ENFIM JUNTOS

SÃO PAULO (estando bom para todos…) – Há anos, anos mesmo, que se fala sobre a entrada da Volkswagen na F-1. Dona de um punhado de marcas, a montadora alemã, no entanto, nunca levou a boataria adiante. Sempre avisou que estava em outra. Até agora. Finalmente o grupo decidiu fazer parte da categoria. Para isso, recorre a duas de suas grifes mais famosas e vinculadas ao mundo da velocidade e dos carros esportivos de alta performance: Audi e Porsche.

Não foi uma surpresa confirmação feita hoje pelo CEO da VW, Herbert Diess. Desde o final do ano passado que o anúncio se tornara iminente. Afinal, a presença das duas marcas nas reuniões da FIA para discutir a motorização da F-1 a partir de 2026 só faria sentido se houvesse um real interesse na categoria.

Um conjunto de fatores técnicos e estratégicos acabou levando a VW a tomar a decisão, que veio amadurecendo nos últimos tempos. A compra da F-1 pela Liberty foi fundamental. Os americanos vêm trabalhando firmemente desde 2017 para aumentar a popularidade do campeonato e rejuvenescer o perfil do público com o uso intenso de redes sociais e plataformas de streaming. A cereja do bolo é a série “Drive to survive”, da Netflix — responsável por apresentar a F-1 a uma legião de novos fãs.

Conseguiram. A cara da F-1 de 2022 é bem mais jovial que aquela dos tempos de Bernie Ecclestone. Houve um salto muito claro nessa direção. Até a nova geração de pilotos — e isso é totalmente casual — ajudou, com jovens como Lando Norris, Charles Leclerc, Pierre Gasly, George Russell e Max Verstappen assumindo protagonismos em vários níveis. A mistura deles com veteranos carismáticos e vencedores como Lewis Hamilton, Fernando Alonso e Sebastian Vettel deu um caldo dos mais interessantes. É um ótimo elenco com direito até a núcleo cômico — a Haas.

Do ponto de vista técnico, a questão é simples. A F-1 tem dados passos firmes para se adequar às necessidades de, pelo menos, parecer ecologicamente correta. Há um quê de demagogia nessas discussões, porque 20 carros correndo 23 vezes por ano não levariam o planeta a nenhuma catástrofe ambiental mesmo se fosse movidos por motores dois tempos e usassem um jogo de pneus a cada 15 minutos. O mundo está acabando, mas não é por causa da F-1. De qualquer forma, é preciso dar exemplo, mostrar que se preocupa. Foi nesse contexto que surgiram os motores híbridos e, agora, a aposta é nos combustíveis sintéticos, o uso cada vez maior de energia renovável, a busca permanente (e muito bem anunciada) pelas metas de emissão zero de CO2 e compensação ambiental em toda a, digamos, cadeia produtiva do Mundial — que inclui o transporte dos equipamentos até os países onde acontecem os GPs, abolição de copinhos e canudos de plástico para servir bebidas nos camarotes e coisas do tipo.

Os motores a partir de 2026 serão assim. Da mesma forma, a F-1 pretende se mostrar menos poluente com o uso de materiais recicláveis na construção dos carros, na redução da quantidade de pneus, na decoração, operação e manutenção dos motorhomes, no uso de energia limpa nos autódromos, e se seus pilotos se tornarem militantes de tais causas, tanto melhor. Todos vão sorrir para uma turma tão simpática e preocupada com o futuro de nosso lindo planetinha azul.

Era, portanto, a hora para a Volkswagen. O grupo já traçou seus planos e em muito breve deixará de produzir veículos com motores a combustão. O futuro de todas suas marcas é elétrico e ponto final. Isso vai acontecer aos poucos, mas num ritmo acelerado e sem volta. A F-1 não será 100% elétrica em 2026, não chegará nem perto disso, mas vai vender o discurso da eficiência energética para pautar suas mudanças de regulamento e adequações às necessidades da indústria automobilística.

Audi e Porsche têm história nas pistas. Abaixo, pequeno histórico de ambas — os textos foram escritos para o UOL há algumas semanas e vou reproduzi-los:

A Porsche já esteve na F-1 em passado remoto, nas décadas de 50 e 60 do século passado, e um pouco mais recentemente, nos anos 80. De 1957 a 1964, disputou o Mundial e conseguiu uma pole (Alemanha/1962) e uma vitória (França/1962), sempre com o piloto norte-americano Dan Gurney. Ele foi o responsável pelos cinco pódios da marca na categoria. Foram três em 1961 e mais dois em 1962. Em 1983, com dinheiro do empresário árabe Mansour Ojjeh – que morreu no ano passado – e de sua empresa de tecnologia TAG (Techniques d’Avant Garde), a McLaren encomendou à Porsche um motor turbo de 1.500 cc mais leve e econômico que o da concorrência. O pedido tinha sido feito pelo projetista da equipe, John Barnard. Ele estreou no GP da Holanda de 1983, 11ª etapa do Mundial, no carro de Niki Lauda. No ano seguinte, em sua quinta corrida, venceu pela primeira vez com Alain Prost no Brasil. A parceria entre Porsche e McLaren foi um sucesso: 25 vitórias, sete poles, 44 pódios, três títulos mundiais de Pilotos (com Lauda em 1984 e Prost em 1985 e 1986) e dois de Construtores (1984 e 1985). No final de 1987, os alemães descontinuaram o projeto depois que a FIA mudou pela enésima vez o regulamento dos motores, programando o fim dos turbo para a temporada de 1989. Houve uma tentativa de volta em 1991 com a pequena Footwork, mas durou apenas cinco corridas. Era pesado e beberrão, e a equipe não tinha um tostão furado para ajudar no desenvolvimento.

Já a Audi nunca esteve na categoria, mas tem vasta e vitoriosa trajetória nas pistas. Tudo começou na década de 30, quando as principais corridas na Europa e no norte da África faziam parte do circuito de Grand Prix que, depois da Segunda Guerra, deu origem à F-1. A Audi era uma das quatro argolas da Auto Union, joint-venture que uniu a marca a outras três alemãs: DKW, Horch e Wanderer. Nos anos 80, a Casa de Ingolstadt resolveu investir em ralis e revolucionou a categoria introduzindo um sistema de tração nas quatro rodas que levou suas principais rivais a gastarem o que tinham e o que não tinham para desenvolver equipamentos parecidos. Seu período de maior sucesso, porém, se deu a partir do ano 2000, quando venceu pela primeira vez as 24 Horas de Le Mans. Foi um dos maiores domínios da história na corrida de longa duração mais famosa do mundo: vitórias de 2000 a 2002, de 2004 a 2008 e de 2010 a 2014. Em 2003, a VW usou a marca Bentley na prova, que também fazia parte de seu portfólio, mas o carro era um Audi. E, em 2009, a incrível sequência foi quebrada pela Peugeot. Derrotada pela Porsche em Sarthe em 2015 e 2016, a marca das quatro argolas decidiu se retirar do Mundial de Endurance, o WEC, campeonato do qual as 24 Horas fazem parte.

Para a aventura da F-1, as conversas indicam que a Porsche deve assumir a fábrica de motores construída pela Red Bull e tornar-se sua parceira eterna enquanto durar. Já a Audi busca um caminho diferente: quer ter uma equipe própria, ainda que para isso seja preciso comprar alguma já existente. Sauber (que hoje conduz a operação da Alfa Romeo na categoria), McLaren e Aston Martin seriam os alvos preferenciais neste momento.

Mas tem bastante água para rolar sob essa ponte, ainda. São quase quatro anos para desenvolver motores e negociar com eventuais parceiros. Sem pressa. Aliás, pelo que se viu nos últimos anos, pressa é algo que a Volkswagen nunca teve para decidir abraçar a F-1. Muito pelo contrário.

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Sérgio Guerra
Sérgio Guerra
1 ano atrás

Eu não entendi uma coisa. Até onde sei é através da Porsche, e antes era a Audi, que estão desenvolvendo os combustíveis sintéticos e a VW deixará em breve de produzir veículos com motores a combustão. Esses combustíveis seriam utilizados como? Abraço.

Carlos Pereira
Carlos Pereira
1 ano atrás

Penso que talvez fizesse sentido a Porsche entrar na parceria com a Red Bull e a Audi com a Alpha Tauri. A operação seria mais unificada, e uma possivel economia de custos para o grupo como um todo. Mas eu ainda gostaria de ver uma das duas no WEC.

Alexandre
Alexandre
Reply to  Carlos Pereira
1 ano atrás

É isso. Nesse cenário, é a decisão lógica.

Celio Ferreira
Celio Ferreira
1 ano atrás

Muito bom pra F1 a entrada de marcas importantes .Esperamos
que não façam que nem a Honda entra , sai , volta depois sai….