AQUI NÃO PODE (7)
SÃO PAULO (trágico) – E vamos em frente com nossa cobertura artística do GP de São Paulo, ex-Brasil, com novo ensaio fotográfico exclusivo. E algo sombrio, eu diria. Se ontem tivemos “Luzes”, hoje é dia de “Ruínas”.
São imagens selecionadas feitas por um famoso fotógrafo que pediu para que sua identidade não fosse revelada, por medo de represálias.



A primeira sequência mostra ao fundo o antigo Hotel Transamérica. Notem como essas fotos têm movimento, parecem ter vida própria. Primeiro surge no horizonte a construção ao fundo, clicada de dentro de um automóvel indefinido. A segunda foto é enigmática. Como foi tirada? O fotógrafo arriscou sua vida no meio da ponte? Por fim, o esqueleto do edifício sendo desmontado sem dó nem piedade.
Por anos, muitos anos, tantos que nem me lembro quantos, esse hotel foi o que chamávamos de “QG da F-1 em São Paulo”. No Transamérica os pilotos e equipes ficavam hospedados. Nigel Mansell jogava golfe e tomava umas caipirinhas. Lá eram entregues as credenciais de imprensa, e como o GP do Brasil era o primeiro do ano, todos chegavam cedo para retirar seus passes permanentes ou apenas para a corrida.
Então havia a famosa entrevista da Marlboro na quinta-feira, e como a McLaren era patrocinada pela marca de cigarro, era a chance de jornalistas do mundo inteiro, mesmo os não credenciados, verem de perto o grande corredor. Vinham brasileiros de todos os cantos, da “Gazeta de Passa Quatro”, do “Diário de Sorocaba”, do “Jornal de Xique-Xique”, da Rádio Clube de Pirapora, da TV Cristo Salva. Não existia internet, todos se armavam de bloquinhos e gravadores, era uma zona adorável, uma confusão dos diabos.
O que me faz lembrar de um sujeito que se fez mais ativo depois da morte de Senna, porque quando ele era vivo o cara simplesmente perdia a voz e apenas ia. Quando o piloto passava perto dele a caminho do palco, sua pressão baixava e era preciso ampará-lo. Apresentava-se como jornalista, mas nunca se soube exatamente para qual veículo de imprensa trabalhava.
Como se sabe, a Philip Morris seguiu durante muito tempo na F-1, passou a ter a Ferrari como sua principal equipe patrocinada e Michael Schumacher foi para lá em 1996. Assim, as coletivas da Marlboro nos anos seguintes à morte do brasileiro continuaram bem concorridas, embora tenham deixado de interessar à “Tribuna de Cariré”, à Rádio Antena de Quixeramobim e à TV Boi Gordo de Dourados. O pessoal queria mesmo era ver o Senna.
Mas aquele cara soturno ia a todas. Ele tinha cabelos longos e ensebados, andava meio curvo, vestia uma camiseta com o rosto de Senna estampado, uma jaqueta puída e fedida e carregava sempre umas pastas daquelas que têm envelopes plásticos dentro, não sei como se chama isso, entulhada de recortes amarelados de jornais, revistas e fotografias desbotadas. Não preciso dizer de quem ou do quê. Além de cópias de petições datilografadas e um caderno universitário sem capa em cujas páginas amarfanhadas ele garantia de ter milhares de assinaturas de cidadãos de bem de todo o país.
Seu objetivo: obrigar as autoridades brasileiras a construírem um memorial monumental em homenagem a Ayrton Senna, algo como o Taj Mahal, a igreja de Santa Sofia de Istambul, a pirâmide de Gizé ou a Grande Mesquita de Meca. Nada menos que isso. Não bastavam uma estátua, uma placa de rua, o nome de uma avenida. Ele queria uma Basílica de São Pedro. E todo ano ameaçava perguntar ao Schumacher o que ele pensava de sua ideia. Na verdade, não queria nem perguntar, mas sim intimar o piloto a abraçar seu propósito que ele dizia ser “cósmico” e “universal”.
O problema é que o cara não falava nenhuma palavra em inglês, e as perguntas em português eram limitadas àqueles que se inscreviam para fazê-las, e é claro que elas acabavam sendo feitas pelos profissionais mais experientes e safos. Assim, lá do fundo do salão — porque ele ficava de pé para ser mais bem visto –, erguia o braço com alguma timidez e dificuldade, já que carregava aquele monte de pastas e papéis velhos que poderiam cair no chão causando um desastre ambiental. Mas nunca era chamado.
A última entrevista do tipo aconteceu apenas em 2007, já não era da Marlboro, e sim da Shell, e por alguns anos fui eu a conduzir os eventos para a imprensa com Schumacher, Barrichello, depois Raikkonen e Massa. Quem me pedia para dar uma mão era o assessor de imprensa da Ferrari, um querido amigo que hoje está na Pirelli. E os encontros também deixaram de ser realizados num dos auditórios do hotel, passando a acontecer num teatro anexo que parece que está sendo demolido, também.
Eram legais, as entrevistas da Marlboro. Por onde será que anda o sennista tresloucado?
Mas já me estendi, foi apenas uma lembrança que me veio ao ver essas fotos do Transamérica. Vamos em frente.



Esta segunda sequência de “Ruínas”, muito significativa, me parece ter sido iniciada no entorno do autódromo, e a primeira imagem mostra uma edificação com fachada de vidro e uma caixa d’água da Sabesp ao fundo que tem uma óbvia mensagem subliminar e comunista. Só porque o governador bolsonarista vendeu a preço de banana o sistema de águas e esgoto do Estado? Só porque ele acha que um serviço público tem de virar uma empresa que dê lucro para um grupo privado que nunca mexeu com água e opera no Acre, ou no Amapá? Você está chamando isso de ruína, seu esquerdopata? Vocês, da extrema esquerda, são muito mal agradecidos! Vejam o grande serviço que presta a Enel à população, com luz para todos! Comunistas desgraçados! Selva! Aço!
Na segunda foto, surge o que foi um dia uma escola de pilotagem, cheguei a fazer um curso aí. Muito boa, a foto, nota-se o olhar afiado do fotógrafo e o enquadramento perfeito. E na terceira, o que sobrou da laje onde eram montados alguns camarotes já dentro do autódromo. Derrubaram e estão fazendo tudo de novo. Aí fica o Senna Club de 25 mil reais o ingresso. As obras estão irregulares, como li aqui.
Falando de ingresso, muita gente, mas muita gente mesmo, ficou de fora do autódromo hoje por conta da zona que foi a comercialização das entradas. Quando cheguei, deu dó do povo na rua debaixo de sol em filas gigantescas. Uma tragédia.



E a última sequência de “Ruínas” apresenta, da esquerda para a direita, a antiga Curva do Sol do traçado antigo, com faixas pintadas no chão que não são de época. À direita, onde se vê terra, ficavam as zebras antigas. Quebraram tudo. Nem um trechinho para contar a história. Aí os caras vão a Indianápolis, veem a faixa de tijolos originais do piso de mil novecentos e bolinha e acham demais. A foto do meio comprova que o circuito poderia estar mais bonitinho para essa corrida.
E a última eu que fiz. É do meu carro, que esfrega na cara da indústria automobilística atual sua própria ruína. Ninguém mais faz carro assim.
Sou praticamente vizinho do antigo hotel Transamérica.
Ainda pertence ao grupo, resolveram demolir para construir um clube com praia de ondas artificiais, muito beach tennis para os tiktokers
Estou em Interagos pra ver o GP ao vivo. E o meu terceiro ano. Meus amigos foram nos ultimos 5. Nunca tivemos o menor peoblema pra entrar. Esse ano REALMEMTE esta uma zona. Muita confusao, desinformacao. Gente querendo brigar. Gente desistindo. Nota ZERO pra organizacao.
Espero que hoje melhore pq ontem foi triste
Mesma situacao caotica. Teremos as autoridades pra ferrar a organizacao ou cada um dos lesados procura seu direito? Vc sabe dizer Flavio?
Lindo texto
Quando vi há um tempo atrás o transamerica sendo destruído, tomei um susto….
Aliás, parabéns pelo gol gt
Abraços
O desenho do autódromo de Interlagos hoje é mediocre. Quem vivenciou ele antes, sabe. Cortaram pela metade.
Adorei ler o texto! Quanta história.
Caramba, nem sabia que o transamerica tinha fechado.
Quanto ao folclórico sennista, ele podia procurar a Pablo Marçal e apresentar sua proposta pra ele, quem sabe não fazem o maior prédio do mundo em homenagem a ele, o problema é que já vão fazer um prédio imenso com o nome Senna em Balneário Camboriú (onde mais, não é mesmo). Já colocaram o nome do Senna numa rodovia, tá de bom tamanho, não é?
Substituíram o nome da rodovia “dos trabalhadores” (bastante representativo) por rodovia “ayrton senna”. Pq não substituíram “bandeirantes”?!
Que tristeza. Quanta história jogada no lixo. E o Transamérica vai virar piscina pra rico surfar. Pqp.
Vc nem frenquentava o local.
Puxa Flávio, minha mãe é de Xique-Xique. Que alegria ler esse texto. Até agora todos maravilhosos…
Caro Flávio…continue a escrever o blog, pois eu leio e gosto dos textos, e creio que outros também.
Arruma para o Gol dar umas voltas junto com a McLaren que o Hamilton vai pilotar. Sucesso garantido!
Parabéns pelo blog
A edificação com fachada de vidro era da Escola de Pilotagem Interlagos. Não sabia que tinham encerrado as atividades. Uma pena, a escola tinha mais de 50 anos…