O SAPATO DO DEBATE
SÃO PAULO (e basta por hoje) – O relato que segue é a mais pura expressão da verdade. Preparava-me para o debate no aconchego de meu lar e como não gosto de chegar muito cedo a lugar algum, calculei, com razoável margem de segurança, que se saísse de casa às 14h estaria no iG às 14h30, meia hora antes, portanto, da abertura da contenda. Assim, por volta das 13h45, com alguma folga, fui em busca da indumentária necessária e encontrei meu terno risca-de-giz comprado não sei quando no calçadão de Nice depois de um GP em Mônaco, terno este que fica acondicionado no fundo do armário lateral junto com a camisa apropriada, adquirida no mesmo local, e a gravata cinza chumbo da grife italiana Carlo Colombo, grife que não sei se é boa, mas a gravata é, esta, por sua vez, comprada há alguns anos na Tie Rack de Heathrow quando eu esperava um BA para não sei onde e não tinha o que fazer, então comprei uma gravata.
Os quatro itens — camisa, calça, paletó e gravata — encontravam-se em bom estado de conservação e prontos para o uso, porque minha diligente governanta costuma guardar essas coisas com um plástico por cima. Faltavam apenas os sapatos, e como não achei a opção #1, um simpático pisante que adicionei à pequena coleção numa sapataria de Bolonha em frente ao cara que vende pizza em fatias, recorri à opção #2, o Clarks básico comprado em Northampton há muito tempo sob a garantia do meu amigo Cláudio Tognolli que os Clarks são os melhores sapatos do mundo, duram a vida inteira.
Coloquei o Clarks e deixei a gravata para depois e às 14h, pontualmente, estava no elevador para pegar o carro e seguir para o debate. O carro, autêntico exemplar da gloriosa indústria soviética, pegou de primeira, como sempre, e saí para a brilhante e luminosa tarde de inverno da capital, que tem tido lindas tardes luminosas e brilhantes ultimamente.
Decidi fazer um caminho alternativo contornando o quarteirão para cruzar a grande avenida em semáforo menos demorado, mas quando me aproximava da esquina, ao acionar o pedal da embreagem para engatar a terceira marcha, longa e muito adequada para o trânsito de São Paulo, talvez o esforço tenha sido excessivo. O Clarks rasgou do bico ao calcanhar. Sua costura não suportou o passar dos anos, o que desmente a tese de meu amigo Tognolli, ele não dura a vida inteira porra nenhuma, e exclamei, com muita propriedade: “Caralho, fodeu!”.
Em certas ocasiões, não há mais nada a dizer, como se sabe, e é preciso ser rápido nas decisões. Eram 14h05. Pode parecer história de sapateiro, mas a sola do Clarks descolou-se de seu corpanzil de couro preto exatamente diante de uma loja de sapatos, o que me pareceu um sinal de que tudo daria certo. E, incrivelmente, havia uma vaga bem diante da porta, o que me deu a certeza de que o problema inesperado seria resolvido com facilidade, apesar do tempo exíguo.
Estacionei e adentrei a loja dizendo apenas ao primeiro vendedor que tinha cinco minutos para comprar um sapato, não mais do que isso, e que ele me trouxesse qualquer coisa razoável, desde que fosse rápido. Uma força-tarefa se formou e o vendedor que parecia mais experiente compreendeu a urgência da situação, dirigiu-se a um outro, tentou organizar a bagunça e ordenou: vá lá em cima e traga todos os 43!
Eu calço 39, e naturalmente um 43 me parecia um erro claro de avaliação do vencedor experiente, por isso perguntei um tanto assustado se ele não poderia me trazer um 39, meu número, e aí veio a má notícia. A loja era, é, especializada em tamanhos grandes, a partir do 43. Temos até 54, me assegurou o vendedor experiente, orgulhoso, claro, da capacidade que seu comércio possui para atender até os pedidos mais irreais de jogadores de basquete e travestis, aliás, havia um muito grande na loja, travesti, não jogador de basquete, e isso há mais de 40 anos no mercado.
Caralho, agora fodeu mesmo, foi o que pensei, e tive de interromper aquela que seria uma interessante explicação sobre a história do fundador da loja, Sr. Eurico, e pedi para o outro vendedor, o menos experiente, que trouxesse qualquer coisa, do menor tamanho possível. O rapaz foi rápido, devo admitir, e voltou com meia-dúzia de caixas dos tamanhos 41 e 42 que sobraram de algum estoque, a maioria muito feia, mas vi um que me pareceu bom o bastante para aquela situação, nem ficou tão grande assim, afinal, tirei o Clarks, coloquei aquele mesmo, paguei com o cartão de crédito e consegui sair da sapataria às 14h17, tendo gasto, portanto, 12 minutos na operação, o que deve ser alguma espécie de recorde.
Quando já entrava no carro, o vendedor mais experiente ainda veio correndo lá de dentro, preocupado, perguntando “e a gravata?”, e eu tive tempo de responder que alguém me ajudaria a dar o nó, que não se preocupasse, e que mandasse um abraço ao Sr. Eurico, agradecendo por tudo.
Cheguei ao iG às 14h31 e o resto foi tudo bem.
Foi tudo bem mas bem que poderiam ter arrumado um banquino pra vc ficar, digamos, um pouco mais alto, rsrsrs.
Sra. Soninha, Srta Soninha, ou apenas Soninha, vc não sabia como agradar a chefe? rsrs
Abs e parabéns pelo trabalho bem feito!
Até que enfim encontrei parceiros do Clã dos Clarks.
Uso há mais de 20 anos, desde a época que morava na alemanha, um deles durou quase 15 anos, confortabilíssimo, parecia que eu estava descalço. Hoje tenho 4 pares distintos, à toda prova, que continuam me dando muito prazer em caminhar.
Muito boa essa!!!
Vendo você todo arrumadinho no debate, não dava pra imaginar que passou por todo esse “aperreio”, como se diz aqui na minha terra.
Meu pai passou por algo semelhante no dia do casamento, aliás, horas antes do casório. Engraçado é que nas fotos em que ele está ajoelhado na igreja durante a cerimônia, vê-se claramente, na sola do sapato, o adesivo indicando o número do calçado.
Beijos!
Alguém aí falou em DESEMBRAIO? Isto é uma pérola da literatura automotiva!
Li esse texto às 4 ou 5 da manhã e não deu prá segurar, dei muita risada por aqui. Difícil será explicar aos vizinhos a razão das boas gargalhadas em plena madrugada. Eles devem imaginar que tem um doido morando ao lado. Só tem um jeito; vou recomendar a eles que leiam também as suas colunas. Valeu Flavio, essa foi muito boa.
Essa lembrou o Diários de Viagem. Vou correr lá na prateleira e dar uma lida em alguma do Boto do Reno pra matar a saudade… Realmente, a nossa vida nos apronta cada uma que somos capazes de imaginar o Carlitos como protagonista da história!!!
Já pensou o Maluf recomendar um Vulcabras 752 pro Flávio no meio do debate? (Os que tinham mais de 12 anos em 1980 devem se lembrar da propaganda que ele fazia).
Também pudera: este par de sapatos era da época em que o corinthians participava da pprimeira divisão do camppeonato brasileiro.
faz tempo….
Estou só imaginando a delicadeza que é pisar na embreagem de um ‘Lata’. Arrebentou um Clark. Galera, um Clark, sapatos feitos para durar para sempre. rs
Por isso que os russos usam cuturnos, só isto consegue resistir à algo que já é resistente por si só. Diz a lenda que baratas e Ladas sobrevivem à qualquer interpérie que aconteça no planeta. Acredito.
Nipo-Luso, vc é o estagiário que trabalhava no Garagem?
Fabio Nipo-Luso. Lingua presa. hahaha
nao existe sapato que suporte uma pressao constante que e pisar pra debrear o canino siberiano
ou coturno militar ou um 752 xulezento e que estarao aptos a tal esforco
jc sete lagoas
Caro Flávio, muito boa sua estória.
Sobre o debate duas opiniões: 1 – o Maluf quer colocar uma laje sobre o rio tietê pra passar carros por cima. Muitos eleitores gostariam de colocar uma laje sobre o corrupto cidadão e passar o carro por cima. 2 – com Maluf ao seu lado, sua carteira permaneceu com você o tempo todo ou deu falta da mesma ?
abs
Genial!!!
O comentário, na hora do fatídico acontecimento – garanto que pronunciado com polida educação britânica – foi a parte mais engraçada do ‘causo’. Imagino a cena e sua cara, ao deparar com tudo isso…rarara, comecei bem o final de semana, rindo bastante…
A Casa Eurico é da família de uma amiga minha, mas é a primeira vez que leio um relato de alguém que tenha comprado algo lá. Sensacional, Flavio. Mas, cá pra nós, como é que você foi acreditar numa indicação do Tognolli?
Passei por algo parecido. So que no meu caso o sapato era um Opanankem (bem mais proletario que o seu) e eu ia para uma inadiavel reuniao em um cliente que prometia ser bem nervosa e tensa. No meio do caminhao ao ptrocar uma marcha de minha gloriosa Grand tour, senti um friozinho atipico no pe….O danado se desmanchou…inteirinho! Cara de pau e sem alternativas..fui a reuniao com a Lupo preta mesmo, fato que ajudou a “tensao” da reuniao que acabou bem…. mas foi inesquecivel. Grande abraço a todos.
Muito bom!
Já ‘me ferrei” várias vezes por calçar 38/39.
Abraço ao Srº Eurico foi a melhor!!
12 minutos?! Fly-lap, the best in all sectors…
Sapato velho e carro velho é assim, se não usar estraga.
Sensacional a narração, duro é segurar as risadas no ambiente de trabalho. Quando fico com a mão na boca e vermelho, a galera já sabe que estou com alguma sacanagem no monitor.
FG, como foi a sensação de estar em um habitat tão contaminado, como neste debate? Se juntarmos as pendengas judiciais da galea que compareceu, dá pra fazer um best seller sobre corrupção.
Vitor, o de Recife, ele já publicou essas pérolas! Estão num livro chamado O Boto do Reno!
Mas se você não estiver a fim de fomentar a leitura e o hábito de carregar livros pro aí, veja os Diários de Viagem no http://www.grandepremio.com.br !
Abraço!
Clarks duram a vida inteira? Nem f”%¨&*$#@odendo!
Tive dois, um preto que durou exatos cinco anos e abriu todo que nem o seu. Depois um marrom, que aconteceu a mesma coisa, também com cinco anos. Ou seja, duram a vida inteira de alguém que só tenha cinco anos pela frente.
Saudades do Vulcabrás!!!
kkkkk….Relato digno p/ última página da VEJINHA.
hehehe
RESPOSTA DO FG
Vejinha? Poupe-me…
hahahaha.. Uma operação dessa merecia no mínimo que a direção de TV do debate desse uma focalizadinha no sapato do Sr. Eurico… abs
É que o desembraio do bicho é suave, suave !
ONE COMENT: ahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahah…!!!
FG,
quando vc está de bom humor é impagável. Ótimo texto!
Pergunta básica, ele era do século passado?
Agora, coitado do Tiête e do Pinheiros, viraram cabos eleitorais.
O que mais adimiro no FG é sua coragem….perserverança….com horário marcado e com vários veículos confiáveis(VW a ar)ele me sai com o que mais poderá atrasar o compromisso….com chance de 80% de quebra….
Vamos tomar conhaque Cerega???Aqui tá frio demais…..
Se fosse um sapato feito para cerimônias no Kremlin não teria rasgado… Parabéns pelo texto!
Entre uma risada e outra, estou até agora tentando concluir se você teve sorte ou azar.
É isso que acontece quando alguém usa um sapato de fresco para pisar na embreagem possante Lada. E ainda para ir fazer debate eleitoral. Toda a traição ao regime soviético será castigada!
1. Se eu fosse morador da capital, votaria no Geraldo. Nunes.
2. As fotos do debate deixam claro: FG estava com sapatos maiores.
3. ( sobre o texto ) Anti-Lei de Murphy: quando tem que dar certo, dá.
E aí, falta um relato de como foi trocar cumprimentos e sorrisos com o nobre e avacalhado prefeito-quibe. E, claro, com o Maluf.
A história ficaria bem mais vibrante se você contasse que não teve jeito, sapataria que encontrasse, mas fora salvo por um velho par de chinelos de couro esquecido no porta-malas do seu glorioso veículo, e que fez o debate assim mesmo!
Muito bom, Gomes!
Me divirto lendo esses seus relatos extraordinários… hahaha!
É… pelo menos um veículo da grande indústria soviética teve alguma função: descobrir que o sapato não aguenta o tranco que é dirigir isso, hehehehehe…
Bom, podia ter sido pior, como o carro em questão ter feito das suas e deixado na mão…
Hahahahahahahaah Genial…..estou imaginado a cena do couro nobre inglês com aquela coisa metálica cheia de rebarbas russa….
Aqui na Sibéria não tem Clarks……brrrrrrrr
39? isso é pé de moça…
e viva a industria nacional
hahahahahaha.
Essa foi demais, Fla!!!
Estou rindo sem parar!
Fiquei imaginando cada detalhe, cada minúcia, hehehe.
Adoro essas histórias!
Vamos rir, minha gente! É de graça e só faz bem!
Esse seu amigo Tognolli é um fanfarrão!
Clarks: os melhores sapatos do mundo?
Era primeiro de abril quando ele te relatou isso? rsrsrsrs.
Fla, você falou da indumentária e tal, mas não foi completo na descrição. E a cuequinha e meias? Estavam 100%?
Então quer dizer que você parou na loja do Sr. Eurico?
Realmente, lá esses são muito atenciosos.
Às vezes me socorro de suas mercadorias.
Não que eu seja jogador de basquete ou travesti (talvez um meio-termo disso), mas é que calço 44, 45 por aí.
Bitoquinhas e adorei a história.
Nick B.
Flavio, vou usar esse ocorrido no treinamento de vendas que a Honda está realizando em Porto Alegre, isso é que é atendimento!!!
Abraço
HAHAHAHAHAHAHAHA!!!!!!! Você deveria publicar essas pérolas!! Muito bom!!
Fala Flávio! Lembrou os diários de viagem que tanto fazem falta. Muito bom.
que aperto hein?
Gomes,
quando escreves cronicas como esta, estás no teu habitat perfeito. Delicia de se ler, acompanhada por boas gargalhadas.
Porque não publicas uma coletânea das tuas crônicas?
Aconteceu comigo no fim do ano passado, na apresentação do Ballet da minha sobrinha.
Tinha um Pipper comprado no shopping D em 2004, lembro me do vendedor:
-” Ah! esse sapato é muito bom, é muito confortável”.
Realmente era confortável, mas por sorte os sapatos arrebentaram entre a saída do ballet e o restaurante, por que só percebi na saída do restaurante.
O sapateiro me disse depois, que sapato que fica guardado muito tempo resseca a borracha da sola.
E a trilha sonora?
Era a mesma de Missão Impossível ou a do Indiana Jones?
Ou seriam as duas?
Só para esclarecer! Calço 45, mas nada tenho a ver com travestis, apesar de ter mais de 40 anos de mercado.
Abraço.
Moema. Você mora em Moema. Calçados Eurico.Conheço o lugar. No último GP Brasil fiquei hospedado em um Hotel ao lado desta loja. Calço sapatos grandes, mas não encontrei nada de meu agrado na referida loja, que é referência nacional em calçados de numeração grande. Neste caso, calculo a estranhesa dos atendentes ao vê-lo entrando nesta loja com sua grande estatura. Porém, apesar dos calçados, estavas muito elegante na condução do debate. Parabéns pelo desempenho.
Flavio, voce ja declarou não gostar da conjunção de letras que demonstrem algo alegre, mas dessa vez, não teve como:
HUAUHAUHAHUAUHAUHAUHA….
demais..ahahahahah….
mas como disseram, precisa publicar a prova ( o clarks dechapado)….
Esta daria um ótimo filme curta metragem, me diverti!
E que atire a primeira pedra quem já não passou por algum perrengue deste tipo…