AQUI NÃO PODE (8)

SÃO PAULO (gosto dele) – Sebastian Vettel é um bom sujeito e quer salvar o mundo. Começou com as abelhas no Japão, combustível ecológico nos seus carros de corrida antigos, agora está catando lixo em Interlagos. Mas eu lembro de sua Suzuki GT 550 cc três cilindros e dois tempos na Hungria, viu?
Aliás, lindona. Tive uma, vendi.
Vettel também virou um fã tardio de Senna e tudo que ele vem fazendo em São Paulo tem as cores do capacete do ex-piloto que morreu há 30 anos. Mas “morte” é palavra jamais mencionada em todo o vasto e interminável material promocional de várias marcas e ações comerciais que transformaram esta corrida numa celebração do que tem sido chamado de “legado” do tricampeão mundial.
Hoje recebi mais uma dúzia de press-releases sobre essas ações, e os textos parecem estar sendo produzidos, todos eles, por algum membro da Santa Igreja da Sexta Marcha, só que não falo muito isso publicamente porque aqui não pode, qualquer coisa que não seja elevar Senna à condição de beato é interpretado como “o cara odeia o nosso Ayrton”.
Não odeio nosso Ayrton, quero deixar claro.
Mas voltando aos press-releases, todos eles, também, me chegam com uma pequena introdução assim: “Oi, Flavio, tudo bem?”. E terminam assim: “Será que conseguimos um espacinho aí?”.
Não sei bem o que os assessores de imprensa chamam de “aí”, talvez seja este blog, e gentil que sou, cederei o espacinho aqui. Vamos começar.


RELÓGIOS – A TAG Heuer montou uma “exposição imersiva” no Ibirapuera e aproveitou para lançar o modelo TAG Heuer Carrera Chronograph Tourbillon x Senna. “Esse relógio exclusivo homenageia a habilidade lendária de Senna e celebra o 30º aniversário de seu legado”, informa o texto. Não sei quanto vale a peça. A exposição se chama “Ícones Além do Tempo”, custa R$ 30 o ingresso e a arrecadação, claro, será doada ao Instituto Ayrton Senna. Num dos “atos” da mostra, vejam que beleza, o visitante conhecerá “o perfeccionismo e o espírito de vanguarda do homem por trás de tudo”. “Ela traz imagens e objetos que mostram a criação de sua figura icônica, com uma busca inabalável pela excelência, caráter e a busca implacável da perfeição. Os visitantes podem rever citações clássicas de Ayrton (…) como ‘Há um grande desejo em mim de sempre melhorar, de ficar melhor. É isso que me faz feliz’, ‘Quando chego ao meu limite, descubro que tenho força para ir além’ e ‘Vencer é o que importa, o resto é consequência’. Figura icônica. O que será desses redatores se a palavra “icônica” for proibida por lei? Quanto às citações clássicas, gosto muito de “bem na minha vez cagaram no carro”, que ele me disse no Estoril em 1994 depois das primeiras voltas com a Williams. As outras frases eu acho meio bobas.
MURAL – Falamos disso ontem, a cerimônia foi hoje. A organização do GP informa: “O emblemático mural do artista Eduardo Kobra, que eterniza Ayrton Senna erguendo o troféu no topo do pódio, resplandece ainda mais. A obra, que acaba de completar quatro anos, foi restaurada por Kobra e sua equipe. (…) O projeto contou com o apoio da RTSC Holding, da família Senna, da Senna Brands, da Prefeitura de São Paulo e da organização do GP São Paulo”. Segue declaração de Adriana Noguti, diretora de comunicação da empresa, que eu não conhecia: “É uma honra presentear a cidade com esta obra icônica, do artista igualmente icônico Kobra. Este mural é um presente para São Paulo, para o Brasil e para o mundo, celebrando os 30 anos de legado do nosso maior ídolo, Ayrton Senna”. Icônica, icônico.
OOH? – Essa coisa aqui não entendi direito, mas vá lá. “Já imaginou ter a oportunidade de vestir um capacete exclusivo inspirado nos modelos usados por Ayrton Senna e ainda registrar o momento com uma foto para compartilhar nas suas redes sociais? O público que acompanhar o GP de São Paulo deste ano será agraciado com esta experiência por meio do projeto ‘Senna 30 Anos – O Legado’, uma iniciativa do Eletrolab com patrocínio da Heineken e parceria com a Senna Brands (…). O suporte para a concretização da experiência, que envolve tecnologia imersiva, é o MUB+, uma evolução de telas da Eletromidia que passam a contar com a capacidade técnica de interagir com os usuários, habilitar uma nova camada criativa imersiva e estruturar dados. (…) ‘A tecnologia criativa aqui está ajudando a transformar o OOH em uma plataforma interativa que convida as pessoas a vivenciarem o legado de Senna. Combinando a presença da Eletromidia no espaço urbano, o toque humano da família Senna e relevância da marca Heineken, este projeto é mais do que uma campanha; é uma experiência cultural inédita que integra OOH, redes sociais e PR de uma maneira muito inovadora’, revela Giovanni Rivetti, CEO da Context”. Desta vez não teve nada icônico. Mas continuo sem entender o que é.
Palavrinhas da moda né mister icônico? Agora entendi o blergh lá naquela resposta. Aliás blergh de leitor de marvel ou Urtigão, Chico Bento ou algo assim. Odeio esses modismos também, quer ver textinhos corporativos com “mindset” e coisas do tipo.
Obrigado ao icônico jornalista Flávio Gomes pelos seus icônicos textos sobre está icônica corrida, mesmo debaixo de icônicas tempestades.
“gosto muito de “bem na minha vez cagaram no carro””
🤣🤣🤣🤣🤣🤣🤣🤣🤣
Cacete, não suporto esse fetiche com redes sociais… tudo é para postar, conseguir laiques, que saco.
Caramba, em que mundo vivemos?
Chama o Raul Seixas:
“Seu motorista, do disco voador, me leve com você, para onde você for …”
Flávio, só deixando que sou mais um dos milhares de leitores silenciosos do seu blog. Que além de usar aqui como principal meio de informação sobre as corridas e treinos que não consigo assistir, também uso pelo simples prazer de ler algo muito bem escrito.
E como geralmente não acho nada relevante para escrever (por isso muitas vezes nem comento nada), um relato interessante da tal “idolatria” ao Senna: minha mãe mesmo, até hoje “lamenta” a morte do Senna, e lembra de como ele foi “heróico”, e tudo mais, e o quanto ela sente a falta dele.
Mas na época mesmo, além dela nunca ter visto sequer uma corrida, ela odiava quando eu queria assistir as corridas que coincidiam com o horário da missa dominical.
Pois é…ainda crianca, eu “rompi” com o Vaticano porque: a) domingo de manhã, a missa batia com a F-1 ; e b) fim de tarde, batia com Trapalhões. Me excomunguei pra poder acompanhar Senna, Mansell, Mussum e Zacarias!
Seríamos os hereges da F-1?
Boa tarde Flávio. Me solidarizo com você. Sou torcedor raiz pois venho ao GP Brasil há 35 anos. O torcedor também mudou. Na fila preferencial vejo o idoso acompanhado pelo filho marombado de vinte e poucos anos. Na arquibancada vejo as meninas gritando a cada passagem do seu piloto e perguntando para que serve a bandeira azul. Vejo também a família estendendo sobre os assentos a bandeira do Brasil (utilizada na Paulista para pedir mais democracia) para reservar espaços para os amigos que chegam horas depois, com cabelos molhados e exalando o perfume Armani comprado em Orlando. Vou me embora para Pasargada antes que a Veraneio do DOI CODI apareça em casa
Uma icônica experiência imersiva!
(Eu ia comentar que parecem textos saídos do GPT, mas nem a IA escreve tão mal. Quanto será que os redatores ganham para cometer esses releases?)
Vendo a Sprint agora, ondulações no asfalto do prefeito nanico são mais um retrato do desleixo dessa administração
Vc deixa florar esse ressentimento em relação ao Senna geralmente nessa época. Não sei o que aconteceu entre vcs , mas é prédio, é relógio, é mural, nossa . Esquece ele. Deixa ele em paz.
Que te parece resgatar o verdadeiro espírito de Interlagos retomando o circuito original de 8 km?
As curvas 3 e 4 no fim do retão de 3 km poderiam ser inclinidas ‘a la Zandvoort (seriam um pouco mais seguras), recupera Ferradura Reta Oposta, inclina o Sargento, e tudo mais e aí…acorda com o Nunes.
Talvez o projeto vá adiante se for vendido como “uma experiência imersiva no icônico traçado original de Interlagos”.
Quando eu quero “vivênciar o legado de Senna”, vou no YouTube e seleciono uma corrida antiga dele. E pronto.
Flavio, como “fã” do Senna piloto, simplesmente agradeço a sua “luta” em apontar a esculhambação não do nome, marca, brand ou qualquer TM que seja, mas da pessoa. Acho que resvala na desumanidade e na perda, justamente, em apontar o quanto Senna foi bom nas pistas e, fora delas, um cara “comum, um filho de Deus”. Suas críticas, pertinentes, ao instituto, por exemplo, são uma exceção que a “imprensa” deveria conferir de perto. Alçar à santidade uma pessoa em nome de um retorno financeiro parece, no mínimo, triste.
Como fã de Ayrton Senna, tais “homenagens” já encheram o saco. O nome da corrida deveria ser “GP do Ayrton Senna”.
Qual é a diferença entre jornalista, comentarista e repórter ? A resposta parece óbvia, mas não é. Por exemplo, colocaram um microfone na mão e um fone de ouvido no ouvido de Barrichelo em um certo GP em São Paulo, para atuar como repórter para fazer perguntas aos conhecidos dele na área, que eram muitos. As perguntas eram para ser engraçadas, e eram mesmo, porque ninguém ria. O resultado do trabalho de Barrichelo-repórter foi uma mistura de desastre com avacalhação, porque Barrichelo nunca foi nem será repórter, nem comentarista, quanto mais jornalista. Ser piloto dos bons de carros de Formula 1 não é garantia de sucesso em nenhuma outra profissão.
Outro exemplo inesquecível, Pelé como comentarista de partida de futebol, os comentários do melhor jogador de futebol que existiu no planeta eram uma comédia de tão ruins, que desbancou para desastre que o levou a desistir da profissão com a canela inchada de tanto levar chute do Galvão.
Button é outro, não entendo exatamente onde atua, se é como repórter, comentarista, jornalista ou gandula, aparece bem nas telas de TV, porque é um cara boa pinta e gente boa, mas as opiniões que emite ao vivo são de uma obviedade entediante. Ou seja, Button é mais um nem-nem.
E o advento da IA, a sexta besta do apocalipse, pairando sobre todos, com apetite para comer todos sem cuspe, torna tudo isso ai muito assustador. Acho que foi a MSNBC, demitiu uns 900 jornalistas, substituindo-os por IA. Exposição imersiva, relógio para homenagear a habilidade lendária de Senna, o homem por trás de tudo. É isso que me faz feliz. Tecnologia imersiva. Que porra é essa, PQP.
O conteúdo do texto da caixinha azul é um primor de homenagem a Rolando Lero, não é.
Sobre as frases de Senna, uma das melhores que vem na lembrança é sobre ter comido uma ex-namorada de Piquet: ´Eu a conheci. Eu a conheci como mulher´.
Enquanto isso neste blog que o dono diz que ninguém lê, informação que gostaria de duvidar, temos o melhor exemplo do que é ser repórter, comentarista e jornalista em uma só pessoa.
Um legítimo três-em-um.
Parabéns pelos ótimos textos, são perfeitos, garantia de leituras deliciosas, e por compartilhar os ´icônicos´ press-releases. Como tem gente abilolada nesse mundo.
Acho tudo isso um porre mas o cara ainda é uma maquina de fazer dinheiro e ate onde sei, o dinheiro é que faz acontecer as coisas.
Acho essa idolatria descabida algo tambem pesado, o cara foi um “icone” mas essa adoracao tambem tem que ter limites.
So nao entendo entao a adoraçao por cretinos seguidores retardados da direita à esquerda que ao contrario do Senna nao nos orgulham em nada e que sao um cancer e vergonhanpara esse país. Mas pelo visto parece nesse quesito, em nome do amor, ta tudo perdoado aqui na bananolandia sem futuro.
Vamos continuar a massacrar o Senna entao.
Flávio, imagino que a interrogação da última caixa não seja uma dúvida a respeito do termo OOH e sim das frases todas e a babação de ovo ao Senna que sabemos etc… Mas pra esclarecer OOH significa Out of Home e é o nome dado a publicidade externa (hoje quase tudo digital mas que no passado era o nosso conhecido outdoor). Sobre as homenagens, eu acho que nem o Senna aguentaria tanta babação de ovo e gente se aproveitando do nome dele pra ganhar dinheiro pqp
Quanta baboseira… e me refiro as ações para “comemorar o legado” do nosso Ayrton. Pensando melhor, é impressão minha ou toda a exploração possível do legado dele tem fins comerciais/monetário? Ah mas aí um astuto diz que vai tudo para o instituto e me pergunto que contribui com o que mesmo?
O instituto Lula, instituto Neymar, instituto Luxemburgo (pqp…) contribuem e contribuiram pra que ate hj que nao fosse a auto promocao e beneficio pe$$oal de cada um deles, dentre outros “institutos” ? Sem querer defender esse ou aquele, mas se for pra ir ao pé da letra e ir a fundo, nao sobrara em pé um unico instituto pessoal.
Aprenderam (e bem!) a lição com a Fundação Roberto Marinho e Fundação Bradesco!!
Eu concordo que trata-se de promoção pessoal, mas ainda assim se traz algum retorno social esta valendo. Desses q vc mencionou o do Neymar, salvo engano, faz algumas ações reais – e olha q nem gosto dessa figura – o duro é levar fama por algo q não entrega.
Quanta empulhação nesses press-releases.
Total
Parabéns ao Vettel! Depois de trocentos anos andando de jatinho pra lá e pra cá o ano todo e ter a pegada ecológica maior que a do Pé Grande, vem nos ensinar a cuidar do meio ambiente. Não vou poder nem mais queimar um pouco de gasolina pra ir em Pirenópolis…
Achei que essa curiosidade pudesse te interessar, Flávio. Roubaram a estátua do Villeneuve (pai) que ficava em frente ao museu em sua homenagem na cidadezinha em que ele nasceu. Virou uma comoção um tanto piegas e um tanto engraçada, ao mesmo tempo.
https://www.cbc.ca/news/canada/montreal/villeneuve-statue-melted-down-1.7371102
O quem vem a ser Senna Brands? É uma holding que busca o máximo de lucro com a marca Senna?
Provavelmente.
E pensar que o Instituto A.S. quase botou as garras no Ministério da Educação, durante o governo do coiso…