu saudade da minha Olivetti. Vou na casa da minha mãe buscar.

Bellote
Bellote
16 anos atrás

A obra que ele deixou fala por si.

abs