Sorriso

SÃO PAULO (vai e volta) – Também sem grandes motivos aparentes, este texto, que escrevi há uns dois anos para a “4 Rodas Clássicos”, andou circulando de novo por algumas listas de discussão na internet.

Gosto dele, e gosto dos carros, então lá vai de novo, para quem não leu.

ELES FAZEM SORRIR

Não queira ter uma relação com seu carrão cheio de botões, reboque cromado para não puxar nada, flex powers, trios elétricos, fly by wire, e ABS igual à que eu tenho com os meus. Você vai perder.

Meus carros têm nome, eu converso com eles e entendo o que se passa no seu coração. Ninguém olha para você nesse esquife filmado com vidros escuros como o breu. Para mim, todos olham e acenam.

Se o seu carrão pifar no meio da rua, ou numa estrada no fim do mundo, ninguém vai parar para te ajudar. E se alguém se aproximar, você vai achar que é ladrão. Se um dos meus estancar no meio da avenida mais movimentada de São Paulo , vem um monte de gente para empurrar. E é o pai de um que teve um igual ao meu, o tio do outro que dirigia um táxi idêntico, a avó de um terceiro que ainda tem o seu guardado na garagem que só usa para ir à feira, e se eu não souber o que fazer para ele pegar de novo, alguém saberá.

Meu kit de sobrevivência nas ruas é barato. Um joguinho de ferramentas, desses que se compram em camelôs, com uma chave de fenda, um alicate, algumas chaves de boca. Um frasco com gasolina para jogar no carburador de vez em quando, um galão de água para refrescar o radiador. Oh, que coisa mais primitiva, dirá você.

OK. Tenha uma pane no seu carrão eletrônico para ver o que acontece. Nem tente abrir o capô. Você não sabe o que tem lá dentro. Cuidado, ele pode te engolir. Torça para o celular estar com o sinal pleno e chame um guincho, a seguradora, o papa. Sente e espere. Seu carrão só vai funcionar de novo quando conectarem um laptop nele. E prepare o talão de cheques.

Meus carros, não. Têm carburadores, distribuidores, diafragmas, bobinas e velas, tudo à vista. Sei quando o piripaque é na bomba de gasolina. Sei quando é sujeira da gasolina. Sei assoprar um giclê. Sei onde fica o giclê. Aliás, sei o que é giclê. Procure algo parecido na sua injeção eletrônica.

Seu carro é um emérito desconhecido, sem história ou currículo. Os meus têm 40 anos ou mais, já passaram por muita coisa nessa vida, e quando saíram de uma concessionária, décadas atrás, estacionaram na garagem de alguém em forma de sonho realizado. Carro fazia parte da família, antigamente.

Ah, mas o meu tem ar-condicionado, disqueteira e controle de tração, dirá você. Sim, mas você nunca terá o prazer de dirigir de vidros abertos e cotovelo para fora da janela, meu rádio toca as mesmas músicas, e não me faça rir com o seu controle de tração. Quantas vezes ele foi necessário?

Além do mais, existe um negócio chamado prazer. Prazer de ter algo que lhe é caro e precioso, mesmo que não valha muita coisa. Carros iguais ao seu todo mundo tem. Vejo aos milhares todos os dias, e nenhum deles tem a cara do dono. Os meus têm. E quando eles quebram, eu mesmo conserto. E eles me agradecem andando de novo, fazendo com que as pessoas sorriam quando passam, fazendo barulho e soltando fumaça.

Não há nada como um automóvel que faça alguém sorrir.

Subscribe
Notify of
guest

41 Comentários
Newest
Oldest Most Voted
Inline Feedbacks
View all comments
Jorge Salabert
11 anos atrás

Valeu Flavio, já está no site. caso queira ver, segue o link:

http://www.superantigos.com.br/cronica.htm

Forte abraço,
Jorge Salabert

Jorge Salabert
11 anos atrás

Oi Flavio,
li sua crônica por estes dias na internet e gostei muito. É a cara da galera que se liga no antigomobilismo. Gostaria da sua autorização para reproduzi-la no nosso site, com os créditos devidos é claro. Valeu.
Grande abraço,
Jorge

Flavio Gomes
Admin
Reply to  Jorge Salabert
11 anos atrás

Vai em frente.

Bruno Z.
Bruno Z.
14 anos atrás

Tenho um Fusca 74 e cada linha deste texto se encaixou com a minha história com meu carrinho…
Não só o amor que há entre o dono e o “velho-amigo”, mas tb a amizade dos donos e suas solidariedades nos momentos de pane mistos com risadas!
Ficam meus parabéns e admiração!

Sérgio Miranda
14 anos atrás

Flávio, recebi esse seu texto de um colega que é aficcionado por carros antigos, como eu e você.
Achei o texto simplismente sensacional e me fez querer ainda mais comprar o tão sonhado Fusquinha que ainda não tenho.
Poderia publica-lo no meu blog com os devidos créditos????
Grande abraço!

RESPOSTA DO FG:

Claro.

niko
niko
15 anos atrás

é neh,
isso aumento muito minha auto-estima, pena que so tenho 17 anos..
mas n vejo a hora de pega o ´´antigao´´ pra sai..
adoro dirigir carros, mesmo inapto no momento, sempre dou um jeitinho.
melhor ainda vai ser quando eu puder legalmente dirigir .Ir a praia como sempre sonhei.. sem risco de maiores encrencas com guardas.
isso sim, é legal.

rafael
rafael
16 anos atrás

tenho um chevette 78..chamo ele de “bala dourada” heheehehe

Adal Avin
Adal Avin
16 anos atrás

Meu carro tem carburador (russo, novinho) e toca-fitas, não tem DH nem AC, é meu único veículo, e não pretendo trocar por outro tão cedo!

[ ]s

Eduardo RC Neto
Eduardo RC Neto
16 anos atrás

Fora que esses FDPs que andam com essas m….. de SUVs (ou seriam SAVs) filmados, não usam mais seta e andam feito loucos. Um trambolho que parece um micro-ónibus dirigido por uma cambada de imbecis…

Eric
Eric
16 anos atrás

Manoel….
Se o Sr Luiz,meu ex-chefe,ainda tiver o 2 CV,prometo que te levo para conhecer e ainda andar no carrinho.É um 1990,das últimas séries que ele comprou do que sobrou da Gurgel….tinha apenas 200 km na cor cinza chumbo.

pedro belfort
pedro belfort
16 anos atrás

É isso o que penso tambem. Antes de tudo o carro antigo é um amigo.
Outro dia meu fusca esquentou e eu apelei para o bom e velho sorvete de limão, devidamente apertado na bomba de gasolina, para espanto de minhas jovens filhas e dos frentistas do posto de gasolina…
Foi perfeito, em uns minutos voltou a funcionar e está funcionando até hoje.
Abraços e parabéns pelo texto!

Eric
Eric
16 anos atrás

Fala turminha……
Como foram de feriado???
Voltei hoje e já tenho um texto delicioso deste para ler e começar minha segunda feira feliz….
Concordo plenamente com isso tudo,acho que carro antigo tem até cheiro caracteristico de parte interna,externa(gasolina misturada com óleo)rsrsrsrsrs

BOM DIA A TODOS!!!!!!!

Marcelo Giacomin
Marcelo Giacomin
16 anos atrás

Esse texto é mais um motivo para eu voltar a andar em algum carro que valha a pena … que saudades do meu Passatinho.

Lndo o texto FG .. lindo mesmo …

Viscondi
Viscondi
16 anos atrás

Parabéns, disse tudo o que eu penso. As pessoas andam sobrevalorizando coisas que não levam a nada.

André Grigorevski
André Grigorevski
16 anos atrás

Esse texto é digno de aplausos! Já o conhecia há tempos, mas nunca é demais ler novamente.

Por mais conforto e praticidade que um carro novo possa ter (e tem, não podemos ser cegos quanto a isso), nada dá mais prazer do que andar em nos “velhinhos”.

marcoalfa147
marcoalfa147
16 anos atrás

FG,

Show !
Noat 1000 para este seu artigo. Bom era o tempo em que a gente ficava de 2a. à 5a. mexendo no carro, só para andar num pega de sexta feira.
Era o tempo de 5,5 centrada atrás com pneu de Aero Willis, distribuidor de kombi, bobina vermelha, velas ngk e outras coisas mais.

Abraços,

Marco Antonio.

Carlos
Carlos
16 anos atrás

Putz, que texto delicioso !!!!
Parabéns Gomes !!!!

ah, só pra constar: tenho um Fusca 71 e um Monza 89…..

Bianchini
Bianchini
16 anos atrás

FG, não tenho procuração para te defender, mas é cada matusquela que aparece em um blog dedicado, entre outras coisas, aos carros antigos, que é de doer… Allah, o justo, clemente e misericordioso que nos dê paciência…

Gomes
Gomes
16 anos atrás

Jean Carlos, em sua homenagem hoje vou sair de Fissore. Dos meus, é o que faz mais fumacê!

Jean Carlos Gomes
Jean Carlos Gomes
16 anos atrás

Caro Gomes, uma das coisas que temos em comum é o sobrenome e o fato de gostarmos de carros. Mas no meu caso, não entendo de mecânica, como tenho absoluta certeza que muitos brasileiros apaixonados ou não por carros também não entendem. O fato de seus carros serem antigos, me faz lembrar de algo muito importante nos dias de hoje: emissão de gás carbônico. o meu um “emérito desconhecido, cheio de botões e sem história”, está dentro das normas de emissão de poluentes e também de segurança. Tenho certeza de que se eu sofre um acidente com este carro, tenho muito mais chance de sobrevivência do que você em seu “clássicos”.
Adoro carros antigos, se possível teria alguns exemplares na garagem. Acho admirável pessoas que mantém viva a história do automóvel, mas dizer que seus carros “antigos” são melhores que os carros modernos… isso é um pouco de ignorância de sua parte. Alguém como você, um jornalista especializado em automóvel e um piloto nas horas vagas, deve ter um pouco mais de consciência no que escreve, sendo imparcial e deixando suas paixões de lado. Escrever isso no seu blog tudo bem, afinal ele é seu, mas publicar um artigo desses em uma revista como a quatro-rodas é inaceitável.
Fica aqui minha opinião.
Não deixe de preservar a história automobilística, mas tenha bom senso.

VELOZ-HP
VELOZ-HP
16 anos atrás

Meu amigo kamarada, boa tarde.
Esse texto seu é maravilhoso. Só quem tem educação, cultura e amor no coração sabe fazer coisas assim. Eu tenho essa revista em que foi publicado esse texto e na época mostrei a todos os babacas tecnológicos automobilistas do escritório e desafiei a todos escreverem algo a respeito de suas máquinas “tecno-botoeiras-eletrônicas”. Nem preciso dizer aqui o resultado desse desafio. Só pude lastimar por eles o triste mundinho tecnologicamente vazio em que vivem, e agradecer a Deus pelas grandes alegrias motorizadas que me deu e que posso lembrar e me orgulhar delas.
Pobres robozinhos de carne, osso e fios.
Grande Flávio, rumo à Academia Brasileira de Letras. ( E àquele medonho fraldão. Credo).

Bianchini
Bianchini
16 anos atrás

Sandro, bem vindo ao rol de proprietários de Monza! Tenho um SL/E 90 (último ano antes de vir o Tubarão), e não troco por essas coisinhas modernas cheias de frufrus. Apenas gostaria que o meu tivesse ar condicionado (você já deve ter percebido que o Monza é um carro quente em seu interior). Quando tiver tempo, dê uma olhada no site do Clube do Monza (www.monzaclube.com), será bom vê-lo nos encontros.
FG, é claro que esse texto faz sucesso em fóruns de internet, provavelmente é um dos melhores que você escreveu! Eu colocaria esse texto na lista dos seus 10 melhores.

Sandro L. Neto
Sandro L. Neto
16 anos atrás

Texto perfeito.

E o meu irmão fala que eu sou loco por conversar com o apollo.

Sandro
Sandro
16 anos atrás

Assim como o Ariquemes fui influenciado por vc e comprei um monza hatch 82, qdo tinha 10 anos achava o carro o maximo, então hj realizei o sonho de infancia posso dizer assim e de quebra fiz meu pai comprar um fusca q estamos reformando.

Belair
Belair
16 anos atrás

A ultima linha diz TUDO.

Arquimedes
Arquimedes
16 anos atrás

Putz… texto fantástico. Graças a você e que entrei nessa onda e acabei comprando um Fusca 66. Tem muita coisa pra fazer no carrinho mas, eu o adoro. Textos como esse me fazem ter mais orgulho do dinheiro “gasto” até agora com ele.

Marcelo Dias
Marcelo Dias
16 anos atrás

O melhor texto que já li aqui…
Tenho muitas saudades de todos os bons carros e boas motos que já passaram pelas minhas mãos…
Quando tenho oportunidade de vê-los com seus novos donos, até dá um aperto no coração…

Antonio Augusto Brag
Antonio Augusto Brag
16 anos atrás

Valeu FG…
Escrevemos juntos? Também sinto o mesmo quando estou em meu MP Lafer (Maria Paulina)…

AlexandreQuaker
AlexandreQuaker
16 anos atrás

Tenho um Suzuki Swift com todas essas viadagens mas tenho o mesmo tipo de amor por ele. As maiores diferenças é que se pifar a injeção, melou, e que ele deixou de fumar no fim do ano passado… mas ele não tem valor comercial e não penso em trocá-lo. Ele não é um senhor de 40 anos mas já é adolescente, tem 16. Pra mim, ele tem alma. E, também, tem nome de mulher, Suzi, como a falta de imaginação exige. hehehe)

Abraço !

Samuel - Puma GTI
Samuel - Puma GTI
16 anos atrás

Parabéns novamente, Flavio. O Felipe e a Jane ( nossos VW Sedan 1300 L 76, e Puma GTI 80 ), nomes carinhosos dados pela Maria Helena, minha esposa, mandam abraços pros teus carros e para os amigos-carros de nossos amigos blogueiros. Nossos carros têm alma, conversam conosco e conquistaram devagarinho nosso filho Rodrigo. Difícil só é passear com eles – todo mundo quer conhecê-los e daí eles ficam todos vaidosos… Grande abraço.

Marcao Fioretti
Marcao Fioretti
16 anos atrás

Grande texto, Flavio!!!!
Coloca em palavras o que eu sinto pelos meus carros…. carros antigos, em algum momento, passam a ter quase que vida propria, com historia, personalidade….
e como vc mesmo disse, hoje eh sabado, dia de lavar a turma!!!!
Abs

Romeu
Romeu
16 anos atrás

Esse seu texto é um primor.
E eu fui um dos que andou espalhando ele por aí.
Exprime exatamente o pensamento dos apaixonados por automóvel.
Eu estou falando de automóvel de verdade, não essas…bem deixa pra lá.

Manoel
Manoel
16 anos atrás

É verdade, dias desses vi um Citroën 2CV a passar e não pude conter um sorriso…

reginaldo Nat Rock
reginaldo Nat Rock
16 anos atrás

É a poesia concreta do sentimento que temos pelas nossas “velharias”
Todos os meus carros tem ou tiveram nome. è já uma tradição.
Troquei o carro da minha mulher esses dias, não tão cheio de fru-frus que ela não gosta e tive que brigar na concessionária para eles tirarem o filme que eles dão por cortesia. Ela odeia carro filmado e, quando fui dar uma olhada na usininha, fechei o capô irritado. Não tem nada conhecido por lá…
Quando perguntei a ela como iria batiza-lo, disse-me que é tão sem sal apesar de bonzinho como máquina, que o máximo que pensou foi num “zé” pq nem um nome merecia. Não tem “alma” – disse.
Até o ‘mané’ (nosso legítimo vira-lata) babou no banco, coisa que nunca fez nos outros. Vai entender…
Concordo plenamente.
Belo texto FG.

Luiz Augusto
Luiz Augusto
16 anos atrás

costumo dizer que meu carro é uma maquininha de entortar pescoço, onde passo quase todos torcem o pescoço pra acompanhar o barulho e o cheiro de oleo 2T e quando paro essas estorinhas e sorrisos são inevitáveis. Parabéns FG pelo brilhante texto.

Pé de Chumbo
Pé de Chumbo
16 anos atrás

Lendo seu texto, pareceu-me estar lendo meus próprios sentimentos.

Lucas Carioli
Lucas Carioli
16 anos atrás

É, realmente um texto brilhante.

Eu tenho costume de buzinar para os carros que gosto. Esses dias vi meu ex Kadett com seu novo dono que cuida tão bem quanto eu cuidava. Não resisti e dei uma buzinadinha. E ainda falei para o meu carro: esse é um velho amigo, cumprimente-o!

hahaha!

Jeffer Arduino
Jeffer Arduino
16 anos atrás

Parabens pelo texto relamente vc consegiu sintetizar o prazer de um dirigir um antigo, tenho 2 e um moderno (pratico) mas prazer de dirigir so com o Corcel e o Fusca, e com Kombi que pretendo por para rodar em 2008.

Adriano Silva
Adriano Silva
16 anos atrás

Tenho um Uno 93 Eletronic, carburado. Não é nenhum clássico antigo, também não é a última maravilha tecnológica. Está assim meio “no limbo”. :-(

Diego Llopis
Diego Llopis
16 anos atrás

Adorei o texto. Isso me deixa mais orgulho da minha Puma GTS 78…

Tiburcio de Minas
Tiburcio de Minas
16 anos atrás

parabens