XI, CHINA (2)

SÃO PAULO (como aqui) – Achei legal uma frase de Alonso após o treino da madrugada de hoje em Xangai, realizado com sol e temperaturas amenas — dava até para ver o céu, e é incrivelmente azul lá, também. “Precisamos de algum caos na corrida”, disse, do alto de seu 13º lugar no grid “guiando como um animal”, como ele mesmo definiu. Claro que falou sob seu ponto de vista particular. Com um carro mulambento, só mesmo o caos pode fazer com que sonhe com algo improvável. Eu vou além: quero o caos em tudo. Só o caos salva. Vou tatuar isso.

Gosto de Alonso. Guia como um animal, está lidando com sua tragédia pessoal — não ter um carro bom há anos, e pior: ter um carro ruim, mesmo — com alguma fidalguia, justifica o que lhe pagam e a idolatria que lhe devotam ao redor do mundo. E de vez em quando demonstra alguma gratidão pelo que tem nas mãos — como o sertanejo que vive na seca e quando caem algumas gotas d’água agradece a Deus, Nossa Senhora, Jesus Cristo e Padim Padi Ciço. “Este 13º foi um presente divino”, falou.

[bannergoogle]Amém.

Amanhã deve chover em Xangai, de acordo com a previsão do tempo. Chuva ácida, neblina, poluição, helicóptero que não pode voar, aeroporto fechado, caos. Estão estudando um plano de contingência com ambulâncias via terrestre escoltadas por Bruce Lee, caso seja necessário. Porque é possível que não haja mesmo teto para voos de emergência em caso de chuva, e não dá para simplesmente cancelar a corrida.

Espero pelo caos, como Alonso. A primeira fila está igual à da Austrália, com Comandante Amilton na pole e Tião Italiano em segundo. Foi a 63ª pole do inglês, sexta na China, sexta seguida — foi pole nas últimas quatro do ano passado. Salvo engano, e estou com monumental preguiça de procurar, o recorde universal do mundo em todos os tempos e eras é de Ayrton Senna, com oito seguidas entre 1988 e 1989. Acho que é isso. Schumacher, nos anos de domínio pela Ferrari, especialmente em 2002 e 2004, não conseguiu bater essa marca. Nem Vettel, quando a Red Bull nadava de braçada.

O tempo de Hamilton, 1min31s678, foi 3s7 melhor que o da pole do ano passado e meio segundo mais baixo que o recorde da pista, que pertencia a Schumacher desde 2004. São carros realmente muito rápidos, os de 2017. A maior velocidade registrada no dia, inclusive, apenas para os registros, foi de 329,7 km/h de Magnólia Arrependida, que fez uma péssima classificação com a Haas. A diferença dele para Vettel foi de 0s186.

Está todo mundo dizendo que temos um campeonato, que vai ter briga, que a Ferrari chegou, agora vai, beleza, vamos nessa. Eu não iria com tanta sede ao pote do otimismo. Que a Ferrari está melhor que no ano passado, isso é fato. E nem era muito difícil. Em compensação, a Red Bull está pior. Sebastian está guiando o fino da bossa, isso é fato. Verstappen, por seu lado, não anda bem das pernas — não passou do Q1 e parte em 17º, o que no fim das contas pode ser legal, se chover de verdade, porque o menino anda muito bem no molhado e saindo lá do cu do grid vai se divertir e nos divertir, isso se não der uma panca antes.

A Ferrari pode estar perto, mas ainda é cedo para dizer que enfrentará a Mercedes de igual para igual o ano inteiro. Até agora, foram duas poles de Lewis. E, na Austrália, a vitória de Vettel deveu-se muito mais a uma inesperada dificuldade de Hamilton com os pneus — “agora entendi esses pneus”, disse o inglês depois da corrida, compreensão algo tardia, eu diria — do que, propriamente, a um desempenho assustador dos carros vermelhos.

[bannergoogle]Mas tomara que seja assim, que Vettel se pendure no pescoço de Lewis e os dois se engalfinhem a temporada inteira, porque é disso que o povo gosta, e gostaria ainda mais se a dupla de segundões de Mercedes e Ferrari se insinuasse na brincadeira. Sapattos e Kimi Dera Fosse Dez Anos Mais Jovem estão na segunda fila, só os quatro no mesmo segundo, denotando o abismo para os demais — Ricardão, quinto no grid, ficou a 1s3 da pole; Massa, o sexto, a 1s8. Mas nem um, nem outro parece incomodar os donos dos respectivos galinheiros. Bottas, ao menos por enquanto, está longe de ser um Rosberg. Mas que se dê o óbvio desconto do noviciado no time, é cedo para dizer que será assim até o fim da vida. Quanto a Raikkonen, está longe de ser o que foi. Para o que a Ferrari precisa, porém, pontos com solidez e frequência e poucas cagadas, está bom.

A sessão que definiu o grid teve uma surpresinha ou outra. Hülkenberg em sétimo, por exemplo, mostrou a qualidade do piloto e o enorme salto que deu a Renault em relação a 2016 — foi a primeira vez que o time francês passou ao Q3 desde que comprou a Lotus, no fim de 2015. Palmer continua a mesma bosta de sempre, empacou no Q1, e ainda desrespeitou bandeiras amarelas e larga em último. É equipe de um piloto só, a Renault. O Q1, aliás, foi de decepções a granel. Além de Palmer e Verstappen, já mencionados, também ficaram Ocon (Pérez está em oitavo, pardón), Grojã (como pode ser tão instável, mon chéri?), e Não Doorme, que não consegue, ainda, passar flanela na viseira de Alonso. Perdoemo-lo, porém, porque ele ainda é garotinho e o carro é uma bomba.

Com tantos vexames, os dois da Sauber passaram ao Q2, mas Giovinazzi acabou barbeirando depois de fazer seu tempo no Q1 e bateu forte. larga em 15º. Sonyericsson, em 14º. Alonso, já foi dito, 13º com muita dignidade. E o resto foi mais ou menos normal, com uma nota de louvor para Lance Storvo, que nunca tinha andado em Xangai, não pôde conhecer a pista na sexta, foi à luta e levou o carro da Williams ao Q3, conseguindo uma elogiável décima posição no grid. E olha que já faz dois dias que não bate em nada, o que é incrível.

Esperemos pelo caos. A corrida começa às 3h de Brasília, o que significa que ficarei acordado esperando. Tem gente que dorme mais cedo e acorda na hora da largada. Esses horários também são caóticos para quem vive neste lado do globo. Caos, caos, caos. Está tudo um caos e queremos mais. Que caia o mundo.