PARQUE DE DIVERSÕES

Por RODRIGO BORGES*

— O que você espera do Rubinho ano que vem?

— Eu não espero nada. Nem dele, nem de piloto nenhum

Foi uma resposta que me ensinou um bocado. Depois de uma hora naquele escritório de 28 metros quadrados na avenida Paulista, Flavio Gomes me disse nas entrelinhas que jornalistas não torcem por piloto nenhum. Era 1996 e eu era um estudante de jornalismo encerrando o segundo ano da faculdade. E aquela sala era um sonho pra mim.

Foda-se a Disney, que nunca havia me interessado. Aquela sala era o verdadeiro parque de diversões. Um monte de revistas de carros e de corridas, miniaturas de Fórmula 1 e outras categorias, quadros na parede com matérias publicadas pela rede de jornais da Warm Up, outros com artes de GPs clássicos. Ao fundo, um mural com dezenas de credenciais. Dois computadores e o notebook do Flavio, uma poltrona amarela.

Saí daquele escritório-redação certo de que eu realmente queria trabalhar com esporte, como sonhava desde que tinha 9 ou 10 anos. E queria ter a chance de me envolver com automobilismo.

Menos de um ano depois eu entraria pela primeira vez em uma redação para trabalhar. Havia sido aprovado em um longo processo de seleção para integrar a equipe que colocaria nas ruas um novo jornal. Era o “Lance!”, que foi às bancas em outubro de 1997. Um dia, um dos meus editores, o Marco Antonio Catai, me chamou para avisar: “Olha aqui, você vai ser o responsável por cuidar do material de Fórmula 1 que o Flavio Gomes vai mandar pra gente, você acha que é capaz?”. Eu disse que sim cheio de felicidade e ao mesmo tempo borrando a calça, porque, cazzo, eu vou cuidar dos textos do Flavio Gomes? Catai, que adorava zoar a molecada da redação, sentiu o cheiro de merda de quando borrei as calças e aproveitou pra sacanear: “Olha, o Flavio costuma pedir a cabeça de quem fode os textos dele”.

Flavio nunca pediu minha cabeça, porque aquilo era mentira, e acabamos nos tornando colegas próximos. Nos encontramos em entrevistas coletivas, almoços de pilotos com a imprensa e no primeiro GP do Brasil que eu cobri como jornalista credenciado, em 1999. Em Interlagos, perguntei a ele como deveria agir com os pilotos e Flavio me deu uma dica preciosa. “Pergunte o que quiser e eles respondem se quiserem. E quem não responder é palhaço, foda-se”.

Foi um período divertido, aquele. Saí do “Lance!” em março de 2000, fui ter meu primeiro “emprego digital”, depois abri uma pequena produtora de conteúdo, que fechou. Sem emprego, mandei um e-mail pro Flavio. “O Fábio Seixas me falou que tem vaga aí. Se for verdade, tô interessado”. A resposta foi: “Borges, aparece aqui na segunda-feira, 14h”.

E eu apareci. Avenida Paulista, 807, conjunto 802. O lugar onde seis anos antes eu tinha entrado para entrevistar o Flavio. Agora ia ser entrevistado por ele para tentar um emprego na agência que parecia um parque de diversões. “Borges, o salário é uma merda, você já tem experiência e logo vai sair, mas se quiser mesmo assim, pode sentar e começar a trabalhar”. Caralho, não era uma entrevista. Ele me chamou só pra dizer que o salário era uma merda e era só eu dizer “sim”. E eu disse sim, porque o salário era mesmo uma merda, mas um salário de merda é melhor que não ter um salário. Além disso, era a Warm Up, cara. Eu ia escrever para o Grande Prêmio.

E ali passei dois anos e cinco meses. De abril de 2003 a setembro de 2005. Boa parte dos dias trabalhava em casa, porque a conexão rápida chegou às nossas vidas e pude ir ao escritório menos vezes. Mas gostava de estar lá. Me lembro do cheiro até hoje — e isso tem a ver com nostalgia, não com o tamanho pornográfico do meu nariz. Uma mistura de carpete velho com cigarro e o papel das revistas antigas, mas eu gostava. Aquela coisa meio decadente da descarga barulhenta e da água que saía do encanamento com cor de ferrugem. O computador branco às vezes dava pau e tinha que usar o pretão, que ainda era com conexão discada. Vida real. Vida real em conexão discada, no caso.

Dividia as tarefas com Victor Martins. Não sei como nos virávamos pra fazer tantas notas-notas-notas apenas em dois. Martins abria o dia e eu ficava no “turno da tarde”. De fim de semana, apenas um dos dois trabalhava. Em um destes dias eu estava lá no parque de diversões e a conexão caiu. Sem internet. O pretão não conectava. Faltava só uma notinha com as impressões do Verstappen (ele mesmo, Jos, o pai do Max) sobre o treino de classificação. E eu poderia ir embora. Flavio telefonou uma hora depois pra saber se estava tudo bem e eu respondi enquanto comia meu sanduíche tardio do Uno & Due. “Caiu a internet, já liguei pra Telefônica, estou esperando pra publicar o Verstappen e ir embora”. Do outro lado da linha, em algum lugar do planeta, veio a resposta: “Porra, Borges, foda-se esse palhaço, vai embora”. E eu fui.

Nunca rompi os laços afetivos com aquela pequena sala de paredes amarelas e azuis. Passados 11 anos da minha saída, estou às vésperas dos 40 anos de idade e sigo acompanhando o Grande Prêmio. Tenho ainda contato com Flavio e com Victor, maior calhorda com quem já trabalhei — e isso é um elogio.

Cada conquista deles é um orgulho pra mim também. Mesmo depois de tanto tempo fico feliz com as vitórias de quem mantém bravamente um veículo de jornalismo independente. Isso não depende do local onde está a redação da Warm Up. Mas um pouco da história do site ficará naquelas paredes, naquele carpete velho. Um pouco da minha história como jornalista estava ali. E continuará. No maior parque de diversões que já visitei.

rborges* Rodrigo Borges foi um dos primeiros “grandões” do site, afinal já tinha trabalhado no “Lance!”, o que não era pouco. Abriu a era das contratações milionárias da empresa, sqn… Depois, bateu asas e voou. Que me lembre, antes de se mudar para Londres foi editor-chefe do “Destak”. Ou do “Metro”. Só sei que escreve pacas.

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PAULO
PAULO
7 anos atrás

Porra, quanto palavrão kct!

Caio
Caio
7 anos atrás

CARA É MESMO SEU NARIZ É ENORME HAHAHAHA

Diego Fiuza
Diego Fiuza
7 anos atrás

Por que o meu comentário foi apagado?

Diego Fiuza
Diego Fiuza
Reply to  Flavio Gomes
7 anos atrás

Perdão, Flavio. Vi errado. Pode apagar esse! Rss..

Diego Fiuza
Diego Fiuza
7 anos atrás

Que bom que o Rodrigo teve essa oportunidade, Flavio! Sou jornalista formado e estou desempregado há um ano. Comecei um curso de MBA, mas, mesmo assim, as chances no mercado estão cada vez mais escassas…

Sou apaixonado por jornalismo, esporte e automobilismo; e histórias como essa me motivam para tentar seguir na profissão!

Abraço!

Jader Mantellato Junior
Jader Mantellato Junior
7 anos atrás

Gratidão! Muito bacana. Algo raro nos dias de atuais.