GRANO DURO (1)

Sainz na frente: só para animar a torcida…

SÃO PAULO (vale tudo) – Antigamente, quando chegava o GP da Itália, a gente sabia que a Ferrari, nos treinos, iria andar bem. Brincávamos, na época, que os caras usavam gasolina de avião, nitroglicerina, motores com dois cilindros a mais, carros mais leves, tudo fora do regulamento. Só para animar os torcedores e vender mais ingressos para a corrida. Claro que era só piada recorrente, e nem tinha tanta graça assim. Mas os jornalistas italianos se divertiam com a gente.

Bom, hoje começaram os treinos em Monza e deu Ferrari em primeiro, com Carlos Sainz. Se estivéssemos lá, faríamos as mesmas pilhérias para dar algumas risadas antes do jantar. Mas amanhã tudo volta ao normal.

Normal como foi esta sexta-feira, apesar do P1 de Sainz. Como é fim de semana de alocação restrita de pneus (duros para o Q1, médios para o Q2 e macios para o Q3), novamente pilotos e equipes economizaram nas voltas para não gastar o que têm à disposição.

Os tempos do segundo treino: nada de muito especial

A tabela de tempos da segunda sessão livre está aí em cima. Monza não tem muito mistério. Arranca as asas e acelera. Hamilton fez o contrário, a Mercedes experimentou um acerto com mais carga aerodinâmica para andar bem nas curvas e deu errado. Amanhã, de contrato novo, ele volta à configuração mais apropriada.

Verstappen disse que na classificação a Red Bull tem mais a tirar — especialmente do motor, ligando a chavinha que acende a bagaça. Alonso pediu desculpas ao público por ter dado poucas voltas, culpando a regra dos pneus. Pessimista, Norris falou que o resultado foi melhor que o desempenho, e que a McLaren está mais atrás da Ferrari do que indica a tabela de tempos. Pérez, que rodou, garantiu que está vivendo seu melhor fim de semana em muito tempo.

Mas notícia, mesmo, teve de manhã. Alguns torcedores estenderam essa faixa aí para apoiar o pleito de Felipe Massa, que pretende ser proclamado campeão mundial de 2008 depois de 15 anos. Todos já sabem do que se trata. Bernie Ecclestone deu uma entrevista em março dizendo que no fim daquela temporada já sabia que Nelsinho Piquet tinha batido o carro de propósito no GP de Singapura para favorecer seu então companheiro Alonso, da Renault. Mas o caso só se tornou público em 2009. Como Massa se deu mal naquela corrida, quer que ela seja anulada por considerá-la “manipulada”. Assim, Hamilton perderia os pontos conquistados com o terceiro lugar e o brasileiro ficaria à sua frente na classificação final, conquistando o título.

É um despropósito, mas Massa resolveu brigar pelo que considera seu direito. Seus advogados mandaram cartas à FIA e à Liberty alguns dias atrás, avisando que o atual piloto da Stock Car iria abrir processos na Justiça. Como FIA e Liberty não responderam, outra carta foi enviada, exigindo uma posição das entidades até o dia 8 de setembro. A FIA, então, pediu a Felipe para não ir a Monza neste fim de semana — ele vai a muitos GPs. Não foi.

A faixa da foto aí em coma foi retirada da arquibancada a pedido dos organizadores. Acho errado. Se não estava atrapalhando ninguém, é censura indevida a uma reivindicação legítima, embora estapafúrdia. Os torcedores não estão pedindo para colocar fogo na sede da FIA. Apenas concordam com Massa, por mais que a batalha do brasileiro seja desprovida de lógica. Afinal, Hamilton nada tem a ver com o que fizeram Nelsinho e a Renault 15 anos atrás.

Além disso, dirigentes e equipe foram punidos na época. O piloto, não. Foi perdoado por ter denunciado seus algozes — no caso, Flavio Briatore e Pat Symonds, que comandavam a Renault. E Bernie dizer que no fim de 2008 já sabia que Piquet Jr. tinha batido de propósito não é um fato novo. Foi seu pai, hoje fiel depositário de artigos desviados do patrimônio da União, quem disse isso à FIA no fim de semana do GP do Brasil daquele mesmo ano.

O interlocutor, na ocasião, foi Charlie Whiting, diretor de prova que morreu em 2019. Ele pediu que Piquet Sr. formalizasse a denúncia. Nelson-pai não quis. Sem denúncia, nenhuma investigação poderia ser aberta. No ano seguinte, quando o pimpolho foi demitido da Renault, Piquet resolveu botar a boca no trombone. E aí a FIA investigou. Isso tudo está descrito em detalhes no relatório final da investigação.

Anular o resultado da corrida está fora de questão. Seria punir todos os pilotos que dela participaram sem ter nada a ver com a patifaria de Nelsinho, Briatore & Symonds. Se Massa e a Ferrari se atrapalharam no pit stop naquela prova, é algo que ele e a equipe podem lamentar até o fim dos tempos, mas não pode ser apagado da história. Assim como o GP, que foi cumprido até o final. No máximo, a FIA poderia, na época, cassar a vitória de Alonso — beneficiário da batida proposital do companheiro. Se tivesse feito isso, Hamilton subiria do terceiro para o segundo lugar e ganharia mais pontos ainda. Riscar o GP como se ele não tivesse acontecido nunca é algo que, claro, não faz sentido nenhum.

Agora, Drugovich.

O campeão da F-2 foi escalado pela Aston Martin para o primeiro treino livre de hoje em Monza e fez tudo que a equipe pediu a ele. Foram 23 voltas com pneus médios e, basicamente, coleta de dados. Terminou a sessão em 18º. A posição não tem a menor importância. Nesses treinos, os pilotos têm de fazer exatamente aquilo que o time solicita. É um trabalho bem específico e minucioso.

Drugovich disse à repórter Mariana Becker, da Band, que percebeu uma evolução do carro em relação ao que havia pilotado no começo do ano, na pré-temporada, e que foi interessante andar com uma configuração aerodinâmica para pistas bem velozes, caso do circuito italiano. Seus testes de fevereiro foram feitos no Bahrein, que tem um traçado muito diferente.

Calmo, concentrado, focado naquilo que a equipe queria que fizesse, Felipe cumpriu seu papel. Gosto de seu estilo tranquilo e profissional. Drugovich não fica babando deslumbrado “pela chance única que Deus me deu de guiar um carro de F-1, #gratiluz”, como os neofãs (palavra que criei agora) da categoria devem estar escrevendo hoje em suas redes sociais, como se fossem capazes de se apossar de seu corpo e alma.

Piloto pilota. Não é herói ou redentor de povos e nações. Drugovich hoje teve apenas mais um dia de trabalho na empresa que paga seu salário. Terá outro parecido mais para o fim da temporada, em Abu Dhabi. E segue buscando, claro, um lugar para correr no ano que vem. Tomara que não termine na Fórmula E. Ele está pronto para a F-1.

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Ricardo
Ricardo
8 meses atrás

Eu comungo dessa mesma “frieza” em não ver em pilotos essa coisa do herói nacional.

Mas a postura calma e na dele do Drugovitch me faz torcer para que ele tenha chance e dê certo. Parece ser um cara legal.

Edison
Edison
8 meses atrás

Com relação ao caso do Massa, ninguém teve culpa além do envolvidos na mutreta, mas a corrida foi manipulada.
Para mim é a mesma situação dos jogos do campeonato brasileiro (2005) que foram anulados por conta do juiz que estava envolvido com esquema de apostas. Os jogos foram anulados e tiveram que ser refeitos e alguns times acabaram prejudicados.
Aí que está o problema…. não tem como refazer uma corrida de um campeonato que já acabou.
Enfim, o campeonato de 2008 sempre vai ter esse *, tal qual o de 2021

Last edited 8 meses atrás by Edison
Paulo Mendes
Paulo Mendes
8 meses atrás

Piloto pilota. É bem isso mesmo. O pachequismo enche.
Sobre o bolsonarista reclamando do filho do motorista é xororô puro. Se tivesse sido melhor teria sido campeão. Simples assim

Marcus
Marcus
8 meses atrás

O que aconteceu em 2008 estaria morto e enterrado se a cúpula da época não soubesse do que tinha acontecido. Mas souberam e não fizeram o que deveriam ter feito, com ou sem denúncia do chofer. Digam o que quiserem, mas o Massa está reivindicando algo legítimo. E a F1 respondeu com censura. O que é muito esclarecedor.

O crítico
O crítico
Reply to  Marcus
8 meses atrás

Olhe, pelo seu raciocínio, a família de Senna deveria reivindicar o título de 1989, Prost deveria reivindicar o de 1990, Damon Hill o de 1994 e Lewis o de 2021. Todos teriam argumentos muito mais fortes e válidos que os de Massa, visto que seus adversários campeões estiveram diretamente envolvidos nas circunstâncias que tiraram seus títulos (sim, o de 2021 teve o chororô da RBR como influenciador na interpretação da regra no mínimo infeliz por parte do diretor da prova, claramente responsável pelo “título” do garoto enxaqueca). Já em 2008, ao contrário, Hamilton e a McLaren não tiveram absolutamente nada a ver com a presepada da Renault, na minha opinião não poderiam ser prejudicados com a retirada do título em hipótese alguma.

Marcus
Marcus
Reply to  O crítico
8 meses atrás

Não, são situações distintas. 1989, 90 e 94 envolveram apenas 2 pilotos e, sim, todos colidiram de propósito entre si. 2021 nem se compara a qualquer um dos casos, porque era um regulamento ambíguo.
2008 envolveu uma cadeia de pessoas, de forma ativa ou não. O meu ponto não é dar o título ao Massa – o que não vai mesmo acontecer. Mas sim que é legítimo ele contestar. Oras, se o brasileiro não briga, ele é um bunda-mole passivo. Se briga, é um reclamão. Pelo menos ele foi discutir algo legítimo, que o próprio FG reconhece ser.

O crítico
O crítico
Reply to  Marcus
8 meses atrás

Olhe, me desculpe mas na minha opinião você continua sem argumentos válidos. Por que o envolvimento de uma cadeia de pessoas implica em maior legitimidade, principalmente em se considerando que dentro dessa cadeia não há ninguém vinculado ao campeão (ao contrário, inclusive, de 2021, em que os áudios provam a influência do comando da RBR na decisão equivocada do diretor da prova)? Outra coisa: Massa deve contestar só por ser brasileiro e para não ser taxado de bunda-mole (o que, aliás, ele nunca foi considerado antes)? Eu, pessoalmente, consideraria um reclamão qualquer um, de qualquer nacionalidade, que reivindicasse uma coisa dessas, assim como não consideraria um bunda-mole (Massa inclusive) quem não reivindicasse. Não percebo qualquer legitimidade nisso.

Bruno Carvalho
Bruno Carvalho
Reply to  O crítico
8 meses atrás

Prost Seria Campeão mesmo sem a batida de 1989 e Senna em 1990 também…

Preto
Preto
8 meses atrás

Flavio, quando a PF cruzar a porteira da fazenda do bolsonarista Nelson Piquet, o que você acha de tocarem o tema da vitória que a globo fez pro Senna?

Carlos
Carlos
Reply to  Preto
8 meses atrás

Com a ressalva de que o tema da vitória não foi feito para Senna.

Edison
Edison
Reply to  Preto
8 meses atrás

Seria sensacional

João Pedro de Lara
João Pedro de Lara
8 meses atrás

Concordo que já passou da hora do Drugovich ter uma chance de correr num GP da F1, mas a única coisa que falta é os chefes de equipe concordarem com a gente… Até porque Stroll já foi confirmado na Aston pra 2024, Alonso também, a Alpha Tauri vai manter Tsunoda e se não reonvarem com Ricciardo, vão deixar o Lawson, os chefes da Williams não querem abrir mão do Sargeant e do patrocínio americano, o Zhou e os patrocinadores chineses devem garantir sua vaga na Alfa Romeo, e se algum desses dois saírem, vão colocar qualquer um (europeu) no lugar: Pourchaire, Mick Schumacher, Vesti, se bobear até trazem o De Vries de volta. A Fórmula E vai acabar sendo a única alternativa pro Drugovich poder competir em 2024.

Last edited 8 meses atrás by João Pedro de Lara
Jão Bom Jovem
Jão Bom Jovem
8 meses atrás

Massa tem uma certa legitimidade no seu argumento. Se não tivessem trapaceado, ele não seria forçado a entrar no box as pressas, o que possivelmente evitaria o erro da equipe. Por outro lado, anular o resultado da corrida prejudica outros pilotos que nada tem a ver com Massa ou a patifaria da Renault, incluindo classificação no campeonato, pontos, o que se traduz em dinheiro… Acho difícil anularem a corrida, mas talvez dêem um campeão simbólico ao Massa. Ou só pagam uma fortuna em compensação financeira, e todo mundo sai feliz, principalmente os advogados!

murilo
murilo
Reply to  Jão Bom Jovem
8 meses atrás

Anular Cingapura 2008 seria algo similar à anular Inglaterra x Argentina de 86.

Marcus
Marcus
Reply to  murilo
8 meses atrás

Nada a ver hein. Porque nunca se provou que o árbitro viu a mão e validou o gol.

Ricardo
Ricardo
Reply to  Jão Bom Jovem
8 meses atrás

Se a FIA der o título de 2008 pro Massa, eu vou entrar com processo para devolverem pro Hamilton por conta das 5 rodadas do Massa em 50 voltas no GP da Inglaterra.

Você não pode sair por aí choramingando por um resultado de um evento esportivo afetado pela conduta de terceiros quando não se garante e nem faz o seu.

Massinha errou muito aquela temporada toda (Austrália, Malásia, Mônaco e Inglaterra foram todas corridas em que ele cagou e perdeu pontos) e perdeu o campeonato por 1 pontinho. Se tivesse, por exemplo, tido uma atuação apagada e discreta no GP da Inglaterra, terminado ali em sexto, era campeão com ou sem Cingapura.

Entretanto, enquanto ele rodava e terminava a prova em último, o rival dava volta em cima dele e terminava a corrida em primeiro em atuação de gênio.

Carlos
Carlos
8 meses atrás

Massa está jogando dinheiro fora (e deve ser muito) com advogados em algo que não vai dar em nada.

Mas eu não concordo que seja algo completamente desprovido de lógica. Hamilton realmente não tem nada a ver com o que fizeram Nelsinho e a Renault 15 anos atrás. E Massa, deveria ter? Não é uma cruzada do brasileiro contra o britânico.

Existem aqueles que vão lembrar dos erros de Massa em Silverstone, por exemplo. Mas erros fazem parte do esporte. Erros, quebras, uma chuva na hora certa, um safety car na hora errada. Tudo isso faz parte. Já uma corrida manipulada, não deveria estar na mesma prateleira.

Porém, a maior complicação para Massa é não existir uma causalidade clara entre a batida de Nelsinho e o erro da Ferrari no pitlane (o que efetivamente acabou com sua corrida).

Ricardo
Ricardo
Reply to  Carlos
8 meses atrás

Erros fazem parte do esporte e quem erra mais tem o ônus de perder o campeonato por 1 ponto.

Você está argumentando que é legítimo dar um título mundial para um cara que nem soube garantir o seu. Se ele tivesse feito uma corrida apagada, medíocre, bem ruim, na Inglaterra e terminado em oitavo, teria sido campeão do mundo.

No entanto, considerando o GP da Inglaterra (e deixando Austrália, Malásia e Mônaco de lado – todas provas que o Massinha cagou e perdeu pontos), terminou retardatário do Hamilton, que venceu a corrida.

E eu acho muito engraçado o argumento de que o bosta do Piquet bater num muro de propósito causa a Ferrari fazer cagada no pitstop. Não tem como provar que a Ferrari não fosse cagar o pitstop se não tivesse rolado a cafagestagem do Nelsinho no fim das contas.

Chupez Alonso
Chupez Alonso
8 meses atrás

Grana dura vai gastar, e não vai dar em nada.

E domingo teremos la decima.

Vai ser massa!

Thiago Fernandes Lima
Thiago Fernandes Lima
8 meses atrás

Esse negócio do Massa… O ser humano, e me incluo nessa, tem uma tendência natural de olhar para fora como primeira reação ao se buscar justificativas. É difícil ficar atento e evitar esse viés de pensamento. Nesse caso do Massa, onde faltou pontos para ser campeão, primeiro a culpa é da a Renault, da FIA, do Briatore, do Nelsinho… Depois tem a culpa da Ferrari, com o lance da mangueira em Cingapura mesmo e o motor que quebrou na Hungria… Mas os pontos perdidos em Silverstone, onde a responsabilidade é só dele por ter feito uma corrida pífia, rodando 5 vezes, isso se esquece.

Igor
Igor
Reply to  Thiago Fernandes Lima
8 meses atrás

Sem querer polemizar demais, mas o “se” não entra em campo. Cada corrida teve sua história e já passou, e os pontos perdidos foram do jogo, por erros, barbeiragem, o que quer que seja.
Mas Singapura tem uma questão antidesportiva clara, então não há como comparar com questões de corrida. Mas antes de reclamar, não estou aqui defendendo a revisão do título, já que os outros não tem culpa da confusão da Renault e eliminar a corrida não faz sentido, como o Flavio já argumentou.
Apesar de quê, usando o “se” de novo, se não houvesse o safety car causado pelo Nelsinho, será que o Massa carregaria a mangueira? Nunca saberemos…