RÁDIO BLOG

SÃO PAULO (ipsis litteris) – Na íntegra, reproduzo post da querida Alessandra Terribili no Facebook. Depois volto para explicar.

Com vinte e poucos anos, quando diretora do DCE-Livre da USP, tomei contato com essa história, do show que Gilberto Gil fez na Poli em 1973, a pedido de militantes do movimento estudantil na universidade, para denunciar as mortes e desaparecimentos de colegas a mando da ditadura militar. O livro “Cale-se”, de Caio Túlio Costa, conta como foi tudo aquilo, especialmente os episódios que envolveram a morte do “Minhoca”, Alexandre Vannucchi Leme, que hoje dá nome ao nosso DCE e sentido à nossa persistência.
Aprendi muito tendo contato com a história, com a luta cotidiana, com meus companheiros e companheiras do DCE e de todo M.E. da USP e do Brasil, ouvindo o samba e a música que se fez no Brasil em protesto contra todas as ditaduras e opressões.
Graças ao Márcio Caetano, hoje eu descobri que esse áudio está disponível no YouYube. É emocionante. É como se eu estivesse recordando uma parte de mim mesma, que – jamais! – não está esquecida não. Mas precisa de música e memória para fazer pulsar o presente.

Terribili, que é uma baita cantora, se refere ao show histórico na Escola Politécnica da USP. Eu também não sabia que tinha sido gravado com qualidade suficiente para virar disco. Vejam o que diz o texto explicativo publicado junto com o áudio que a Alessandra encontrou no YouTube:

Em março de 1973, o estudante de geologia Alexandre Vannuchi Leme foi torturado e assassinado pelo governo militar que dominava o Brasil. Laí Abramo, que era conhecida de Gilberto Gil, convenceu o cantor a fazer um show em protesto contra a morte do estudante. A apresentação foi marcada para 26 de maio, um sábado à tarde. Gil canta durante mais de duas horas, inicialmente tentando aliviar o clima pesado, com músicas como “Chiclete com Banana”, “Senhor Delegado”, “Eu quero um samba”, mas o público quer mais — pede “Cálice”. Gil desconversa, diz que não se lembra bem da letra, mas um estudante pega um pedaço de papel e escreve a letra e entrega para Gil, que não tem então como não cantá-la. O interessante é que tudo isto está registrado em áudio, inclusive vários trechos de diálogo entre Gil e os estudantes presentes.

Quem tiver tempo para escutar o show inteiro vai ficar encantado. Com tudo. Musicalmente, é Gil no melhor de sua forma; politicamente, a juventude brasileira, idem. Os diálogos entre o cantor e o público são espetaculares — deve-se compreender que a Poli estava cheia de arapongas do regime, prontos para entrar em ação a qualquer momento, se achassem que algo “subversivo” pudesse ameaçar a ordem.

Tudo lindo demais. O show, o momento, a luta.

Subscribe
Notify of
guest

23 Comentários
Newest
Oldest Most Voted
Inline Feedbacks
View all comments
Oi?
Oi?
8 anos atrás

Eu queria, de verdade, acreditar que tanta luta não foi inócua. Queria crer que a esquerda hodiernamente não é corrupta, e que as ideologias – e a capacidade de criar sonhos – não se perderam por coisas efêmeras como o dinheiro e o poder. Fico triste com tudo no Brasil de hoje. Com a direita, com a esquerda e com a falta de direção de todos os políticos, sem exceção. Todos têm culpa, exatamente como em 63, e a História, infelizmente, pode se repetir.

Saima
Saima
8 anos atrás

Eba, post sobre política. Comments qualquer nota com respostas pombo sem asa do FG!!!!

Eduardo Britto
Eduardo Britto
8 anos atrás

Se 10 anos depois, na PUC/SP, tínhamos receio de uns caras “suspeitos” serem arapongas, que dirá em 73! No livro Verdades Tropicais Caetano conta da prisão e reclusão dos baianos pelos milicos no fim dos 60… Ou seja, havia um trauma, haveria até razão pra fugir do pau. Mas ele não fugiu. Por isso Gil é e sempre será Gil.

flavio Moreno
flavio Moreno
8 anos atrás

querido xará e camarada, que emoção escutar isso, realmente esses coxinhas nao entendem o que era resistir e lutar contra a ditadura, e no livro Cala-se conta um pouco do processo de criação do DCE livre – Alexandre Vannucci Leme, tenho orgulho de ter participado desse momento vivo do ME e ter sido dirigente da UEE-MG e da UNE

Fernando Amaral
Fernando Amaral
8 anos atrás

Em um documentário recente Gil conta como aconteceu a composição de “Cálice” , na casa de Chico Buarque, durante uma tarde depois de chamado por este, e tal.
Dai Gil relembra o show no rio em que eles dois tentaram cantar a música (no ano de 73) e censores presentes simplesmente mandaram desligar os microfones, realmente impedindo tocarem aquela canção; em seguida Gil diz ter um sentimento de tristeza e depressão em relação à canção, e que nunca mais a cantou – não sei se o show da Poli foi antes ou depois do show no Rio, mas talvez Gil tenha tratado de negar a própria lembrança do episódio na USP.

Não sabia desse show e muito menos do registro, é da época q Gil tocava e cantava na plenitude de sua arte, acredito.
Valeu a informação.

Ricardo Bigliazzi
Ricardo Bigliazzi
8 anos atrás

Pena que o Gil e o Caetano deixaram de lutar faz tempo, essa luta está fazendo falta nos dias de hoje.

Rob
Rob
8 anos atrás

A luta é linda é?
Qual o sentido de uma ideologia que sempre fala da “luta”, e que ela tem que continuar.
Porque diabos a luta tem sempre que continuar?
A luta contra oq?

luiz Almeida
luiz Almeida
Reply to  Rob
8 anos atrás

É isto ROB! Desde adolescente que ouço este pessoal dito de esquerda falar em luta. Assim como as religiões, esta ideologia precisa de seus demônios para subsistir e manter seus fiéis.

pedro coxinha
pedro coxinha
8 anos atrás

Agora só falta aparecer algum imbecil de esquerda para dizer que o Emerson Fittipaldi e a família Fittipaldi eram da elite golpista que sustentava o regime militar, e que as extraordinárias conquistas do Emo eram só o circo para alegrar o povo oprimido, assim como a fantástica Seleção de 70 ! Que a esquerda vá pra puta que a pariu, não sem antes tomar no meio do cu !!! Bando de ladrões, corruptos, cínicos e canalhas ! A UNE hoje é um bando de pelegos corruptos, refestelados por verbas públicas ! E viva as GLORIOSAS Forças Armadas Brasileiras !

Sérgio Santana
Sérgio Santana
8 anos atrás

Me formei em História pela Uniso (Universidade de Sorocaba), cujo reitor era tio do Alexandre e uma prima dele, é professora. O tema, logicamente era complicado de ser tratado, mas ambos são pessoas muito dignas e carregam esta cicatriz eternamente.

Paulo
Paulo
8 anos atrás

E pensar que hoje ele o “mano Caê”se prestam a ir fazer show em Israel… Como gira o mundo e a lusitana roda.

Eduardo Britto
Eduardo Britto
Reply to  Paulo
8 anos atrás

Que leitura rasteira! Coisa de quem nunca ouviu Gil e Caetano com as “orelhas”, que dirá com o coração…

Edgard
Edgard
8 anos atrás

Como politécnico, fico orgulhoso de ver isso e saber que um dia a Poli foi realmente politizada, coisa que não pude ver quando estive lá, já neste século.
Hoje é um arremedo, dominada pela coxinhice.
Tristes tempos.

Emerson Koch
Emerson Koch
8 anos atrás

Tenho este disco. Que baita artista! Ele vai onde o povo está, e o clima do show lembra Garopaba no início dos anos 80 ou o Psicodália. Isto é Brasil, no que temos de melhor e mais admirado, e nada vai travar isso, Oxalá! Fascistas: No Pasarán!

Guilherme
Guilherme
Reply to  Emerson Koch
8 anos atrás

Por falar nisso, já está na hora do Gilberto Gil tocar no Psicodália né??

Luiz F Gomes
Luiz F Gomes
8 anos atrás

Flavio,
E eu me pergunto aonde estão os estudantes e o ME hoje. Eu esntrei na USP em 1987, para mim na época muito distante dos anos de ferro, mas vendo hoje apenas 14 anos depois desse show. Os CAs e o ambiente em geral ainda era bem político. Hoje realmente parece que nem os maiores absurdos da direita despertem a estudantada, que simplesmente assiste a destruição do que foi conseguido nos ultímos 12 anos.

Alessandra Terribili
8 anos atrás

Querido Flávio, e segundo a narração do Caio Túlio Costa no livro CALE-SE, o pedaço de papel que o estudante entrega ao Gil para que ele se lembre da letra da música era uma folha dO Pasquim, que tinha publicado a letra censurada na íntegra. A nossa história é linda, não é? <3

Alessandra Terribili
Reply to  Flavio Gomes
8 anos atrás

Se nem nós nos recuperamos, imagine a família dele né… Beijos, Flavinho! Que bom que existe tu pra subverter o marasmo medroso desta internet!