MONACOU (2)

SÃO PAULO (reagiu) – Era esperado, apesar do couro que a Ferrari tomou em Barcelona. Mônaco é a chance que a equipe tem de responder rápido às três vitórias seguidas de Max Verstappen justamente por ser uma corrida fora dos padrões normais. É pista de rua, vão bem os carros que têm boa tração e saltam sobre as zebras com garbo e elegância, não precisa de muita eficiência em curvas de alta — porque elas não existem –, e se o piloto é esperto em classificação, como Leclerc, uma pole não chega a surpreender.

Charlinho, que lembra muito o Joventino (se vocês não sabem do que estou falando, relações cortadas), fez a quinta pole dele no ano e 14ª na carreira. São cinco em sete etapas — o bastante para afirmar que o menino é bom nesse negócio de fazer voltas rápidas. Em Mônaco, onde nasceu, pole-position ajuda bem. Mais ainda porque seu companheiro de equipe, Carlos Sainz, o Desafortunado, está em segundo no grid. Se tudo der certo para os vermelhos, o espanhol será um escudo para o vice-líder do campeonato.

Mas vamos logo ao grid:

Vê-se que a Red Bull forma a segunda fila, com a novidade da presença de Pérez à frente de Verstappen. Desde ontem o mexicano tem conseguido fazer tempos melhores que o holandês, que ainda não se achou nas ruas de Monte Carlo. Mas na sua última tentativa no Q3, Max não teve a chance de bater o companheiro. Porque o companheiro…

…o companheiro bateu!

E bateu a 34 segundos do fim da classificação na entrada do túnel, e como foi tudo muito rápido, Sainz, que vinha atrás, viu a bandeira amarela, socou o pé no freio, rodou igual e bateu em Pérez. Foi tudo de leve, mas o suficiente para atrapalhar as melhores voltas dos outros dois carros da Red Bull e da Ferrari.

Max, como de hábito, xingou muito pelo rádio e teve de se conformar com o quarto lugar no grid, 0s290 atrás de Leclerc — que tinha feito 1min11s376 na sua primeira e excepcional volta no Q3 e vinha ainda mais rápido na sua segunda tentativa.

“Agora, só se chover para eu ter chance de alguma coisa na corrida”, falou o líder do Mundial, desanimado com o desempenho de seu carro e pistola dentro do macacão porque não conseguiu um lugarzinho pelo menos na primeira fila. Ele sabe que com Sainz de anteparo vai ser difícil lutar pela vitória com Leclerc. Pérez também está à sua frente no grid, mas teoricamente não vai se interpor entre o #1 e a dupla da Ferrari.

Teoricamente.

Quando Verstappen fala de chuva, não está só olhando para o aplicativo de seu iPhone. Os serviços meteorológicos contratados pela F-1 indicam que a chance de água é boa, 80%, e isso anima muita gente. Todos que estão atrás da Ferrari, para dizer a verdade. Porque só Leclerc e Sainz querem pista seca amanhã, a única forma de o GP de Mônaco ser disputado sob razoável previsibilidade. Com chuva, tudo que se espera é o caos. E o caos não interessa nada ao time vermelho.

Leclerc foi o mais rápido em quase todos os treinos em Monte Carlo (a exceção foi o terceiro treino livre, com Pérez na frente) e na classificação também ficou em primeiro no Q1 e no Q2. É um daqueles domínios que tendem a ser coroados com uma vitória. Contra ele pesa uma incômoda maldição de Mônaco, já que nunca terminou uma corrida lá — nem de bicicleta, a pé ou de autorama. Foram dois abandonos na F-2 em 2017 e três na F-1 em 2018, 2019 e 2021. Ano passado, também fizera a pole, mas bateu no fim da classificação, afetou o câmbio — que não foi trocado — e quebrou a caminho do grid.

Por mais que Sainz não queira, vai ter de trabalhar para Leclerc na corrida. Pelo menos no início, abrindo os braços para que ninguém da Red Bull possa ultrapassá-lo para deixar o parceiro tranquilo lá na frente, sem ter de se preocupar com nada além do preço do quilo do escargot nos mercadinhos da cidade.

A terceira fila ficou com Norris e Russell, dois jovens ingleses egressos da F-2 que terão atrás deles Alonso e Hamilton, dois veteranos egressos da era Paleozoica. Vettel e Ocon formam a quinta fila. Foram os dez que participaram do Q3. Vale anotar aqui as diferenças que o implacável cronômetro registrou entre alguns deles e o pole: Hamilton, 1s184; Alonso, 0s871; Russell, 0s736.

A Mercedes está longe, como se nota. Bem mais do que desejava depois da boa participação de seus dois pilotos em Barcelona, domingo passado. Mas também não é para se desesperar. Mônaco não oferece diagnósticos definitivos para carro algum. A equipe prateada sabe que os resultados das atualizações que levou para a Espanha só serão visíveis em pistas mais convencionais. Nas ruas de Monte Carlo não para testar nada — exceto a paciência dos pilotos.

Já que começamos de trás pra frente, com o Q3, eis o que que aconteceu no Q2: Tsunoda, Bottas, Magnussen, Ricciardo e Schumacher foram os eliminados. O australiano da McLaren vai ficando cada vez mais sem defesa. Norris, no mesmo Q2, ficou em quinto. A diferença chega a ser constrangedora. Foi nessa parte da classificação que dois pilotos, Leclerc e Pérez, conseguiram entrar pela primeira vez no dia na casa de 1min11s. A pole de Charlinho em 2021, só para lembrar, foi registrada em 1min10s346.

Quem mais festejou a passagem ao Q3 foi Vettel, da claudicante Aston Martin. Afinal, seu companheiro Stroll tinha empacado já no Q1, com a 18ª posição no grid. Junto com ele a degola mandou para o chuveiro mais cedo Albon, Gasly, Latifi e Zhou.

Da turma eliminada no Q1, surpresa foi ver o francês da AlphaTauri fora. Ele não conseguiu abrir sua volta rápida nos últimos segundos do segmento. Isso porque, antes, uma bandeira vermelha causada por um toque do companheiro Tsunoda na saída do túnel — nada demais, ele conseguiu voltar aos boxes e ainda passou ao Q2 — interrompeu a sessão. Foi justo quando Pierre buscava seu tempo. A paralisação deixou muitos pilotos com pouco tempo para sair dos boxes e abrir volta nos pouco mais de dois minutos que restavam da sessão. Pierre chegou a ir para a pista. Mas antes de disparar o cronômetro as luzes vermelhas se acenderam e ele ficou com o que tinha — insuficiente para avançar.

Não adianta fazer grandes previsões para a corrida de amanhã por causa da possibilidade de chuva. No seco, como sonha a Ferrari, Leclerc leva se nada de muito esquisito acontecer — a batida de Pérez hoje na classificação é uma dessas coisas esquisitas que podem acontecer mesmo sem pista molhada.

Em condições normais, é corrida para uma única parada nos boxes, o que também limita bastante as estratégias. Safety-car é sempre uma possibilidade. Alguns aproveitam, outros menos. Enfim, clichê dos clichês, tudo é possível. Em 1996, se vocês se lembram bem, Olivier Panis largou em 14º e ganhou. Só três carros viram a quadriculada. No ano passado, em compensação, não aconteceu nada de muito marcante, exceto uma porca emperrada na roda de Bottas num pit stop que levou uma semana para ser removida. Verstappen ganhou de ponta a ponta bocejando.

O negócio é esperar amanhecer na Côte d’Azur, olhar pela janela e descobrir se dá praia ou não.